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A degustação das artes e da cultura

Uma app que facilitasse e desse dimensão internacional a jantares e festas no Panteão, nos Jerónimos, no Convento de Cristo, etc., transportados pelos carros voadores da Uber. A startup estava condenada ao sucesso, acabavam-se as discussões.

Créditos / estilosamiracampos.com.br

O jantar dos Founders Summit, os principais fundadores de empresas que estiveram na Web Summit e outros seus convidados de topo, no Panteão Nacional, levantou um vendaval de indignações que tem muito que se lhe diga.

Ao ler as listagens das dez melhores ideias, as 67 frases mais marcantes e o mais que se plantou na embasbacada comunicação social atropelada por tanta tecnologia, mais as ilustrativas entrevistas aos empreendedores triunfantes, as premonições 360 de gente como Al Gore, Margrathe Vestager, Bruno de Carvalho ou François Hollande, o que mais espanta é, naquela feira de app's tão imaginativas, não aparecer uma startup a apresentar uma app para facilitar a interacção entre equipamentos culturais e o mundo empresarial, que se lustra com eventos em ambientes históricos e os famosos ávidos por ascenderem aos patamares da cultura a que seriam elevados por uma rave na Torre de Belém decorada pela Joana Vasconcelos.

Uma app que facilitasse e desse dimensão internacional a jantares e festas no Panteão, nos Jerónimos, no Convento de Cristo, etc., transportados pelos carros voadores da Uber. A startup estava condenada ao sucesso, acabavam-se as discussões.

A ementa Barreto Xavier para uso do património cultural valorizava-se, os preços de saldo aí inscritos subiriam em flecha dado o aumento da procura. Na tabela de preços incluir-se-ia um anexo com as custas das selfies pessoais e grupais, recortadas em fundos monumentais. Paddy Cosgrave snifaria a variante digitalizada dessa cocaína cultural, um must que poderia utilizar para valorizar o negócio das praças de jorna da Web Summit.

O falazar que o jantar no Panteão originou tapa a questão central de a cultura ter deixado de ser um bem para se converter num produto, numa mercadoria a que se exige rentabilidade. Progressivamente tem-se desmantelado o modelo de investimento público no património cultural, museus e monumentos.

É a disneyficação da cultura, que segue as estratégias culturais em prática nos EUA em que a cultura foi e é desde sempre um meio usado para lavar atentados ambientais, crimes fiscais, especulações financeiras, fugas para offshores, duplicidades éticas e, claro, a exploração do trabalho com o adicional de se obterem chorudos benefícios fiscais.

Os exemplos na Europa multiplicam-se apesar e mesmo quando, há umas décadas, se conseguiu contrariar a intenção de alguns países da CEE, de quererem submeter as actividades culturais e artísticas aos ditames da Organização Mundial do Comércio, fazendo equivaler livros, concertos ou esculturas a batatas, tupperwares, atacadores para sapatos com todas as consequências a montante e a jusante.

Em síntese, queriam atirar a cultura e a criação cultural para a fogueira unidimensional do mercado. O que não entrou pela porta principal entra pela janela. Não há almoços grátis, como propugnou e popularizou o expoente do neoliberalismo Milton Friedman.

«O falazar que o jantar no Panteão originou tapa a questão central de a cultura ter deixado de ser um bem para se converter num produto, numa mercadoria a que se exige rentabilidade.»

Com o desinvestimento público na cultura e no património cultural as estratégias de sobrevivência multiplicaram-se e as questões éticas colocadas pela progressiva influência dos patrocinadores nas decisões das direcções dos museus e monumentos são uma realidade que têm sido objecto de acesas discussões.

Hoje vulgarizou-se nas lojas e restaurantes dos museus haver uma oferta gastronómica variada e a compra de objectos mais ou menos chiques. É preciso alcançar todas as bolsas, adquirir os catálogos dos seus conteúdos sendo-se poupado à chatice de o visitar ou sequer saber o que por lá é exibido.

Paralelamente promovem-se visitas desenfreadas em que é permitido às hordas de transeuntes tirarem fotografias colocando em perigo objectos expostos, os casos de danos graves sucedem-se em todo o mundo. Quase se incentiva a praga das selfies em que se abraçam estátuas milenárias, se ocultam pinturas colocando-as em risco. Deixaram de ser objectos de contemplação e usufruto cultural para se equivalerem a manequins numa montra.

Os führers da moda, da fashion life, tomam de assalto o património cultural associando-os às suas marcas. Um exemplo paradigmático é Itália, com um legado de grande dimensão em risco a exigir intervenções urgentes e os governos, o de Berlusconi na linha da frente, a cortarem drasticamente os orçamentos da cultura. Solução? Vendem-se direitos de patrocínio na restauração de monumentos como a Fonte Trevi à Fendi, o Coliseu de Roma à Tod’s, Pompeia à Prada, a Torre de Pisa à Gucci, associando os logótipos das marcas aos monumentos que apadrinham.

Em França também está em curso, desde 1984, um vasto programa de privatização de património edificado, iniciado por Jack Lang, esse feérico ministro da Cultura que proclamava «ser necessária imaginação para os reinventar».

Na Europa esses processos cavalgam o tempo. Por cá, mais modestamente, o programa «Revive» recorre ao empreendedorismo turístico com promessas de restaurar o património edificado e lhe dar acesso público, desde que, evidentemente, não incomode os utentes que pagam para dormir e vaguear por onde dormiu e vagueou a extinta nobreza, pelo que se deve preservar o sossego desses momentos de ócio. Vamos ver como correrá essa coexistência.

O grande problema da imaginação para reinventar os monumentos é se as operações imobiliárias, que necessariamente lhes estão associadas, garantem, e como garantem, as suas memórias originais, ou se essas memórias serão, e como serão, sacrificadas à sua reabilitação.

Nos processos em curso por essa Europa fora, nada está garantido e muito do que já foi feito só provoca as máximas apreensões.

Tudo isto se enquadra no estado actual da cultura e das artes. Está em linha com as exibições de arte contemporânea em que as marcas de artigos da moda e luxo se associam às vernissages, sublinhado o seu carácter mundano com desfiles de moda ou assinalando-as como fez a Hermès na inauguração de Buren, em Paris, com lenços de seda desenhados pelo artista, a Louis Vuitton com sacos monografados na Murakami em Los Angeles.

Exemplos não faltam nessa lógica ostentatória em que se associa a moda à arte contemporânea, em que o mundo dos famosos desfila destilando fragâncias, jóias e os últimos modelos de vestuário.

São menos as notícias sobre as exposições e os sucessos culturais, que as que registam as presenças do star system, da política aos grandes empresários, das vedetas televisivas às do desporto, do cinema, da música e da arquitectura, dos artistas visuais ao baixo clero da crítica e curadoria que os promove e os chefs que prepararam as degustações daquele evento ou esperam ser convidados para o próximo.

É o estado geral das artes e da cultura contemporâneas em que a dominante é a mercantilização todo-o-terreno vendida em embrulhos espectaculares e sensacionalistas.

No horizonte já nem sequer se vislumbra alguma Margarida à beira desta estrada que Fausto corre em maratona destravada, vendida a alma ao Diabo para ter visibilidade e arrebanhar mais-valias.

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