|Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)

A bazuca atira ao lado da Cultura (II)

Cultura é um exercício de criação, de liberdade, de resistência, de transformação da vida preservando memórias passadas e construindo memórias futuras.

«Au Lapin Agile» (1905), óleo sobre tela, 99,1 x 100,3 cm, por Pablo Picasso. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Colecção Walter H. e Leonore Annenberg, doação de Walter H. and Leonore Annenberg, 1992, Legado de Walter H. Annenberg, 2002. N.º de acesso 1992.391 
CréditosPablo Picasso / Wikipédia

É assim a Cultura arrastada nesse sorvedouro em que a fruição cultural é alienada e alienante, reduzindo os padrões de exigência, tanto de produtores como de consumidores, corroídos pelos efeitos nefastos de uma generalizada oferta de entretenimento de produtos mercantis que não exigem reflexão nem sintonizam sentimentos e se afundam num perverso gosto homogeneizado e acéfalo que atira para a fornalha da iliteracia global um grupo crescente de pessoas que, por via da exclusão cultural, ficam mais afastadas da possibilidade de possuírem ferramentas para exercer os seus direitos de cidadania.

É uma lógica que esquece que a Cultura não é um empilhamento cego de conhecimentos, nem um exercício elitista de distinções, nem a lapidação de um suposto gosto. Que a Cultura é um exercício de criação, de liberdade, de resistência, de transformação da vida preservando memórias passadas e construindo memórias futuras. Que a Cultura tem um papel central a desempenhar, assegurando o direito de todos ao acesso à criação e à fruição cultural para que o seu destino não seja o que lhe é reservado por esta sociedade em que é «secretamente dramático saber se a cultura pode alcançar um valor último ou se não pode fazer mais do que desdobrar-se gloriosamente no vazio contra o qual nos protege, dissimulando-o»1.

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A bazuca atira ao lado da Cultura (I)

A cultura, que deveria ser elemento central na formação da consciência das identidades nacionais e das soberanias, dialogando de igual para igual com a cultura de todos os povos do mundo, tornou-se numa vulgar mercadoria.

As meninas (1957), de Pablo Picasso. Óleo sobre tela, 129 x 161 cm. Ref.ª MPB 70.463, Museu Pablo Picasso, Barcelona. Doação do autor ao museu, em 1968
Créditos / Pablo Picasso/Museu Picasso

No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a Cultura é silenciada, o que naturalmente provocou reacções imediatas em duas cartas endereçadas ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura; uma, inicialmente subscrita por meia centena de personalidades e entidades artísticas implicadas na produção cultural, que continua aberta a recepcionar subscritores – rapidamente ultrapassou o meio milhar –, outra das Associações dos Arqueólogos Portugueses (AAP), dos Conservadores-Restauradores de Portugal (ARP), dos Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD), dos Conselhos Internacional de Museus (ICOM Portugal) e Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS Portugal), em que se manifesta «estupefacção» pela «insustentável ausência» da Cultura no PRR e se reclama a resolução de tão «grave lacuna».

A resposta de António Costa a esses desapontamentos foi célere, lembrando que o PRR estava em consulta pública e que «tem por objectivo a recuperação económica e social, mediante reformas e investimentos exequíveis no curto prazo, mas de efeito estruturante nas áreas que são elegíveis: resiliência e dupla transição climática e digital», pondo o acento tónico no «curtíssimo prazo de execução até 2026; só apoia reformas e investimentos que acelerem a dupla transição climática e digital ou reforcem a resiliência (…) apesar desta forte temática, a cultura não está excluída de acesso aos fundos do PPR (…) investimentos na eficiência energética ou na infraestrutura digital de equipamentos culturais ou na capacitação digital dos agentes culturais são objectivos óbvios» e dava como exemplo que «entre as Agendas/Alianças Mobilizadoras de Investimento e Inovação, a produção cultural e as indústrias criativas constam como áreas estratégicas que integram um programa de investimento em criatividade e inovação, com a dotação de 558 milhões de euros (…) mas também no campo das Qualificações e Competências, o programa Impulso Jovem STEAM (140 milhões de euros) pretende promover iniciativas com vista a aumentar a formação superior de jovens nas áreas das Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemática e Artes».

