O Brasil registou 131 327 queimadas florestais até ao mês de Agosto em 2019, sendo que, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), só na Amazónia foram registados 43 573 focos, destaca uma reportagem publicada esta segunda-feira pelo Brasil de Fato.
Uma nota técnica realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) deixa em evidência a relação entre as queimadas e o desmatamento da Amazónia. Ao comparar os municípios com maior índice de desmatamento com os de maior índice de queimadas, Altamira (Pará), Porto Velho (Rondónia), São Félix do Xingu (Pará), Lábrea (Amazónia), Colniza (Mato Grosso) e Novo Progresso (Pará) estão nas duas listas.
Esta relação entre queimadas e desmatamento não é de agora, sublinha a reportagem, explicando que as queimadas «são uma prática primitiva de limpar terras desmatadas» para as tornar próprias para a prática da agropecuária. «Queimadas e desmatamento [são] práticas bem conhecidas na dinâmica da agricultura extensiva do agronegócio», lê-se no portal brasileiro.
Desflorestar, queimar e soltar o gado
Não é uma coincidência que sete dos dez municípios mais queimados do Brasil este ano estejam também na lista dos mais desmatados. «O desmatamento avança com o fogo avançando em seguida», explica Paulo Moutinho, co-fundador do IPAM.
A maioria dos municípios presentes na lista elaborada pelo instituto está localizada no chamado Arco do Desmatamento – que resulta de um processo histórico de ocupação da Amazónia, entre o final da década de 1950 e início da de 1960.
«Essa ocupação deu-se principalmente pela chegada de grandes obras de infra-estrutura na região amazónica. Em paralelo, com políticas de incentivo da ditadura militar, introduziu-se um modo de ocupação estimulando a migração do Sudeste, Centro-oeste e Nordeste. O resultado foi a criação de uma fronteira agrícola e pecuária que, desde então, avança anualmente sobre a floresta», explica a reportagem, acrescentando que «cerca de 30% do desmatamento acontece em terras públicas, numa prática consolidada de especulação ilegal».
Pará, Rondónia e Amazonas
O Pará é um dos estados com municípios na lista dos mais queimados – Altamira, Novo Progresso e São Félix do Xingu –, sendo que ali se verifica uma forte presença do monocultivo da soja e da pastagem dedicada à pecuária, segundo dados do Censo Agropecuário, realizado em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Brasil de Fato sublinha que, comparando as áreas de pastagem actuais com as constatadas pelo censo de 2006, houve um aumento significativo em todos estes municípios – 46% em Altamira, 49% em Novo Progresso e 64% em São Félix do Xingu.
Em declarações ao portal, Raione Lima, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frisou ainda que no trecho da rodovia BR-163 – conhecida como corredor da soja – que liga o porto de Santarém, no Pará, a Sinop, no Mato Grosso, o principal aumento do desmatamento e das queimadas em 2019 foi «provocado e organizado» e deu-se em áreas de assentamentos da Reforma Agrária.
Porto Velho, capital do estado de Rondónia, é a terceira cidade da região amazónica com maior índice de queimadas e desmatamento. Só este ano, foram ali resgistados 3110 focos de incêndio e 280 hectares de desmatamento, segundo o Inpe.
A pressão do agronegócio na região é notória, estando contabilizados 351 534 hectares de pastos – 43% de acréscimo em relação a 2006 –, 41 575 hectares dedicados ao plantio de cana-de-açúcar e 3604 à cana-de-açúcar forrageira, utilizada para alimentação de gado.
No Sul do estado do Amazonas, os municípios de Lábrea e Apuí contam-se também entre os mais desmatados e queimados, tendo sido ali registados 2224 e 2064 focos de incêndio, respectivamente.
Sobre as áreas desmatadas, verificam-se 170 hectares em Lábrea e 110 hectares em Apuí, até Julho deste ano. Tiago Maiká, agente da CPT Amazonas, explicou ao Brasil de Fato que existe uma cadeia de actividades que protagonizam o desmatamento na região: primeiro, entram as madeireiras; depois as fazendas de gado e a soja, ocupando essas pastagens.
«Conflitos no campo»
«O desmatamento e os incêndios não são as únicas consequências do modelo predatório do agronegócio», frisa a reportagem, acrescentando que, «com a agropecuária extensiva, os conflitos por terra tornam-se comuns e a morte de líderes camponeses uma realidade cada vez mais evidente».
De acordo com a CPT, só este ano houve 18 assassinatos em «conflitos no campo registados no país», sete dos quais no Pará e cinco no Amazonas. Para Maiká, a intensificação dos discursos de ódio tem relação directa com o aumento nos índices de assassinatos, assim como dos crimes ambientais.
A narrativa construída pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, também se caracteriza pelo ataque constante às organizações não governamentais (ONG) que actuam na preservação ambiental e aos institutos de pesquisa.
«Desde o início da repercussão do aumento no índice de queimadas, Jair Bolsonaro já acusou as ONG de estarem a atear o fogo na floresta a fim de culpabilizar o governo, mas sem provas. Além disso, contesta regularmente os dados divulgados pelo Inpe», sublinha o Brasil de Fato.
Outro incentivo à violência por parte de Bolsonaro constitui a defesa de que os fazendeiros devam armar-se legalmente. No passado dia 17, o presidente brasileiro aprovou a lei 3.715/19, que visa ampliar a posse de armas de fogo em propriedades rurais. Antes, era permitida a posse apenas na sede da propriedade – agora, toda a extensão do terreno é compreendida como propriedade.
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