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|Música

Este não é um artigo sobre a Taylor Swift

Ao expor publicamente as suas posições políticas (e encorajando todos a fazer o mesmo) Taylor desafia, pelo menos parcialmente e até ver, a lógica de cooptação a que o capitalismo nos habituou.

Tailor Swift
Tailor SwiftCréditos / The Daily Signal

A matriz cultural que paira sobre as nossas vidas tem como elemento incontornável, explícito e implícito, o domínio norte-americano. Indissociável da sua hegemonia económica, tecnológica e militar, o imperialismo dos Estados Unidos da América (EUA) faz-se sentir também no plano cultural – além do político, é claro, que emerge como causa e consequência das demais dimensões.

É, portanto, uma verdade quase de La Palice afirmar que, do cinema à música, sem esquecer a própria linguagem, o nosso quotidiano está impregnado de referências aos e dos EUA.

A isto soma-se a vertigem estupidificante em que as elites procuram, desde há muito, submergir as camadas populares, proporcionando-lhes ad nauseam detalhes da vida de «celebridades», como apresentadores de televisão, músicos, actores, desportistas, etc.

Como não podia deixar de ser, muitas dessas celebridades são provenientes dos EUA, ou por lá passam boa parte do seu tempo. Por mais voltas que demos pelo mundo, poucos serão os cantos onde os grandes órgãos de comunicação social não levaram a «terrível» separação de Brad Pitt e Angelina Jolie, os «desvarios» do adolescente Justin Bieber, as casas dos mais ricos de Hollywood, etc.

O que se pede a estas celebridades é que a densidade das suas vidas pessoais (amores, desamores, bebedeiras, overdoses, compras excêntricas, etc.) seja inversamente proporcional à densidade dos seus posicionamentos políticos. Para poderem fazer parte do «pão e circo» dos nossos tempos, eles devem ter a espessura de uma folha de papel e ostentar a mais cândida neutralidade em tantas matérias quanto seja possível – excepção feita se for para ir caritativamente distribuir uns sacos de farinha a um país pobre, de vez em quando.

Descrito o contexto, com a esperança que quem lê não esteja já enfastiado, vamos ao que importa!

Um destes dias, a minha companheira propôs-me que, para fim de um domingo preguiçoso, víssemos o recém lançado documentário da super estrela da música pop, Taylor Swift1 – Miss Americana. Hesitei, mas como não tinha grande alternativa para propor, lá aceitei.

Confesso que a primeira metade não me entusiasmou particularmente. A história de uma adolescente americana com distúrbios alimentares que procura o êxito no universo MTV não mexeu muito comigo. Tudo indicava que estávamos perante mais um pedaço de glorificação do percurso individual e meritocrático de alguém «que tinha escalado a dura parede do sucesso», mas tinha conseguido: mais uma self made woman que nos ia relembrar que a causa do insucesso de milhões de pessoas são... apenas elas próprias!

Mas eis que, inesperadamente, tudo muda, não apenas num, mas, na verdade, em dois sentidos! A saber:

1. Contra todas as (minhas) expectativas, Taylor Swift mostra-se uma artista completa. Capaz de compor música, escrever letras e imaginar vídeos para dar vida às suas canções, a norte-americana consegue converter em música e vídeo resposta às situações que a vida lhe proporciona de forma surpreendentemente criativa. Sem entrar em pormenores que estragariam o visionamento do referido documentário a quem leia este artigo, é impossível não fazer aqui referência a músicas e respectivos clips como ME!2 e You need to calm down33. Mas o mais interessante vem a seguir!

2. No seu trajecto do country para o pop, Taylor Swift foi sendo sempre apenas uma celebridade como outra qualquer, com o seu rasto de fama e polémicas q.b.. De resto, a primeira vez que o véu da pretensa neutralidade política se levanta é para a associar a movimentos neonazis4 – o seu silêncio perante este facto é de tal forma ensurdecedor que no imaginário colectivo fica, durante anos, a ideia de que a cantora viveria bem com esta associação. No entanto, tudo muda quando Taylor Swift é vítima de assédio sexual e, ao denunciar publicamente o caso, se vê, enquanto vítima, transformada em agressora. A isto junta-se o contexto das eleições de meio mandato nos EUA, onde a repulsa pelas posições xenófobas, misógenas e homofóbicas da candidata do Partido Republicano no estado de onde Taylor é originária (Tennessee), levam a que decida envolver-se activamente na campanha. Este seria só o início da sua actividade política.

Ache-se o que se achar do primeiro ponto (lá diz o nosso povo que «gostos não se discutem, criticam-se»), vale a pena aprofundar o segundo ponto a partir deste ângulo: num tempo em que muitas das mulheres da elite económica e cultural se arregimentam atrás dum movimento que ignora a dimensão de classe inerente à desigualdade entre homens e mulheres, como é o #MeToo, a protagonista de Miss Americana começa na denúncia do assédio sexual para chegar à exigência de igualdade salarial5.

Mais: ao expor publicamente as suas posições políticas (e encorajando todos a fazer o mesmo) Taylor desafia, pelo menos parcialmente e até ver, a lógica de cooptação a que o capitalismo nos habituou. No lugar de se tornar uma figura cada vez mais asséptica, como fizeram, entre outros, os irlandeses U2, a escolha da norte-americana é de – contra várias pressões – usar a sua visibilidade para dar força a posições contra diferentes formas de desigualdade social.

Não, Taylor Swift não é – pelo menos por agora – uma revolucionária, mas a sua música tem um conteúdo crescentemente comprometido com a intervenção social. Por isso, e porque a luta por um mundo melhor também precisa de exemplos que nos animem no caminho duro que temos pela frente, vale a pena ver Miss Americana!

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