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Pedro Nuno Santos: Um balanço necessário

Antes desse ligeiro balanço, importa recordar que Pedro Nuno Santos teve, enquanto ministro das Infraestruturas, as mais excepcionais condições para realizar uma política de esquerda.

CréditosManuel de Almeida / Agência Lusa

A necessidade de um balanço à actividade concreta do ministro Pedro Nuno Santos vem do facto de o mesmo ser apresentado como «uma das caras da ala mais à esquerda do PS», «o ministro mais à esquerda», «o rosto de esquerda para um PS mais à esquerda» e outros considerandos similares. E porque esses rótulos tendem a colar mais que as políticas concretas desenvolvidas, e esse é um rótulo perigoso porque semeia ilusões onde elas não devem existir. E também porque nenhum ministro deve ser avaliado – como gosta de fazer a ideologia dominante – desvalorizando a política em concreto que efectivamente desenvolveu nas áreas à sua responsabilidade e colocando o único enfoque na sua imagem mediática, seja esta derivada de uma eficaz gestão publicitária ou da ineficaz contenção de estragos provocados por um acto em concreto.

Antes desse ligeiro balanço, importa recordar que Pedro Nuno Santos teve, enquanto ministro das Infraestruturas, as mais excepcionais condições para realizar uma política de esquerda, pois foi ministro quando o PS não dispunha de uma maioria absoluta e precisava de alguma forma de apoio ou cobertura à sua esquerda para poder governar. E depois foi ministro com maioria absoluta. Os seus únicos limites eram a sua vontade e a vontade do PS. Como veremos, esses limites levaram a que, na prática, o Governo realizasse nas Infraestruturas a velha política de direita. E importa postular, para conduzir esta avaliação à actuação do Ministério das Infraestruturas, que uma política de esquerda é, no mínimo, uma política que afronte o processo de liberalização e mercantilização, que não se submeta aos interesses do grande capital e antes pelo contrário afronte esses interesses.

CTT

Podemos começar pelos CTT. O ministro teve a oportunidade de propor a reversão da privatização dos CTT. Dispunha de apoio parlamentar para tal – se o PS a tal se tivesse proposto. As consequências da privatização são brutais, o descontentamento popular com a gestão privada é generalizado. O regulador denunciou a cada ano as falhas dos CTT privatizados, que não cumpre nenhum dos 24 critérios de qualidade. A concessão terminou, o que deu ao ministro uma oportunidade para uma avaliação ao processo e para a sua reversão. Que fez o ministro? Negociou com o Grupo Champalimaud (que detém o controlo accionista dos CTT), renovou por ajuste directo a concessão aproveitando para reduzir as obrigações impostas ao privado e alterou a Lei Postal para retirar poderes de regulação à ANACOM. O ministro executou uma política de direita, vergada aos interesses do grande capital e em prejuízo do interesse nacional.

Portos

O ministro teve a oportunidade de reverter a Lei do Trabalho Portuário que nasceu das mãos do governo do PSD/CDS, e que criou um quadro laboral mais precário e mais liberalizado para este sector que o próprio código do trabalho. Dispunha de apoio parlamentar para tal – se o PS a tal se tivesse proposto. Optou por apoiar a lei e o seu modelo liberalizado, e por directamente se aliar ao patronato do Porto de Lisboa na falência fraudulenta da ETPL como meio – criminoso – para destruir as relações laborais existentes, tentar destruir a contratação colectiva existente, tentar destruir o contingente portuário e o sindicato dos estivadores, e aumentar a exploração nos portos. Esse patronato do Porto de Lisboa que, ainda no tempo do governo do PSD/CDS, passara a ser a multinacional Yildrim, com quem o ministro fez um emparelhamento perfeito. Também aqui executou uma política de direita, reaccionária mesmo, vergada aos interesses do grande capital e em prejuízo do interesse nacional.

