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Os pormenores escondidos da História

O pai de Lilliane Bettencourt e fundador da L'Oreal foi Eugène Schueller, o grande financiador do mais fanático e criminoso grupo fascista dos anos trinta, «La Cagoule», organização terrorista e anti-semita responsável pelo assassinato de comunistas e refugiados.

Créditos / journaldunet.com

Há «esquecimentos» e pequenas distorções do passado que se infiltram em minúsculas frinchas, pequenos pormenores que surgem ao ver um documentário ou um filme, no meio da notícia de um jornal, sem contraditório, cristalizando-se numa realidade conveniente, acabando por caucionar uma fraude calculada que, por repetida, se transforma em «verdade oficial».

Calculo que quem nota pergunte se vale a pena pôr os pontos nos «is», se adianta martelar no que parece riscar pouco numa paisagem inundada de fake news e «pós-verdades», bem mais graves e actuais.

Mas talvez valha. Quanto mais não seja, por tudo contribuir para a formação da consciência do presente e porque «Nós merecemos!», como diz anúncio da L’Oreal, cuja dona, Liliane Bettencourt, née Schueller, acaba de falecer há poucas semanas.

No «In Memoriam» do Expresso, José Cutileiro, refere que a falecida, uma das maiores fortunas de França e do mundo (avaliada em 44,3 mil milhões de dólares), foi órfã de mãe mas «filha de um pai, depois casada com um político da boa burguesia bretã, várias vezes ministro (apesar de direita quase primeiro-ministro de Mitterrand, amigo de juventude católica fascizante e anti-semita entre Vichy e a resistência)…».

Confuso? Haverá mais alguma coisa a dizer para além dos recentes escândalos de coeur com um fotógrafo e o financiamento ilegal de Sarkozy?

Clarifiquemos.

O pai de Lilliane Bettencourt e fundador da L'Oreal foi Eugène Schueller, o grande financiador do mais fanático e criminoso grupo fascista dos anos trinta, «La Cagoule», organização terrorista e anti-semita responsável pelo assassinato de comunistas e refugiados, e por ataques à bomba a organizações de esquerda, ainda antes da II Guerra Mundial e da invasão de França pelos nazis.

No núcleo restrito dos membros e compagnons de route de «La Cagoule» encontramos André Bettencourt (que casou com Lilliane, filha do pai Schueller), e também François Miterrand.

Durante o domínio nazi e do governo colaboracionista de Vichy, a que Bettencourt e Mitterrand pertenceram (o último foi mesmo agraciado, por Pétain, com a medalha da vergonha conhecida por «La Francisque»), o pai Schueller, que se notabilizou como um dos mais notáveis «colaboradores voluntários» de Helmut Knochen, comandante da polícia e da segurança das SS, aumentou exponencialmente os lucros da L'Oreal vendendo tintas aos alemães, instalando a sua sede de Paris na casa de uma família judia deportada e morta em Auschwitz.

Quanto ao genro, o jovem «cagoulard» André Bettencourt, o tal membro da «boa burguesia bretã» de José Cutileiro, converteu-se em chefe francês da PropagandaSataffel sob a tripla tutela de Goebels, da Westmacht e da Gestapo, controlando todas as publicações colaboracionistas em França.

Safo dos ajustes de contas do fim da ocupação, Schueller, o grand patron da L'Oreal, chegou a ser julgado em 1947, mas contou com a benevolência das autoridades gaulistas (que se aliaram à alta burguesia colaboracionista para fazer face aos comunistas), e com o obscuro apoio do genro Béttencourt e de Mitterrand que, em Abril de 1944, quando as coisas já corriam mal aos fascistas, tinham negociado um flic-flac à retaguarda, alegando terem-se transformando em «resistentes infiltrados em Vichy» (parte de documentação usada provou-se mais tarde ser falsa).

Assim Schueller, um dos grandes colaboracionistas, saiu em liberdade, além do mais «porque ele merecia» já que, em 1945, tinha dado emprego a François Mitterrand na L'Oreal como redactor-chefe da Votre Beauté, introduzindo o futuro presidente no glamour das passerelles.