«as políticas culturais que os estados deviam promover subordinam-se às normas do mercado, que não conhece outra lógica que não seja a do que é vendável, o seu único critério de excelência, que reduz o juízo crítico a uma espécie de crónica de promoção publicitária das artes e dos artistas sem colocar questões de ordem estética, poética ou até relacionadas com as histórias de arte»

António Costa, de bazuca em punho, aponta para onde Bruxelas lhe manda apontar mas bem podia procurar apontar para um alvo que não existe, o de uma política cultural estruturante que não se consegue enxergar por não existir, depois de décadas de desinvestimento na cultura enquanto serviço público, atirando-a para a fogueira unidimensional do mercado. Uma deriva vulgar do capitalismo neoliberal, comum aos partidos que se alternam no poder, em que o mercado de bens culturais de consumo se sobrepõe à intervenção estatal, mesmo e quando o Estado continua a subsidiar algumas dessas actividades, sempre abdicando de promover políticas culturais e de democratização da cultura, em que a política não deve colonizar a cultura, fazendo desta um fim da outra, mas sem criar uma fractura magmática entre as duas. A mantra é a de uma neutralidade cultural, como se a cultura não tivesse nada a dizer sobre a política, nem a política à cultura. O que resulta são uns sucedâneos culturais, os eventos culturais que navegam nas ondas das modas geracionais e multiculturais, com a consequente universalidade de uma uniformidade cultural em que os produtores são subalternizados pelos consumidores.

A cultura, que deveria assegurar o direito de todos ao acesso, à criação e à fruição cultural, ser elemento central na formação da consciência das identidades nacionais e das soberanias, dialogando de igual para igual com a cultura de todos os povos do mundo, tornou-se numa vulgar mercadoria, sujeita à lógica mercantilista que o capitalismo neoliberal procura impor a todas as esferas da actividade social e humana, pelo que as políticas culturais que os estados deviam promover subordinam-se às normas do mercado, que não conhece outra lógica que não seja a do que é vendável, o seu único critério de excelência, que reduz o juízo crítico a uma espécie de crónica de promoção publicitária das artes e dos artistas sem colocar questões de ordem estética, poética ou até relacionadas com as histórias de arte. Essa acaba por ser a questão central subjacente nas preocupações e nas frustrações expressas nas duas cartas, que sentem estar a ser perdida a oportunidade de dar um futuro e um novo rumo à cultura depois de uma longa paragem que deveria ter servido para pensar e reflectir de como alterar um universo que tem estado centrado numa produção cultural predominante consumível em que o entretenimento, pronto a usar e a esquecer, é dominante drapeado com as cores da moda de garantida obsolescência impressas nas máscaras do carnavalesco desfile de auras artísticas das Indústrias Culturais e Criativas (ICC), em que as actividades e produções criativas com um fundo e uma preocupação estética e artística são cada vez mais raras, são cada vez mais excepções no panorama geral da oferta cultural, bem representadas pelos agentes, artistas e personalidades culturais subscritoras da carta à ministra da Cultura e ao primeiro-ministro.

«A cultura tornou-se numa vasta pantomina em que se justifica o desinvestimento público ao se argumentar que o seu peso económico leveda quando se liberta da tutela do Estado»

O predomínio das ICC é o estado de sítio da cultura pós-moderna sob o comando do de um baixo clero que se passeia, das suas veredas às autoestradas, calçado com os sapatos de pó de diamante de Andy Warhol, para que não subsistam dúvidas sobre a falta de profundidade, para a superficialidade mais literal do fetichismo que assalta as artes e a cultura convertendo os seus objectos e produções em mercadorias de um universo cosmopolita, pluralista e relativista, de uma permissividade em que se afunda tanto o processo criativo como o da recepção crítica onde, sublinhe-se mais uma vez e a traço grosso, as excepções são cada vez mais raras para melhor confirmarem a regra de uma cada vez maior submissão às leis do mercado bem expressa numa, por enquanto, falhada tentativa na União Europeia de fazer depender as actividades artísticas e culturais dos critérios e ditames da Organização Mundial do Comércio.