ANA/Aeroportos

Olhemos para a ANA e para os aeroportos. O ministro herdou uma ANA privatizada, que evidentemente condiciona todo o desenvolvimento do sector aéreo nacional e nada fez para reverter a privatização. A multinacional a quem o PSD/CDS ofereceu a ANA multiplicou-se em tropelias ao interesse nacional, praticou uma política continuada de aumento de taxas e rendas e reduziu o investimento, tudo para aumentar as suas receitas e lucros, contando sempre com a bênção do ministro, que só em 2022 autorizou aumentos de 77% nas taxas de segurança. A Vinci decidiu ainda continuar a operar dentro da cidade de Lisboa, nas instalações da Portela, e exigiu que fosse colocado ao seu serviço uma Base Aérea Nacional para construir um apeadeiro de apoio à Portela. O ministro submeteu-se à sua vontade, afrontando de tal forma o interesse nacional que o Governo vai montando expedientes atrás de expedientes para justificar a manutenção da operação na Portela e a autorização à Vinci para investir na ampliação da Portela, apesar de a referida multinacional estar contratualmente obrigada a investir na construção de um Novo Aeroporto de Lisboa. Também aqui se executou uma política de direita, vergada aos interesses do grande capital e em prejuízo do interesse nacional.

TAP

Ainda no sector aéreo temos a questão da TAP. O governo do PS, pressionado pelas suas promessas eleitorais e pela posição conjunta que foi obrigado a assinar para poder governar, tinha revertido parcialmente a privatização da TAP, mas a TAP continuava sob gestão privada, apesar da maioria das suas acções terem passado a ser públicas. Um acordo parassocial garantia aos privados, na prática, o controlo da companhia, situação que se manteve até ao início de 2020, quando a pandemia se abateu sobre o sector aéreo à escala mundial. Todas as companhias do mundo iriam falir se não houvesse um massivo apoio público. Os apoios surgiram um pouco por todo o mundo, e na contabilização da IATA já ultrapassam os 300 mil milhões de euros. Os grupos capitalistas que geriam a TAP e detinham 45% da companhia recusaram-se a colocar capital na mesma e exigiram do Estado que este oferecesse à TAP as muitas centenas de milhões de euros que seriam necessários para a salvar.

Aqui, o Governo e o ministro começaram por estar bem, recusando que o Estado fosse o único accionista a capitalizar a empresa e recusando a postura suicidária de PSD/IL, que preferiam gastar essas centenas de milhões de euros a pagar subsídios de desemprego depois da falência da TAP. Foi a pandemia que criou o quadro que impôs que o Governo retomasse o controlo sobre a TAP, com a saída dos dois accionistas privados de referência, um de imediato e o outro o ano passado. Mas, perante a reacção da União Europeia, que viu a oportunidade de aproveitar a pandemia para concretizar um seu velho projecto e liquidar a TAP, o Governo imediatamente cedeu, aceitou colocar a TAP sobre um processo de reestruturação destinada a vendê-la a uma das três operadoras europeias de referência autorizadas a sobreviver – Lufthansa, Air France/KLM, Iberia/British.

A TAP era uma empresa perfeitamente equilibrada em 2019, não necessitava de qualquer reestruturação, e o que se exigia em 2020 era um plano de contingência, que ultrapassasse as consequências da paralisação forçada (salários, rendas e leasings que tinham de ser pagos quase sem receitas) e permitisse retomar a actividade assim que possível. A opção imposta por Bruxelas e aceite pelo ministro e pelo governo do PS foi uma má solução, atacou salários e rendimentos, desestabilizou o sector (ainda não se fizeram sentir todas as consequências da desnecessária e perigosa insolvência da SPDH), encolheu a TAP, e fez o saneamento da dívida da companhia para a tornar mais atraente a qualquer futuro comprador (uma dívida originada, essencialmente, na negociata da Manutenção Brasil, também ela só agora encerrada, mais uma vez para a embelezar no momento da venda).

«A TAP era uma empresa perfeitamente equilibrada em 2019, não necessitava de qualquer reestruturação, e o que se exigia em 2020 era um plano de contingência, que ultrapassasse as consequências da paralisação forçada (salários, rendas e leasings que tinham de ser pagos quase sem receitas) e permitisse retomar a actividade assim que possível.»

