Em 2002, os escudos eram substituídos por euros nas carteiras dos portugueses

Quinze anos do euro – promessas por cumprir

Após os anúncios de convergência com os ricos da Europa, a realidade é bem diferente das promessas feitas há 15 anos.

Ilustração de Irene Sá
CréditosIrene Sá

Corria o ano de 1995 quando, na cimeira de Madrid, os chefes de Estado e de governo da União Europeia baptizaram a moeda única lançada em Maastricht, três anos antes. O então primeiro-ministro português, António Guterres, lançou a profecia bíblica, um hábito em voga quando se tratava de questões europeias: «Euro, tu és euro e sobre ti edificaremos a Europa.»

Daí até 1999, a data em que o euro se tornou moeda oficial, ainda que só viesse a circular três anos depois, o País viu-se confrontado com o desafio de apanhar o «pelotão da frente», cumprindo os «critérios de convergência nominal» de Maastricht. A inflação, a dívida pública e o défice orçamental teriam que estar em linha com as directivas de Bruxelas, caso contrário, o «desígnio nacional» deixaria de estar ao alcance.

«Sem o euro a Europa correria riscos»

António Guterres, Entrevista ao público a 31 de Dezembro de 2001

Toda a retórica, de que são exemplos estas grandiosas proclamações, caminhava lado a lado com a imposição de metas iguais para todos, economias fortes e mais débeis, países com moedas fortes ou desvalorizadas, estruturas produtivas com níveis de desenvolvimento muito díspares. Mas o euro daria a povos como o português a oportunidade de alcançar o nível de vida dos trabalhadores franceses ou alemães, prometiam os promotores do projecto.

Quinze anos depois de as moedas e notas de euro começarem a entrar nas carteiras em 12 dos então 15 estados-membros da União Europeia, a evolução da economia e a vida dos trabalhadores portugueses mostra um resultado muito diferente. Nem mesmo os critérios de Maastricht, que limitavam o défice e a dívida pública, entretanto transformados em dogma de Bruxelas, foram cumpridos.

Desde 2002, a média do crescimento real da economia não chega a 0,2% ao ano. Em anos bons, quase chegámos aos 2%; num terço dos anos, a economia mergulhou em recessão e, só entre 2011 e 2013, a criação de riqueza caiu quase 7%. Com o euro, a palavra de ordem na economia foi a estagnação.

Por outro lado, a riqueza criada por trabalhador subiu enquanto, nos primeiros dez anos de euro, o desemprego disparou: os 270 mil de 2002 passaram a mais de 800 mil; a taxa de 5% mais que triplicou e continua acima dos 10%. À medida que o desenvolvimento técnico e científico permitia maiores níveis de produtividade, a fatia da riqueza apropriada pelo capital crescia.

51,9%

Peso dos salários no PIB português em 2015 – no final da década de 70 ultrapassava os 80%

De acordo com dados recolhidos pelo Público em Janeiro de 2016, o peso dos salários na produção de riqueza caiu quase dez pontos percentuais desde o lançamento da moeda única; quase 40 pontos percentuais desde a Revolução de Abril e o início do processo de adesão de Portugal à CEE. Na zona euro, apenas na Grécia, na Letónia, em Chipre, na Eslováquia e na Irlanda o peso dos salários era mais baixo.

O salário médio, em paridade de poder de compra, subiu em Portugal 18% desde 2002. No zona euro a subida foi de 24%, na França de 21% e na Alemanha de 31%. Se, quando começaram a circular as moedas e notas de euro, o trabalhador português ganhava em média 63% do que um alemão, 15 anos depois, ganha apenas 53%.


A política económica submetida ao sacrossanto euro

O lançamento do euro, com o tratado de Maastricht e a definição dos critérios de convergência, rapidamente se revelou um projecto desajustado à realidade dos então 12 estados. À medida que se aproximava o final da década, a promessa de um «fim da História» capitalista teimava em não se cumprir. À excepção do Luxemburgo, nenhum outro país conseguia cumprir o défice, a dívida e a inflação exigida.

Ainda assim, ao invés de repensarem a rota, os líderes da União Europeia optaram por ignorar o que a realidade económica demonstrava e impor os mesmos critérios aos estados que entravam no clube do euro, vertidos para o Pacto de Estabilidade e Crescimento, e avançar com a introdução da moeda única.

Em Portugal, o défice das contas públicas nunca ficou abaixo dos 3% do Produto Interno Bruto até este ano. Mas seria injusto dizer que os governos não se esforçaram para alcançar essa meta. Fizeram-no através das privatizações em massa durante os últimos 25 anos, das reduções de pessoal e salários na Administração Pública e consequente degradação dos serviços públicos, do aumento de impostos sobre o trabalho e o consumo.

De acordo com dados do Banco de Portugal apresentados por Carlos Carvalhas numa entrevista recente ao Jornal de Negócios, o volume financeiro que saiu do País em lucros e juros nos últimos 20 anos já é largamente superior ao que recebemos de fundos da União Europeia. São quase 30 mil milhões de euros que saíram da nossa economia em resultado da opção pela via da moeda única.

Com essa opção, Portugal perdeu muitos milhões, mas perdeu também instrumentos fundamentais de controlo sobre a sua economia: nos sectores dos transportes, da energia, das comunicações, financeiro e produtivo.

Ao assumir a via da integração na União Económica e Monetária, o País abdicou também de (mais) uma parcela de soberania: o controlo sobre a moeda e a livre condução da política económica.

O processo de sanções desencadeado, de forma inédita no ano passado, a Portugal e a Espanha por incumprimento das metas do défice, a imposição de um visto prévio aos orçamentos nacionais e o apertar de regras que o Tratado Orçamental estabelece são exemplos de que não é possível a definição autónoma da política económica e orçamental por parte de cada Estado que partilha o euro.

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