A cultura tornou-se numa vasta pantomina em que se justifica o desinvestimento público ao se argumentar que o seu peso económico leveda quando se liberta da tutela do Estado, o que, em Portugal é, directa e indirectamente, plasmado nos vários estudos realizados por Augusto Mateus & Associados, Sociedade de Consultores Lda, para o Ministério da Cultura, que depois os vende a retalho a autarquias e Comissões de Coordenação Regional, em que na matriz swot do Plano Regional de Lisboa 2014-20201, se lêem coisas extraordinárias nos Pontos Fortes, «oportunidades de novos empreendedores criativos ainda desconhecidos»; nos Pontos Fracos «falta de uma cultura de mercado dos agentes»; nas Oportunidades,«desemprego como oportunidade»; «economia de “royalties”»; «aproveitamento de elementos históricos e culturais para a criação de marcas (Fado, Pessoa, Oceanos…)» e nas Ameaças «pouca sistematização do conhecimento sobre a realidade das ICC em Portugal, inclusive grande confusão sobre o conceito e categorias, importação de modelos (sobretudo aplicação da definição de Adorno) obsoletos e desajustados da realidade portuguesa» – perdoa-lhes, Adorno, porque é deles o reino dos céus.

«esse saco onde os valores imateriais da cultura, a sua capacidade de inovação e criação, de transmissão, difusão e debate de ideias, o seu peso simbólico e estruturante na memória colectiva de um povo, são sacrificados nos altares da mercantilização, para triunfo do mercador do arroz de Brecht que não sabe o que é o arroz, nunca viu o arroz, do arroz só conhece o preço»

Critérios mercantilistas bem expressos nos alhos e bugalhos que se misturam no elencar das ICC pela UE ou quando se lê, na última Conta Satélite da Cultura em Portugal, que o sector com maior impacto é o dos Livros e Publicações, não só pela dimensão como pelo número de empregos que gera. Números grossos que ocultam que a produção de livros é bem menor do que a das publicações e que nas publicações, em Portugal, as duas de carácter cultural, o semanário JL e a revista Ler, além de serem uma quase excrescência no conjunto das publicações, têm tiragens desprezíveis, 10 mil e 7 mil respectivamente, se comparadas com Maria, 167 mil, ou os três jornais diários desportivos, A Bola 120 mil, Record 70 mil, O Jogo, 30 mil. Por essa amostra se vê a grande mistificação que são as Contas Satélites da Cultura, num país conhecido pela iliteracia e em que o sector editorial e livreiro se debate com gravíssimos problemas de sobrevivência. Os outros sectores de actividade seguem o mesmo caminho e critérios. No Audiovisual e Multimédia equivalem-se videojogos e filmes publicitários aos filmes documentais e de ficção. Sintomaticamente as áreas de actividade com menor expressão são o Património, as Bibliotecas, Arquivos e Artes de Espectáculo, ainda que nas Artes de Espectáculo coexistam Gil Vicente e Tony Carreira, as óperas no São Carlos e os Festivais no Sudoeste.

Não pode causar algum espanto que a Publicidade apareça como relevante actividade cultural nesse saco onde os valores imateriais da cultura, a sua capacidade de inovação e criação, de transmissão, difusão e debate de ideias, o seu peso simbólico e estruturante na memória colectiva de um povo, são sacrificados nos altares da mercantilização, para triunfo do mercador do arroz de Brecht que não sabe o que é o arroz, nunca viu o arroz, do arroz só conhece o preço.