O facto de a verborreia reaccionária de PSD/IL e de todos os neoliberais atacarem fundamentalmente este aspecto da gestão do ministro nas Infraestruturas faz parte das pressões do grande capital destinadas a impedir qualquer política que não sirva os seus interesses. E a verdade é que conseguiram – mais uma vez – o que queriam: a TAP foi novamente salva pelo Estado de um processo de privatização que acabaria com ela e está outra vez no mercado para ser usada por outro grupo capitalista. Também aqui o ministro executou, no essencial, uma política de direita, vergada aos interesses da União Europeia e do grande capital e em prejuízo do interesse nacional.

Ferrovia

Terminamos este balanço com a ferrovia, onde o ministro consegue, no essencial, ter uma boa avaliação pública sobre o seu mandato. Mas olhemos para o concreto. O que foi de facto concretizado? Quanto do que foi prometido não passou de promessas? Quanto do que foi avançado vai acabar a soçobrar perante as medidas estratégicas que o ministro não teve a coragem ou a vontade de concretizar?

Comecemos pelo verdadeiramente positivo: o regresso da EMEF à CP. Essa medida foi verdadeiramente positiva, permitiu melhorar a capacidade de resposta da CP e da manutenção ferroviária. Mas reconhecendo isto é necessário acrescentar duas ideias: ao valorizar essa reversão, o ministro e o Governo do PS deveriam reconhecer, antes de reclamar créditos, que estiveram errados desde 1993, data da criação da EMEF, e em cada um dos múltiplos momentos em que o PCP propôs a reversão dessa medida e o PS/PSD/CDS a chumbaram invariavelmente; em 2019, quando se concretizou o regresso da EMEF à CP, o Governo do PS levava já quatro anos de mandato, passados a tentar evitar esta mesma solução.

Mas esta não era a única reversão necessária na ferrovia. A fusão da REFER com a Estradas de Portugal na criação da Infraestruturas de Portugal (IP), imposta por PSD/CDS, é contestada por todos os técnicos e especialistas do sector ferroviário. É um absurdo destinado a criar uma empresa pública especializada em assinar cheques e gerir PPP, enquanto se vai passando para o privado o projecto, a fiscalização, a construção, a manutenção, a gestão e a exploração de toda a infra-estrutura nacional (no Estado fica só mesmo o financiamento). Na oposição, o próprio PS havia contestado a criação da IP. Mas no Governo recusou-se sempre a dar esse passo, apesar de ter todas as condições políticas para o fazer. A não reconstrução da REFER, a não reintegração da REFER com a CP, a não reconstrução dos quadros técnicos da engenharia ferroviária, a não reconstrução da capacidade pública de projecto, fiscalização, manutenção e construção de infraestruturas são causas para as dificuldades sentidas na concretização dos investimentos ferroviários. Chegados a 2023, o Ferrovia 2020 está apenas concluído a 25% com um atraso médio superior a três anos. E o pouco que está concretizado é pouco rentabilizado devido à descoordenação de investimentos entre a CP e a IP.

«Na oposição, o próprio PS havia contestado a criação da IP. Mas no Governo recusou-se sempre a dar esse passo, apesar de ter todas as condições políticas para o fazer.»

E o que dizer do material circulante? É verdade que o ministro reconheceu a possibilidade de reconstruir a capacidade nacional de produção de comboios, e isso deve ser valorizado, e reconheceu a necessidade de o Estado investir em comboios. Mas, concretamente, o que fez o Governo? Este leva sete anos no poder, é tempo para mostrar serviço até numa área com tempos de concretização de três/cinco anos como é a do material circulante. Nenhum comboio foi comprado, excepto algum material em segunda mão, comprado a Espanha e recuperado pela EMEF. O único concurso que está adjudicado é o dos 22 comboios regionais que estão a ser construídos em Espanha por uma empresa austríaca. Uma compra que não é suficiente para as necessidades actuais do serviço regional, e muito menos para as possibilidades de aumento da oferta que a concretização do Ferrovia 2020 deveriam abrir em vários serviços regionais.

