Alguns ainda se lembrarão que, a propósito da Auditoria 16/2023 do Tribunal de Contas à privatização da ANA, publicada no início de 2024, a multinacional Vinci, o PSD/CDS e alguma comunicação social apareceram com a tese das duas auditorias de sentido contrário que existiriam, uma a favor da privatização, outra contra.
Vai daí, a Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação da Assembleia da República decide solicitar ao Tribunal de Contas uma informação sobre essa primeira auditoria e quando estará concluída. O tom é baixo, rasteiro, e termina com a ameaça que, se não fazem chegar a auditoria, será divulgado «o relato dos Auditores de 2015» que alguns deputados – do PSD – fizeram chegar à Comissão Parlamentar.
A resposta do Tribunal de Contas, dada de imediato, merece ampla divulgação. É tudo óbvio, mas não deixa de ser importante estar escrito: «O relato dos Auditores de 2015 não é da autoria do Tribunal, que sobre o mesmo não se pronunciou. Trata-se de uma peça intercalar, em construção, não constituindo, pois, um relatório de auditoria do Tribunal.»; «O referido processo n.º 16/2013-DA IX foi cancelado por deliberação do Plenário da 2.º Secção de 25 de Janeiro de 2018, com o fundamento de que "os trabalhos desenvolvidos não apresentam suficiente consistência".»; «Entretanto, em 10 de Outubro de 2018, a Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa da Assembleia da República solicitou uma auditoria ao Tribunal de Contas sobre o processo de privatização da ANA, a qual conduziu à aprovação pelo Tribunal do Relatório de Auditoria n.º 16/2023 - 2.º Secção (Privatização da ANA), aprovado em Plenário, na Sessão de 21 de Dezembro de 2023.»
(1) Ou seja, e como já sabia quem queria saber, não há duas auditorias à privatização da ANA realizadas pelo TdC, há só uma, a publicada em Janeiro de 2024, e que é completamente arrasadora da privatização, que conclui ter violado a lei e ser contrária ao interesse público. Tudo o resto é fumaça da Vinci e do PSD/CDS para não se discutir o que devíamos estar a discutir.
«Não querem explicar-se publicamente, apesar das acusações do Tribunal de Contas à condução do processo e ao arquivo da documentação do processo. Veremos quantos mais serão os intervenientes que pura e simplesmente se negarão a comparecer perante a Comissão Parlamentar.»
A (2) segunda novidade desta semana é que os antigos dirigentes da Parpública, chamados, pelo próprio PSD, à Comissão de Economia, já responderam dizendo que não querem lá ir e não irão. Não querem explicar-se publicamente, apesar das acusações do Tribunal de Contas à condução do processo e ao arquivo da documentação do processo. Veremos quantos mais serão os intervenientes que pura e simplesmente se negarão a comparecer perante a Comissão Parlamentar. Essa escusa já não poderia existir perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que foi o que o PCP propôs e o PSD/CDS/PS chumbaram.
Por fim, (3) devemos registar que esta semana foram anunciados os lucros da ANA, em 2023. São 430 milhões de euros. Sim, quatrocentos e trinta milhões de euros.
Os maiores lucros de sempre, obtidos da forma a que a multinacional já nos habituou:
- Um investimento ridículo (86 milhões em 2023, continuando com um investimento total desde a privatização inferior a metade do investimento realizado durante o mesmo período da gestão pública da ANA. Uma falta de investimento que explica a brutal degradação da operação no Aeroporto de Lisboa, e as crescentes dificuldades nos restantes aeroportos nacionais.
- Uma crescente exploração dos trabalhadores, com os efectivos da ANA SA a sofrerem uma nova redução apesar do aumento da operação. A Vinci está a transformar os aeroportos portugueses em ilhas de crescente precariedade, recorrendo cada vez mais à subcontratação, mesmo para tarefas que são nucleares no aeroporto. E atrás da subcontratação e da precariedade vêm os baixos salários.
- Um aumento contínuo das taxas, impondo aos restantes operadores o pagamento de um dízimo crescente das suas receitas. Uma extorsão que afecta particularmente a TAP, mas abrange todas as companhias, e pode acabar por afectar seriamente o transporte aéreo em Portugal.
Se pensarmos que 430 milhões é quase metade do que a Vinci efectivamente pagou pela ANA, que deste lucro já foram retiradas as verbas destinadas a amortizar o pagamento inicial da concessão e a contribuição da receita para o Estado português, veremos com facilidade que a acusação da Auditoria de 2023 do Tribunal de Contas à privatização da ANA – que, recordamos, calculava em 20 mil milhões as perdas de valor para o Estado Português com a privatização – só peca por escassa.
O que também nos leva à questão final deste artigo: sobre esta privatização e sobre esta auditoria, porque nem piam os que todos os dias gritam «vergonha», «roubo», «corrupção, a propósito de quase tudo e quase sempre por nada?
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