Na realidade, a L'Oreal serviu, no pós-guerra, como centro de apoio à fuga de destacados nazis e membros de «La Cougalle», como foi o caso do chefe «cagoulard», Jacques Courrège, responsável por inúmeros crimes, que passou a chefiar a L'Oreal nos USA até à sua morte, em 1991, com um cancro do pâncreas.

Como curiosidade, há a referir que Courrège, dono de uma casa em Paris e outra em Nova-Iorque, tendo alcançado a fama no mundo da moda, viu uma semana antes da sua morte, aos 79 anos, as diligentes autoridades dos USA começarem a investigar o seu passado nazi estudando a possibilidade de o expulsar...

Destes ex-fascistas de Vichy, muitos acabaram como ministros ou em altos cargos nos governos da République, com condecorações e Legions D'Honneur.

Em vez de ser julgado pelo seu fervor pró-nazi e pelos apelos à perseguição e morte dos judeus no seu jornal La Terre Française, André Bettencourt, foi sucessivamente ministro de René Cotty, de De Gaulle e de Pompidou, tendo estado à beira de ser primeiro-ministro de Miterrand, continuando depois como deputado e senador.

Por sua vez, Miterrand, nomeado, em 1954, ministro do interior de Mendés-France, escolheu Jean-Paul Martin, antigo chefe de gabinete de Bousquet (o odiado director-geral da polícia fascista de Vichy), para chefiar o seu próprio gabinete, tendo-o condecorado com a Legião de Honra e a Ordem de Mérito.

Estas cumplicidades escondidas, só tardiamente documentadas por Pierre Péan e outros, levam talvez a concluir que todos estes «resistentes» – cuja duvidosa actividade como tal só passou a ser reconhecida quatro décadas depois, já com Mitterrand presidente –, mantiveram uma sólida confiança uns nos outros independentemente do rótulo político que adoptaram como mais conveniente.

Será que este lastro da direita francesa dita republicana, «gaullista», «socialista» ou agora de Macron (que acaba de integrar na lei normal a limitação de direitos do «estado de excepção» decretado por Holland à pala do «terrorismo»), convive assim tão mal com a extrema-direita «populista» da Frente Nacional de Le Pen, herdeiros da velha «Cagoule»?

Ou tratar-se-á apenas de mais um caso de Alzheimer transitório para conseguir o «voto útil» levando a cabo a mesma política policial, discriminatória e de exploração do trabalho que essa direita propõe?

Num registo muito diferente e de forma mais difusa, no meio de uma vida e obra polémicas mas afamadas, uma pequena omissão (ou falsidade) ganha outra dimensão quando leva a uma perda de credibilidade numa área decisiva.

O assunto é delicado. Trata-se de Hannah Arendt. Estou certo que alguns leitores da «grande família da esquerda» vão dizer que qualquer crítica nestes termos é prova de sectarismo.

De facto, a mais conhecida obra de Hannah Arendt é o livro As origens do totalitarismo, editado em 1951, onde procura provar similitudes entre o totalitarismo nazi e o que existiria na União Soviética (que acabara de dar o contributo decisivo para a derrota do nazi-fascismo, sofrendo enormes perdas).

Nada melhor para justificar o espírito da guerra-fria, merecendo, por isso, uma enorme divulgação no «Ocidente». De resto, essa equivalência «de totalitarismos» é uma tese ainda hoje cara à direita e aceite por alguns intelectuais e independentes de gauche.

Saiu da Alemanha antes das grandes perseguições anti-semitas

Mas a questão que se me levantou quando há dias revia o filme Hannah Arendt de Margharete Von Trotta, foi outra.

De facto a filósofa judia, que fugiu da Alemanha em 1933 tendo, anos depois, passado a residir nos USA, fez a cobertura, como jornalista da The New Yorker, do julgamento de Eichmann, oficial nazi, um dos mais altos responsáveis pela «solução final» dos judeus, descrevendo-o como um mero burocrata, partindo daí para a conhecida tese da «banalidade do mal», criticando a falta de resistência dos judeus às brutais condições do Holocausto.

As suas apreciações foram então alvo de forte contestação, nomeadamente por alguns dos seus amigos mais próximos, sobreviventes dos campos de extermínio, que a acusaram de não perceber nada do assunto, ser arrogante e desculpabilizar os nazis.

