Um país que não produz não tem futuro

Com a adesão à CEE/UE, o ataque à produção nacional foi transversal a praticamente todos os sectores de actividade, servindo as privatizações como motor deste devir.

Vista da mina do Lousal, 30 de Março de 2013. Esta mina esteve activa entre 1900 e 1988.
CréditosAndré Kosters / Agência Lusa

A Revolução dos Cravos dava ainda os primeiros passos quando Mário Soares apresentou o pedido de adesão à CEE, decorria o ano de 1977. A iniciativa, peça-chave do processo contra-revolucionário, apresentava-se cheia de virtuosismos, mas o rumo que a opção pela integração na CEE impôs a Portugal não só travou o caminho de progresso e equidade social que o 25 de Abril perspectivou, como aprofundou e acelerou o processo de recuperação capitalista.

Um rumo de alienação da soberania materializado pela entrega do sector produtivo e outros estratégicos ao capital monopolista, primeiro para o nacional e por seu intermédio para o internacional, a troco de fundos (uma «pipa de massa», diria Durão Barroso) que nunca serão capazes de compensar a perda dos recursos nacionais. Recebemos dinheiro para parar as máquinas e manter terrenos aptos para o cultivo sem poder lançar semente à terra.

Mas para que a ideologia da CEE/UE entrasse nas mentes dos portugueses delineou-se uma campanha semântica onde não faltaram promessas de progresso, de modernidade, de coesão e de maior justiça social. Portugal passaria a integrar o «pelotão da frente», prometeram-nos.

O local escolhido para a assinatura do tratado de adesão foi um dos elementos dessa campanha orquestrada a partir da mensagem de que os portugueses iriam viver num país mais livre e mais igual. Isso mesmo evidenciou Mário Soares na cerimónia realizada no Mosteiro dos Jerónimos, evocativo dos Descobrimentos. Deste período grande da história nacional, decorre, no entanto, uma mensagem que em nada coincide com o futuro desastroso que resultou da famigerada assinatura, em 1986. Isso mesmo porque, e como bem alertou então o economista e comunista Carlos Carvalhas, não foi Portugal que entrou na CEE, foi a CEE que entrou em Portugal com os monopólios.

Com a adesão, Portugal – o «bom aluno» de Jacques Delors –, tornou-se mais dependente do exterior, as condições de vida e de trabalho agravaram-se, os trabalhadores perderam direitos, uma boa parte do emprego foi destruída, aumentaram as disparidades sociais e as assimetrias regionais, enquanto o serviço público foi alvo de um acelerado processo de degradação.


Produzimos abaixo das nossas necessidades

O ataque à produção nacional foi transversal a praticamente todos os sectores de actividade, servindo as privatizações como motor deste devir. Começando pelo sector financeiro, passando à agricultura, às pescas, à siderurgia, ao comércio, aos transportes e aos seguros, entre outros, invariavelmente encontramos os efeitos da pilhagem dos nossos recursos.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes às importações de bens e serviços, entre 1995 e 2014, designadamente produtos da agricultura, silvicultura e pesca, minérios, produtos alimentares ou têxteis, entre outros, comprovam-no. Neste intervalo de tempo, o valor das importações portuguesas aumentou 38 milhões e 410 mil euros. Desta forma, o saldo da balança comercial apresenta défices incomportáveis, com grande parte dos 10 mil milhões anuais (ver gráfico) a serem justificados pelo sector primário e secundário.

COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS: SALDO DA BALANÇA COMERCIAL
 201320142015(Po)
Produtos da agricultura, silvicultura e pesca-2 220 243-1 931 353-2 048 711
Indústrias extractivas-8 178 222-7 291 617-5 899 816
Produtos das indústrias transformadoras1 140 626-1 215 697-1 836 971
Total-9 709 712-10 978 425-10 484 683

Fonte: INE

Por outro lado, Portugal passou a produzir menos riqueza comparativamente ao período da entrada da moeda única. Entre 2001 e 2011, a produção industrial teve uma redução acumulada de 16%, estando os valores de 2011 ao nível de 1994.