O concurso para o material circulante para o suburbano arrasta-se há demasiado tempo e crescem os rumores que irá ser mesmo cancelado. Ora, as 117 unidades são essenciais para substituir a frota de Cascais (o que há muito já deveria ter acontecido), para preparar a substituição da frota da CP Lisboa, que está a chegar ao fim de vida útil, e para permitir o aumento de oferta indispensável. E o pior é mesmo o que se passa com o material circulante para o longo curso, para o qual a CP não tem aval para lançar o concurso, com o governo a criar mais um problema ao decidir que essa compra só pode acontecer através de endividamento da CP, um endividamento que só pode acontecer depois de ser feito o saneamento da dívida pública anteriormente colocada na CP, um saneamento que o Governo voltou a adiar em 2022.

«O concurso para o material circulante para o suburbano arrasta-se há demasiado tempo e crescem os rumores que irá ser mesmo cancelado. Ora, as 117 unidades são essenciais (...).»

Na prática, os comboios de longo curso da CP estão a envelhecer e é a Barraqueiro/DB quem se prepara para investir na frota de longo curso e alta velocidade (com apoios públicos para a descarbonização, claro) e explorar as linhas de alta velocidade existentes e as que o país está a projectar. E tudo isto em parte também porque o Governo excluiu o Longo Curso do protocolo de serviço público assinado com a CP, e fê-lo porque essas são as ordens da UE que quer retirar à CP o seu mais lucrativo sector para o entregar às multinacionais europeias.

Sobre o serviço internacional, apesar das promessas costumeiras – alta velocidade a Vigo, Sevilha, Paris, Madrid – a realidade concreta é que até o serviço internacional nocturno a Madrid e a Hendaya foi encerrado e nada é feito para o voltar a colocar a funcionar. E que dizer do Plano Ferroviário Nacional, que anda a ser anunciado há tanto tempo, e não é, neste momento, mais que um amontoado de promessas e reflexões? Um plano cheio de promessas, mas completamente submisso à União Europeia, aos pacotes ferroviários, à liberalização e, portanto, condenado a não ser concretizado excepto onde e como tal interesse às multinacionais europeias.

Afinal, até na ferrovia o Ministro executou, no essencial, uma política de direita, vergada aos interesses da União Europeia e do grande capital e em prejuízo do interesse nacional.

Concluindo

O texto vai longo, e o essencial está dito. Podíamos falar ainda das telecomunicações e da total submissão do Governo aos interesses das multinacionais do sector. Podíamos falar da NAV, do desleixo com que foi tratada, do atraso nos investimentos necessários, no apoio na UE ao processo do Céu Único que visa destruir a NAV. Podíamos falar das auto-estradas, da continuação das PPP, das incapacidades ou falta de vontade de afrontar os grupos económicos que vivem de explorar este sector, como aconteceu agora com o aumento brutal de portagens que o Governo aceitou. Podíamos falar do transporte ferroviário de mercadorias atrelado à Medway e à multinacional MSC. Etc.

Esta nossa crítica não pode ser confundida com os que procuram tirar partido da ausência de respostas aos problemas do País, para imporem com afinco a sua agenda reaccionária, retrógrada e anti-democrática.

O concreto da gestão do ministro à frente das Infraestruturas não correspondeu ao que o País precisava, pelo alinhamento que demonstrou com o grande capital e os processos de liberalização, mercantilização e privatização que o servem. É verdade que tivemos episódios como as bravatas contra o execrável CEO da Ryanair. Mas o país não avança com bravatas, com espectáculos públicos onde se pisca o olho à esquerda enquanto se governa à direita.

«O concreto da gestão do ministro à frente das Infraestruturas não correspondeu ao que o País precisava, pelo alinhamento que demonstrou com o grande capital e os processos de liberalização, mercantilização e privatização que o servem.»

É preciso a coragem de enfrentar o grande capital, nacional e internacional, de enfrentar as imposições da UE, de desenvolver uma política patriótica e de esquerda virada para o desenvolvimento da economia nacional e a satisfação das necessidades do povo português. E aí, o fracasso do ministro é gritante.

Ou talvez não. Talvez Pedro Nuno Santos seja apenas mais uma expressão do velho problema com que o País está confrontado: um PS completamente submisso aos interesses e orientações do grande capital, sem capacidade de cumprir as suas promessas ao povo português e sem vontade de provocar as rupturas necessárias com a política de direita, com os poderosos interesses económicos que à sua sombra prosperam e com as classes que recuperaram o domínio sobre quase todos os aspectos da vida nacional.

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