Mas o que fica a pairar no espírito da generalidade dos seus leitores (como em muitas notas biográficas), dando-lhe uma aura de autoridade moral, é a ideia de Hannah Arendt ter sido judia, vítima dos nazis, refugiada e prisioneira no campo de concentração de Gurs de onde teria fugido, «um campo brutal», como se afirma no filme.

No entanto, Arendt saiu da Alemanha na fase de ascensão do poder nazi mas ainda antes das grandes perseguições anti-semitas que não chegou a presenciar, e uma simples consulta ao site do Campo de Gurs esclarece que Hannah Arendt foi, em Maio de 1940, internada nesse campo de passagem situado no sul de França e sob administração francesa, por ter nacionalidade alemã e, por isso, ser cidadã de um país com quem a França estava então em guerra, e não por ser judia.

Aí permaneceu algumas semanas entre Maio e Junho, até a situação se alterar com o armistício (rendição francesa), não tendo, Hannah Arendt, fugido, mas simplesmente sido libertada, como muitos outros prisioneiros, pelo comandante francês Davergne, que mais tarde integrou a resistência à ocupação alemã.

A filósofa e escritora é, por isso, uma intelectual que se pronuncia, com todo o direito, sobre os campos de extermínio nazi e o Holocausto, mas sem ter um conhecimento directo ou presencial do que aí se passou.

Teriam as suas opiniões sobre os nazis, o comportamento dos judeus no Holocausto e os «totalitarismos», o mesmo impacto se os leitores soubessem que a autora, apesar de judia, nunca tinha estado perto dos horrores de Dachau, Treblinka ou Auschwitz?

E teria Hannah Arendt a mesma maneira de pensar se tivesse vivido a tenebrosa experiência dos campos de extermínio, lado a lado com prisioneiros políticos, a maioria dos quais comunistas, que, com um triângulo vermelho ao peito em vez da estrela amarela de David, sofreram, com coragem, o mesmo criminoso destino?

A política é o que se faz, pensa e acontece, e não se discute o direito de Hannah Arendt à sua opinião. Mas a escritora e os seus biógrafos deviam ter deixado claro que não testemunhara a vivência nos campos nazis, não se fazendo passar por aquilo que não foi.

Ligo a TV. No canal História, um episódio de «Os carros que fizeram a América». A vida e a obra de Henri Ford, a invenção da «linha de montagem», a sua conturbada relação com o filho, a violência armada na resposta aos sindicatos, tudo detalhadamente analisado.

Nenhuma referência, contudo, a Henri Ford simpatizante de Hitler, autor do execrável livro anti-semita, O Judeu Internacional, que o fez ser agraciado com a mais alta condecoração nazi para cidadãos estrangeiros.

Tudo isto é passado, dirão. E o Homem tem a capacidade de mudar.

Mas é muito desse passado que ainda hoje, com estes «pequenos» arredondamentos, se projecta nas consciências, branqueando os feitos mais sombrios de «heróis» e personagens de referência, ou caucionando o comportamento dos que, com uma qualquer «herança» de esquerda (verdadeira ou falsa), retomam as teses mais reaccionárias da igualdade dos «extremos», fundindo falaciosamente agressores e vítimas, exploradores e explorados.

Símbolo da perversidade do sistema capitalismo

Há poucos dias faleceu um dos homens mais ricos de Portugal, Belmiro de Azevedo, dono de uma fortuna pessoal avaliada em mais de dois mil e quinhentos milhões de euros (segundo a revista Forbes de 2016) uma cifra difícil de imaginar na forma de vida de um qualquer mortal.

Sobre a inteligência, sagacidade e capacidade de trabalho da pessoa, não há razão para duvidar dos elogios, mas isso é o que menos interessa. Uma fortuna obscena com esses valores, é sempre fruto da exploração de uma multidão de pessoas. Nada tem a ver com o fruto de trabalho honesto, por muito especializado e dedicado que seja.

E nenhuma notícia ou comentário na grande imprensa ou da TV recordou que, no passado recente, Belmiro defendeu que o desenvolvimento do país devia ser feito à custa de baixos salários, sendo contra qualquer aumento do salário mínimo, indiferente à miséria de quase um terço dos portugueses. E essa é, mais do que uma questão de moral individual, uma opção de classe e um símbolo do esgotamento e perversidade do sistema capitalista.

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