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Um sapo chamado Pepe

A poucas semanas de umas eleições que todos os pânditas, gurus, e demais comentadores da pluralíssima comunicação social asseguravam, a uma só e monolítica voz, estarem já no papo de Clinton, o «deplorável» Trump divulgou no Twitter uma peça de propaganda surpreendente.

Ilustração de Justin Renteria
Ilustração de Justin RenteriaCréditos

Num desenho grosseiro MS Paint, o magnata-candidato representava-se a si mesmo como um sapo grotesto: pele esverdeada, olhos protuberantes, algo ensonados, enorme boca e expressão escarninha. A mensagem, críptica somente para as gerações que não cresceram com Internet, era: Trump é Pepe; Pepe é Trump. Meses depois, a campanha de Le Pen chegava à segunda volta ostentando despudoradamente o mesmo anfíbio. Mas afinal quem é Pepe, o ícone da alt-right?

A personagem hoje internacionalmente reconhecida como um símbolo racista teve uma origem inócua. Em 2005 uma tira de banda desenhada mostrava a seguinte situação: um sapo antropomorfizado era surpreendido por outro personagem a urinar com as calças em baixo. Mais tarde, confrontado publicamente com a cena embaraçosa, Pepe responde simples e desavergonhadamente: Feels good, man... [qualquer coisa como 'Sabe bem...']. Três anos depois, o desenho caía de pára-quedas no famigerado /b/ (de aleatório) do 4chan.

Tal como a secção aleatória do 4chan, a evolução deste fórum não faz muito sentido: em poucos anos, um dos becos mais obscuros e marginais da Internet, onde se postavam mangas e animés transformou-se no alfobre mundial da cultura popular da Internet, a fábrica de um léxico que é hoje a língua franca de toda a rede: epic, fail, win, rickroll e a que devemos a invenção do meme como o entendemos hoje.

Daí a departamento de agitação e propaganda da extrema-direita foi só um passo. Mas, se é verdade que a personagem Pepe foi ilegitimamente apropriada, não se tratou de uma violência sem sentido.

Passando ao largo de todas as contradições, fases e mutações do 4chan, merece atenção uma rara constante: o singular sentido de humor, mais niilista que negro, menos niilista que absurdo, dos anons (assim se designam os participantes anónimos do fórum).

Como é regra, e este caso não é excepção, o humor é o bilhete de identidade da política: sob a capa do anonimato pleno, não há tragédia em que o 4chan não consiga encontrar potencial cómico, do suicídio de crianças à violação de mulheres, passando pelo holocausto. Obviamente, a insensibilidade perante o sofrimento alheio é um privilégio de quem nunca sofreu, de quem está longínquo do mundo dos que sofrem e Anon está completamente alienado, não só da sociedade, mas do próprio mundo.

Contudo, o elemento mais relevador do humor 4chan aflora na capacidade de Anon se rir de si mesmo: até a insensibilidade extrema de Anon é motivo de troça e entre as piadas mais recorrentes, Anon brinca com o facto de viver «na cave dos pais», de não procurar emprego e, mais que tudo, de ser um «macho beta» que as mulheres consideram repelente.

Anon

Mas, ao invés de se lamentar, Anon celebra a sua própria derrota social como uma conquista. Em vez de desesperar com o desemprego, Anon fecha-se na «cave dos pais» e vive na Internet, nos jogos de computador, num mundo que, sendo virtual, ao menos é seu. No lugar da frustração e consequente humilhação que, na sua linguagem, resultam da «competição por mulheres», Anon escolhe distanciar-se do outro sexo.

Nas palavras de Milo Yiannopoulos, ex-editor sénior do Breitbart News, o site de notícias por detrás da vitória de Trump: «a ascensão do feminismo coincidiu fatalmente com a ascensão dos jogos de computador, da pornografia na Internet e, num futuro próximo, dos robôs sexuais. Com todas estas opções disponíveis e tendo em conta os perigos das relações reais, os homens estão simplesmente a afastar-se».

Compreensivelmente, a primeira grande luta política do 4chan surgiu, em 2014, com o caso Gamergate: uma teoria da conspiração que atribuía à esquerda e, especificamente, às mulheres, um plano secreto para tornar os jogos de computador menos racistas e sexistas. Descoberta a sua vocação, Anon começou por se dedicar a assediar mulheres que trabalhavam em produtoras de videojogos. Mas, como o próprio 4chan, a formação política dos milhões de Anons foi aleatória.

Os posts são frenéticos, desorganizados, ilógicos, cómicos e deliberadamente ofensivos. E Anon educou-se através do meme, a imagem macro com uma dúzia de palavras sobrepostas, a simplificação máxima de qualquer assunto, centrifugado numa constatação extrema, numa comparação denunciadora, numa única conclusão possível.

O grande perigo e a grande potencialidade dos memes são, por um lado, a simplicidade extrema que facilita a difusão e, por outro, a ambiguidade da intenção que facilita a assumpção ideológica. Muitas páginas de memes são simultaneamente humorísticas e políticas, confundindo deliberadamente a sátira com a afirmação política. Foi assim que, meio a brincar, meio a sério, de piada racista em meme sexista, defendendo a sua «liberdade» de ser «politicamente incorrecto», Anon acabou feito um militante nazi. Completamente a sério.

Se hoje não sobram dúvidas sobre o impacto dos memes como forma de propaganda política, permanece o mistério da viabilidade do fenómeno Breitbart, e respectiva alt-right, na Europa.

Se é certo que, em França, Pepe ainda não galgou os muros da fachosphère e, em Inglaterra, Milo Yiannopoulos é um desconhecido na própria terra, o principal ingrediente da alt-right não é uma cultura nacional, mas uma cultura geracional.

Anon é um jovem adulto desempregado, com contrato precário ou altamente explorado; cresceu a jogar videojogos e imerso na produção cultural dos EUA ou do Japão, que tem como principais referências; recorre quase exclusivamente à Internet para se informar, expressar e se relacionar com o outro; faltam-lhe as capacidades sociais para interagir com outras pessoas e em particular com as mulheres.

O segredo da alt-right é dizer a Anon que, como o sapo Pepe, pode ter orgulho em tudo isso. Basta aceitar que essa realidade nunca irá mudar e destruir tudo e todos aqueles que o recordem de que, no fundo, gostava de ter outra vida.

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