(Conclui no próximo artigo)

  • 1. Plano de Acção Regional de Lisboa 2014-2020; Grupo de Trabalho/Crescimento Inteligente; Meios Criativos e Indústrias Culturais; Swot e Ficha Contributos; CCDRLVT, Comissão Coordenadora da Região de Lisboa e Vale do Tejo
Tipo de Artigo: 
Opinião
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Neste contexto não é de admirar que na bazucada do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), de facto comandada nos seus traços essenciais por Bruxelas, a cultura seja enunciada por António Costa como uma beneficiária indirecta, um instrumento infraestrutural.

No programa STEAM (acrónimo de Science, Technology, Engineering, Arts, Mathematics) para os jovens, as artes, na melhor das hipóteses, figuram para brunir as linguagens das outras disciplinas e contribuir para a falácia dos artistas e das artes emergentes que iludem a precariedade e a linearidade de imaginários com conceitos em trânsito na finitude de gostos datados.

Mito maior é o da transição digital em que se confunde ferramenta com conteúdo. Num país de assimetrias tão visíveis que têm sido expostas com mais violência pela pandemia, o recurso aos sistemas digitais é um imperativo para as atenuar mas não é a solução. É uma alavanca de um caminho que tem que se rapidamente percorrer para que a inclusão digital concorra para a resolução dessas disparidades em que outros factores, económicos, sociais e culturais, são os determinantes.

O alarme provocado pela ausência da cultura no PRR releva a situação equívoca que tem contaminado a gestão do Ministério da Cultura de áreas fulcrais que, com tangências e secâncias, deviam ser objecto de atenção específica: a dos produtores culturais nas suas diversificadas tipologias e as relacionadas com o património, museus, bibliotecas, etc. Não por acaso as preocupações expressas nas cartas enviadas ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura, sobre a ausência da cultura no PRR, têm o mesmo objectivo nuclear, a Cultura como um todo, e são remetidas por diferentes subscritores dessas duas áreas nucleares.

«o recurso aos sistemas digitais é um imperativo para as atenuar mas não é a solução. É uma alavanca de um caminho que tem que se rapidamente percorrer para que a inclusão digital concorra para a resolução dessas disparidades em que outros factores, económicos, sociais e culturais, são os determinantes»

O Ministério da Cultura (MC) tem desde sempre um problema orçamental. Com variações, o seu orçamento é praticamente uma sobra, um resto do Orçamento de Estado, o que constrange a sua acção mas não o seu modelo. Por melhores que sejam as intenções, por maior que seja a diferença com que a cultura é encarada pelos governos, por mais excelente que seja o titular da pasta, tem sempre pela frente esse muro quase intransponível, dado o estado das estruturas do MC, vítimas de sucessivos governos, dos do PS aos do PSD/CDS que com reformas ditas estruturais, liquidaram institutos e direcções em fusões sem sentido, com Prace e Premac a exauriram-no de pessoal técnico qualificado.

O que é urgente e fundamental é traçar as grandes linhas para implementar políticas sectoriais, fazendo um sério balanço crítico do passado recente para estabelecer caminhos futuros, mesmo que o futuro não seja imediato. Sem uma estratégia clara e bem definida o MC limitar-se-á a gerir, melhor ou pior, o presente, navegando entre escolhos, sem bússola nem horizonte.

«O que é urgente e fundamental é traçar as grandes linhas para implementar políticas sectoriais, fazendo um sério balanço crítico do passado recente para estabelecer caminhos futuros, mesmo que o futuro não seja imediato. Sem uma estratégia clara e bem definida o MC limitar-se-á a gerir, melhor ou pior, o presente, navegando entre escolhos, sem bússola nem horizontes»

Uma primeira medida seria delimitar claramente duas esferas de acção. Uma com o foco no Património Cultural, outra nas Artes Contemporâneas. Dois pilares nunca estanques que ficariam com maior autonomia e especialização para gerir os imensos problemas em que essas duas áreas se debatem. Duas estruturas verticais que se enraizariam numa rede horizontal que cobriria todo o território, região a região. Isso implicaria a reforma total das actuais Direcções Regionais de Cultura, hoje uma quase irrelevância. Teriam de ser um activo elo de ligação entre o Poder Central, as estruturas intermédias CCDR’s e Áreas Metropolitanas, o Poder Local, as associações e colectividades de cultura. Um modelo de estrutura que favoreça a descentralização positiva contra um excessivo centralismo, acentuado por reformas que têm sido feitas, sobretudo desde 1980, com o aumento exponencial do aparelho de Estado na Cultura, reforçando um centralismo administrativo que nem umas vagas desconcentrações e medidas mais ajustadas à realidade iludem.