Contrariamente à mensagem que suportou a campanha de adesão à comunidade económica, Portugal – obrigado a produzir menos e a comprar mais ao exterior – não só não chegou ao tal pelotão da frente como recuou vários anos, tendo chegado a uma crise sem precedentes.

Crise económica e social onde a lenga-lenga de que «vivemos acima das nossas possibilidades» foi sendo veiculada por uma boa parte dos governantes. Uma afirmação muitas vezes repetida com o objectivo de escamotear a realidade: produzimos abaixo das nossas necessidades. A continuar assim, os pratos da balança jamais ficarão equilibrados, com a agravante de muito poucos ficarem com boa parte da riqueza.

Privatizações: o primeiro impulso para o empobrecimento nacional

A privatização de sectores estratégicos como a energia, os transportes ou as telecomunicações, não só contribui para a descapitalização do País – com a agravante de as empresas serem vendidas a preço de saldo –, como limita a soberania nacional e degrada o serviço público que Abril criou.

Alguns sectores e empresas absorvidos por concessões estrangeiras ou que foram privatizados a 100%

Comunicações: CTT

Cimenteiras: Cimpor

Energia: EDP; REN

Explosivos industriais: SPEL

Ferroviário: Sorefame

Indústria química: Quimigal

Indústria naval: Lisnave

Minas: Mina de Neves-Corvo; Mina da Panasqueira

Petroquímica: antiga Companhia Nacional de Petroquímica

Siderurgia: SN Maia e SN Seixal

Telecomunicações: Portugal Telecom

Transportes: ANA

Vidro: Covina – Companhia Vidreira Nacional (hoje St. Gobain Glass Portugal)

O Estado é o primeiro a perder

Com a privatização das empresas públicas ou de capitais públicos, todas elas lucrativas, o Estado fica sem uma boa parte dos dividendos correspondentes à sua participação no capital das empresas entretanto alienadas. Isto porque, apesar de não haver uma imposição legal no período prévio às privatizações, as empresas públicas tinham a prática de entregar ao Estado cerca de 60% dos seus lucros.

Entre 1989 e 1996, o Estado perdeu 2248 milhões de euros em dividendos. Um dado que contraria a ideia de «benefício» sempre associada às privatizações, como demonstrou mais recentemente o Tribunal de Contas (TC) a propósito dos «processos de reprivatização do sector eléctrico», ocorridos entre 2011 e 2013, por imposição da troika.

Numa auditoria realizada pelo TC, cujos resultados foram divulgados em Junho de 2015, concluiu-se que os dividendos anuais da EDP e da REN podiam dar mais dinheiro ao Estado português do que a privatização das empresas levada a cabo pelo governo de Passos e de Portas. Segundo contas feitas pelos juízes, a participação de 21% na EDP vendida por 2,2 mil milhões de euros rendeu ao Estado, em 2012, 144 milhões de euros em dividendos. Porém, o valor estimado de perda para o Estado é de cerca de 1,6 mil milhões de euros, tendo em conta os custos da dívida pública e depois de avaliado o potencial de rendimento – uma «renda perpétua», de cerca de 3,8 mil milhões de euros.

A conclusão no caso da REN é semelhante e a perda de valor para o Estado ronda os 400 milhões de euros.

PAC: A política das multinacionais

A Política Agrícola Comum (PAC) foi o instrumento encontrado pelo grupo dos seis países que assinaram o Tratado de Roma para mais facilmente promoverem o mercado único europeu. A PAC passou a regular toda a actividade agrícola na UE, substituindo-se às políticas de cada Estado-membro.

«Livre comércio», «segurança alimentar» e «bem-estar animal» fazem parte do léxico da política agrícola comum mas o que na prática observamos distancia-se destes pressupostos. Voltada para o fomento do grande agronegócio e da intensificação da agricultura, a política agrícola da UE viola a soberania alimentar dos estados e esmaga a agricultura familiar.

