A Associação Mutualista Montepio Geral está neste momento num processo eleitoral que se estende até ao dia 19 de Dezembro. Até lá, estará nas mãos dos mais de 400 mil associados com direito de voto decidir os destinos da associação que detém 99% do capital do Montepio Geral – Caixa Económica, mais conhecida como Banco Montepio.
Na corrida eleitoral está Tiago Mota Saraiva, arquitecto e 1.º efectivo da Lista B – Mais mutualismo, mais futuro. O AbrilAbril esteve à conversa com o candidato para entender melhor o que é o «mutualismo do secúlo XXI», as motivações da sua lista e a avaliação que faz do papel da Associação Mutualista quase bicentenária.
A lista que encabeças tem como lema «Mais mutualismo, mais futuro» e apresenta-se como uma resposta plural e alternativa. Logo à partida há uma crítica implícita e entende-se que tal não existe nos órgãos sociais da Associação Mutualista de Montepio Geral. Porquê?
Ao longo dos anos, o Montepio tem sido sempre liderado por pessoas e feito um conjunto de escolhas, até do ponto de vista dos investimentos, alguns deles que estão hoje a ser investigados e isso já sabemos, independentemente do que foram os resultados das investigações criminais, que deram um enorme prejuízo. Investimentos como o Finibanco Angola, ou até a própria abertura do Banco Bem [Banco de Empresas Montepio], quando o Montepio julgou que devia fazer crédito só para grandes empresas, foi um erro.
O que nós dizemos, e dizemos que somos mais do que uma candidatura alternativa, um projecto alternativo, e esse projecto significa recuperar muitas daquelas que são as bases do mutualismo. Na raiz do mutualismo, está a ideia, por exemplo, de providenciar habitação aos associados e isso é um tema muito importante da nossa lista. Nós não queremos que as entidades do grupo Montepio, o banco, as seguradoras, andem continuamente no casino da especulação imobiliária, como foram andando, a financiar operações de especulação imobiliária, financiar operações de grandes fundos imobiliários. Nós queremos que vá ao que é o essencial e a raiz do objecto de um banco mutualista. Os fundos imobiliários têm já a banca comercial para o fazer.
O mutualismo é outra coisa, o Montepio foi criado para outra coisa, foi criado para um investimento prudente, para um investimento que permitisse também, no fundo, o apoio directo aos associados, por exemplo, em casas. Ou seja, que não só são investimentos rentáveis ao longo dos anos, com alguma rentabilidade, taxas relativamente seguras, mas também providenciando casas aos associados, portanto, um instrumento que directamente apoia os associados. E, portanto, é outra lógica. Nós, na realidade, entramos com outra lógica.
Quais são os eixos estruturais que regem a candidatura da lista B?
Há uma ideia que é a habitação. Ou seja, recuperar o papel essencial da Associação Mutualista a providenciar casa para os seus associados. Isso pode ser feito de várias maneiras, mas sobretudo trabalhar na construção de um mercado sem fins especulativos e esse mercado pode ser apoiando as cooperativas que se estão a investir. Apoiando, não quer só dizer crédito, não quer só dizer dinheiro. Tem a ver com, por exemplo, a Associação Mutualista ter nos seus quadros a capacidade técnica para apoiar a realização de planos de negócios, apoiar as cooperativas a montarem-se. Isso pode ser a vários níveis. Mas também pode ser ela como própria autora dessa providência e dessa construção de uma coisa que falha. Nós estamos continuamente a dizer que falta habitação pública, isso é verdade, mas o que também falta em Portugal, em comparação com o resto da Europa, é o mercado, o sector privado de habitação a preços controlados, que é o sector do cooperativismo, do mutualismo, no fundo da economia social que tem vindo a falhar e no caso do Montepio que tem vindo a entrar nas aventuras do casino imobiliário.
Sim, qual é então o papel diferenciador do Montepio relativamente aos restantes bancos do sector privado?
Deixa-me só dizer-te isto, que é muito importante. Uma das coisas que nós temos na nossa lista é a ideia de ser relativamente plural do ponto de vista da geografia, geracional e com equilíbrio de género, coisa que não há o igual cuidado na outra lista. Nós queremos de facto pensar e construir aquilo que definimos como o mutualismo do século XXI. O que é que vai ser isto do mutualismo? E isso vê-se muito claramente nas diferenças entre a lista assinada por representantes da nossa e a lista encabeçada por Vítor Melícias.
«Na raiz do mutualismo, está a ideia, por exemplo, de providenciar habitação aos associados e isso é um tema muito importante da nossa lista. Nós não queremos que as entidades do grupo Montepio, o banco, as seguradoras, andem continuamente no casino da especulação imobiliária (...).»