Com uma estrutura bem pensada, dinâmica e organizada ficaria garantida a circulação de projectos e ideias, incentivar-se-ia a participação cidadã. A actividade cultural potenciaria o seu papel transformador. Paralelamente teria o efeito importante de normalizar as muitas sobreposições e duplicações, tanto de competências como de tarefas, que hoje existem, mas quase não coexistem, regional e centralmente.

Ficariam também salvaguardadas as autonomias entre os diferentes agentes culturais sem que essas autonomias se atropelassem. Um factor de mútuo incentivo ao trabalho em prol do bem comum que é a salvaguarda da nossa identidade cultural, a que está representada pelo património cultural, a que se constrói pelas práticas culturais diárias.

Os motores são a vontade política e a visão estratégica. Implicam uma reestruturação profunda dos organismos do Ministério da Cultura, aprendendo com as virtudes e os erros feitos desde a Revolução de Abril. Revisando todo o corpo legislativo produzido, o que foi e é válido e o que é e se revelou nefasto.

«Uma profunda reflexão política, necessária e urgente […] é uma proposta de um vasto fórum que poderá não ser fácil de convocar e até de gerir, mas que é fundamental para traçar as grandes linhas de uma estratégia cultural coerente e para a refundação de um Conselho Nacional de Cultura»

Uma profunda reflexão política, necessária e urgente, para que devem ser convocados os agentes culturais, as CCDR e Áreas Metropolitanas, Associações de Municípios e outras estruturas do Estado que têm relação directa ou indirecta com a cultura, como são os ministérios da Educação, do Ambiente (Ordenamento do Território), da Economia (Turismo), das Autarquias Locais (secretaria do Ministro-Adjunto) e da Modernização Administrativa. É uma proposta de um vasto fórum que poderá não ser fácil de convocar e até de gerir, mas que é fundamental para traçar as grandes linhas de uma estratégia cultural coerente e para a refundação de um Conselho Nacional de Cultura. Pode demorar tempo, mas pode e deve contribuir, com visões até inesperadas, para essa reforma que se afigura imprescindível, a par da definição urgente de um estatuto dos profissionais da cultura – nomeadamente pela revisão da sua situação em sede das finanças e da segurança social – que desde sempre têm sobrevivido em situações de grande fragilidade e precariedade, o que a pandemia só desnudou, esgaçando com violência um tecido cultural que desde há décadas é pobre, desigual, assimétrico, a alimentar a fornalha de uma iliteracia global enquanto o Estado vai disfarçando as suas insuficiências nucleares com a distribuição de subsídios.

Com o MC no seu estado actual, apagam-se alguns fogos – alguns até bem extintos – enquanto a floresta continua a arder. O tempo que se gasta, mas não se perde, com o debate proposto, tem o objectivo de tornar a cultura uma força agregadora e transformadora, construindo um modelo de MC que o torne mais efectivamente actuante e descentralizado. Um debate com carácter de urgência enquanto se continua a lutar por atingir o grande objectivo do 1% para a Cultura, o que dará finalmente os meios de actuação e afirmação mínimos para uma política cultural de efectiva democratização da Cultura.

Estas são algumas ideias que, sem nenhuma certeza, colocam hipóteses de trabalho que se consideram nucleares para uma outra Cultura, reorganizando um ministério onde muitas vezes se confunde cultura com artes, para dar um novo impulso, em novas bases, à Cultura, medidas que deveriam ter sido inscritas no Plano de Recuperação e Resiliência, porque a cultura é sempre uma área elegível, transversal a todas as outras, sem que isso signifique que tudo é cultura para nada ser cultura, um abismo por onde facilmente se resvala.

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