150 000

Número de explorações agrícolas que

desapareceram desde a entrada no euro

 

Gradualmente assistimos a uma subserviência e limitação da capacidade de intervenção no mercado por parte de cada estado, com prejuízos para estes e em favor dos grandes interesses económicos, a par da destruição do aparelho produtivo. Recordemos o sector do leite em Portugal que, desde que se iniciou o processo de desmantelamento das quotas leiteiras, já viu desaparecer milhares de explorações. Segundo dados do INE, entre 1999 e 2009, o país perdeu 25% das explorações agrícolas e 110 mil agricultores.

A produção agrícola nacional regista uma evolução positiva até 1991. Desde então, assistimos à estagnação do crescimento quer em valor, quer em volume.

Produção do Ramo Agrícola, a preços base
 1980-19891990-19892000-2009
Tx média crescimento anual volume2,1%1,0%0,7%
Tx média crescimento anual valor16,8%1,7%0,1%

Fonte: CNA

A agricultura desempenha um papel cada vez mais residual na economia do País, passando de 11% em 1980 para 1,6% no final da década de 2000.

A PAC introduz os subsídios ou ajudas ao rendimento que não serviram, porém, para compensar a baixa de preços na produção e aumentar o rendimento da actividade agrícola.

Criados com o propósito de compensar os agricultores face às consequências do mercado aberto, em Portugal estes apoios não são distribuídos de forma equitativa. Na realidade, pouco mais de 300 beneficiários recebem mais do que 120 000 agricultores juntos. Por outro lado, a modernização do sector não tem tido reflexo na melhoria dos rendimentos da agricultura familiar, apesar das vantagens que este modelo aporta, designadamente a produção sustentada de alimentos de qualidade, a preservação do ambiente e a fixação das populações.

Política Comum de Pescas

O sector das pescas tem sido fustigado pela política implementada ao longo das últimas décadas, com a Política Comum de Pescas (PCP) a desempenhar um papel central na destruição deste sector, quando Portugal é o país da UE com maior zona económica exclusiva.

Desta forma, a diminuição da população empregada no sector, aliada à redução da frota, empurram o país para uma situação em que, não só não exportamos, como temos de importar parte do peixe que consumimos.

As medidas que se introduziram na PCP, nomeadamente depois da revisão de 2012, desprezam a dimensão deste sector, na sua vertente ambiental, mas também económica, laboral e social, estando subordinadas a uma lógica pura e dura, em que é o «mercado» a determinar o seu funcionamento e, entre outros aspectos, a definir a frota a abater.

Desprezam ainda as especificidades que existem entre os diferentes países, procurando reduzir tudo a uma questão mercantil, com direitos transferíveis que tornam os recursos pesqueiros públicos, em objecto de negócio para os privados. Assim, também nas pescas, a afirmação de uma política soberana é parte indissociável da defesa do futuro dos trabalhadores e de garantia de desenvolvimento do País.

A desindustrialização que se agrava com a crise

Com a entrada de Portugal na CEE/UE, a liberalização da circulação dos capitais e do comércio internacional, a que se junta o domínio cada vez mais forte dos grandes grupos económicos e financeiros transnacionais, a desindustrialização tornou-se um cenário incontornável.

Perderam-se algumas das mais relevantes e características marcas que alavancavam o desenvolvimento do País e geravam emprego. A Lisnave (Estaleiro da Margueira, em Cacilhas), a Sorefame, a Cometna, a Equimetal e a Empordef são alguns exemplos do empobrecimento do nosso perfil produtivo.

Para que se inverta esta situação de perda de soberania e destruição do tecido produtivo e social, urge estabelecer um comércio internacional cooperativo regulamentado onde, contrariamente ao modelo actual, não haja um domínio das multinacionais e dos seus lucros.

Cabe a Portugal recuperar as alavancas que perdeu com a integração na CEE/UE, designadamente as políticas aduaneira, cambial, orçamental e monetária, e voltar a controlar sectores estratégicos da economia, instrumentos determinantes para o desenvolvimento do País e factor indispensável para o cumprimento do preceito constitucional de subordinação do poder económico ao poder político.

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