Enquanto na nossa lista, os quatro primeiros lugares tem dois homens e duas mulheres, na lista de Vítor Melícias a primeira mulher aparece em oitavo. Enquanto nós temos na nossa lista, até ao décimo lugar, 60% de pessoas com menos de 50 anos, na lista de Vítor Melícias não há uma única pessoa com menos de 50 anos até ao décimo lugar. Portanto, estamos aqui a tentar construir um caminho novo na Assembleia de Representantes. E isso também é importante. Essa ideia do mutualismo do século XXI. Não queremos que seja a nossa geração a falhar ao mutualismo. Não o pode condenar ao que é o mercado comercial e os mercados que nem sequer têm dado proveitos aos associados. Proveitos que «iam entrar neste casino, que era muito dinheiro e chegariam aos associados». Não deu. Agora vamos regressar aos princípios básicos do mutualismo.

No site da vossa lista pode ler-se que há uma necessidade de recuperar essa essência do mutualismo e que esta pode responder à crise habitacional. Neste campo, qual é que seria, objectivamente e a nível pragmático, a diferença do Montepio para os restantes bancos do sector privado?
O Montepio constituiu-se há quase 200 anos e constituiu-se quando os trabalhadores, não protegidos pela Segurança Social, trabalhadores já com algum rendimento, conseguiram ter alguma poupança. A ideia do Montepio era juntar para investir em coisas que fossem coisas seguras. Ou seja, a ideia do Montepio é uma ideia muito bonita de trabalhadores a tentarem proteger financeiramente o seu futuro ao longo da vida, mas com a ideia do aforro de todos, de muitos, quanto mais fossem, mais conseguia ser robusto e mais conseguia providenciar a casa, os próprios rendimentos.
Do banco Montepio actual para a banca comercial quase não há diferença nenhuma. E isso é o que nós queremos assumir de outra forma. Sobretudo a partir da associação, que tem um gravíssimo problema. É que a associação que detém o banco está na sombra do banco. E parece sempre, toda a gente percebe isso, que o banco manda na associação. Tem de ser o reverso. A associação, que tem mais de 600 mil associados, tem de começar a dar orientações para o banco. A dizer o que é que quer. São orientações políticas que podem vir à Assembleia de Representantes, dizer que linhas de investimento é que o banco deve ter ou não ter e isso pode fazê-lo, é uma ingerência como qualquer conselho de administração ou como qualquer proprietário de outros bancos privados podem dizer aos seus bancos. O que nós achamos é que a Associação Mutualista se tem inibido, a partir de um certo constrangimento, de intervir junto do banco, mas o banco é seu. Se os outros donos dos bancos privados podem dizer como é que os bancos operam, porque é que a Associação Mutualista não pode? Deve ser diferente. Não é neste momento, mas deve ser diferente.
Tu não consideras que este afastamento, nomeadamente na ajuda à solução cooperativa na habitação, acompanha, por um lado também, o afastamento das pessoas deste tipo de solução? Ou seja, existe uma ideia que a solução cooperativa já praticamente não existe no nosso país. Achas que o afastamento do banco acompanha essa tendência social?
Acompanha. Na verdade, o banco foi cumprindo orientações políticas, sobretudo ao longo de todas as administrações de Tomás Correia – que o fez com algum afastamento – e actualmente de Virgílio Lima – já com outra perspectiva institucional, mas sempre com uma continuidade nesta abordagem comercial e desta forma de negação da perspectiva mutualista. E este afastamento tem falhado, não só na Associação Mutualista, mas no país inteiro.
Não falhou só com a Associação Mutualista, falhou no país inteiro. Houve uma mercantilização também de muitas cooperativas transformadas em meras associações condominiais onde as vendas e as rendas eram feitas em mercado livre. Isso atingiu todo o sector da economia social. E é isso que queremos reverter porque é fundamental para o país. Nós, para a nossa geração, quando eu digo nossa geração, não digo etária, digo nós que estamos vivos agora, para resolver os problemas de habitação, temos de mobilizar toda a gente. Sobretudo, temos de fazer coisas diferentes do que estávamos a fazer.
«O que nós achamos é que a Associação Mutualista se tem inibido de intervir junto do banco, mas o banco é seu.»
A Associação Mutualista pode fazer o quê? Coisas muito objetivas. Por exemplo, este Governo está a lançar um enorme processo de hasta pública de património público. A Associação Mutualista, não o banco, a Associação Mutualista, pode ir a jogo e dizer: nós queremos participar e queremos recuperar isto para o mutualismo, com rendas controladas. Pode negociar isso com o Governo, tem força para isso. A Associação Mutualista é estrutural ao país. Já para não falar nos 600 mil associados que a torna a maior associação ibérica, uma das maiores mutualistas da Europa, tem também um número que é absolutamente estrutural ao país. Em 2024, ao nível das despesas, o grupo Montepio gastou 1500 milhões de euros, uma vez e meia o que gastou a Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, é maior que a Câmara ao nível das despesas. É maior que a Câmara da Capital ao nível das despesas. Tem um valor de Estado. Se formos ver, Cabo Verde gastou perto destes 1500 milhões de euros. Estamos a falar mesmo de uma escala muito grande. A Associação Mutualista de se inscrever como uma agente importante para a nossa sociedade e para o nosso país. E tem escala para isso.
O Montepio registou resultados líquidos positivos de 210 milhões em 2024, mais 87,5% face a 2023.
Registou resultados líquidos positivos de 210 milhões, mas dos quais 150 milhões são reversões de imparidades. Ou seja, o que é que isto quer dizer? Isto está inflaccionado e na verdade são só 70 milhões. Isto tem a ver com uma análise contabilística que se faz, não implica dinheiro, implica uma análise contabilística que se faz e que se reverte em paridades que estavam nas contas. Isto é uma decisão do Conselho de Administração, mas que, por exemplo, levanta sérias dúvidas aos revisores que, mais uma vez, continuaram sem dar parecer totalmente favorável às contas. Portanto, se fosse assim, a ideia da Associação Mutualista era que os associados, depois, recebessem um valor no final do ano. E isto não aconteceu.
Neste ano, embora as pessoas da nossa lista tenham votado favoravelmente as contas, há claramente um certo insuflar em ano eleitoral, um certo insuflar nesses resultados líquidos positivos a partir de uma operação que é contabilística, que não resulta numa entrada de capital na realidade, e que depois se formos ver caso a caso, por exemplo, num cenário em que a banca comercial está com proveitos e resultados líquidos positivos altíssimos, o Banco Montepio dá de facto resultados positivos, contrariando o que foram os últimos anos, mas muito abaixo da mediana dos outros bancos.
Como é que encaras a elevada abstenção nas eleições da Mutualista?
Nós achamos que há várias coisas a fazer. Nós achamos que há várias coisas a fazer. Para já, temos o dado de que neste momento, a três semanas das eleições, muitos já votaram por correspondência. Eu não tenho os últimos dados, mas poderei já dizer que só através dos votos por correspondência vamos suplantar o número de votos que tivemos nas últimas eleições, os 24 mil votos que tivemos nas últimas eleições. Ainda assim é pouca gente a votar. E isto prende-se com várias coisas.
Primeiro, as pessoas confundem o que é o banco e o que é a Associação Mutualista. Isto acontece a muita gente. Segundo, parece-nos que a Associação Mutualista teve pouco empenho em demonstrar que havia eleições. Havia eleições únicas para o Conselho da Administração e houve um conjunto de factores. Não aceitaram fazer um debate entre as duas listas e nós estamos a tentar fazer um esforço de divulgação, que é democrático, da realização das eleições. Os projectos políticos são muito diferenciados, e estamos empenhados em demonstrar essas diferenças, mas sentimos que, do lado da lista A, há muito pouco interesse para que se saiba que está a haver eleições.
«Quem votar na lista A para a Assembleia de Representantes vai votar numa lista que não tem programa, que não se apresentou ao eleitorado, que não é conhecida nenhuma intervenção pública dos seus representantes que estão na lista. Isso representa também um esvaziamento democrático que houve durante muitos anos, nos mandatos de Tomás Correia.»
Mais, para a Assembleia de Representantes, inclusivamente, a lista A não tem programa. Ou seja, aqueles, sobretudo homens com mais de 50 anos que vão ser eleitos, não estarão agarrados a qualquer programa. Vão só eleitos e não se apresentam com um programa sobre o que é que pretendem fazer nos próximos anos na Associação Mutualista. Nós temos vindo a dizer que há de facto uma lista única para o Conselho de Administração e há um programa único alternativo para a Assembleia de Representantes. Mais, nós somos a única lista que se propõe a fiscalizar o Conselho de Administração, a dar algum sentido e alguma necessidade à Assembleia de Representantes.
Quem votar na lista A para a Assembleia de Representantes vai votar numa lista que não tem programa, que não se apresentou ao eleitorado, que não é conhecida nenhuma intervenção pública dos seus representantes que estão na lista. Isso representa também um esvaziamento democrático que houve durante muitos anos, nos mandatos de Tomás Correia. Virgílio Lima tem tido outros tipos de práticas, mas, por exemplo, Vítor Melícias foi sempre o actor principal, companheiro de caminhada de Tomás Correia, e sempre foi pródigo em fazer sentir que aquilo era uma coisa das pessoas que estavam na direcção da Associação e que as outras pessoas que não concordavam não tinham muito que andar a meter-se nas questões da associação. E isso torna-a uma Associação muito fechada, aliás, como comprova a lista, torna a Associação com falhas de práticas democráticas básicas. Na comissão eleitoral, há um representante da lista B, todos os outros são candidatos da lista A, portanto, as formas de participação são extraordinariamente desequilibradas, e nós queremos mudar isto.
Muita gente se surpreende com a abrangência profissional, até de orientações político-partidárias que está a apoiar-nos. Toda a gente se surpreende. É que há uns mínimos democráticos e de fiscalização que eu acho que nós protagonizamos, e de conferir seriedade à Assembleia de Representantes, que a lista encabeçada por Vítor Melícias claramente não cumpre.
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