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Mestrados «nascem como cogumelos»

As instituições de ensino superior olharam para Bolonha como uma oportunidade de negócio para colmatar a falta de recursos financeiros e o subfinanciamento crónico de que vive o ensino superior, por opções de sucessivos governos.

O valor das propinas tem sido apontado pelos estudantes como uma das barreiras à frequência do Ensino Superior
Mestrados e doutoramentos com propinas elevadíssimas põem em causa a igualdade de acesso ao ensino CréditosAEFLUL

A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) elabora anualmente um Relatório de Monitorização da Avaliação do Ensino Superior em Portugal. Segundo o último relatório, de novembro de 2022, a oferta formativa é de 4227 ciclos de estudos, abrangendo os três graus (licenciaturas, mestrados e doutoramentos), um acréscimo de cerca de 8%, em relação a janeiro de 2021.

Este relatório compara também a oferta de graus com o país vizinho, que detém cinco vezes mais população que Portugal, onde o contraste é claro, atualmente Espanha oferece apenas cerca de três mil ciclos de estudos conducentes a grau com origem num universo de 76 universidades.

Se a oferta é muito assinalável em relação à dimensão de Espanha, apesar de nem todos os cursos abrirem, a distribuição por grau merece reflexão. Cerca de metade (48%) é referente a mestrados (2034), 36% a licenciaturas, 14% a doutoramentos e 2% correspondem a mestrados integrados. No mesmo sentido sobressai o número anual de submissões de mestrados à A3ES cerca de 200 de 300 ciclos concebidos.

A A3ES declara à comunicação social que é difícil entender que num sistema de Ensino Superior previsivelmente estável sejam concebidos tantos cursos. Será assim tão difícil entender porque há um apetite voraz por criar e aumentar a oferta de mestrados, muitos dos quais recusados por falta de qualidade? A resposta está no modelo e no (sub) financiamento do ensino superior em Portugal.

Quando em 2006 foi implementado o Processo de Bolonha no nosso país, não suscitou grande reflexão e contestação. Aos alunos foi vendida a ideia da facilidade de convergência com os demais países aderentes, enquanto as instituições de ensino superior olharam para Bolonha como uma oportunidade de negócio para colmatar a falta de recursos financeiros e o subfinanciamento crónico de que vive o ensino superior, por opções de sucessivos governos.

Ao contrário de Espanha que adotou o modelo de 4+1, quatro anos para as licenciaturas (1.º ciclo) mais um para o segundo ciclo (mestrado), em Portugal, e com Bolonha, o número de anos das licenciaturas foi reduzido. As de quatro passaram para três e alguns cursos, a minoria de 5 e 6 anos, passaram a ter mestrados integrados (p.e. Medicina, Medicina Dentária, Psicologia). Ora esta redução teve como objetivo desvalorizar as licenciaturas e reduzir os custos para o Estado, empurrando os estudantes para mestrados, ou seja, transferindo esses mesmos encargos para os alunos e suas famílias.

Enquanto as propinas no primeiro ciclo têm um teto máximo fixado, atualmente 697 euros, nos mestrados não há um valor limite estabelecido, chegando a custar 8000 euros em instituições públicas. No caso dos doutoramentos (3.º ciclo) a propina pode ascender às dezenas de milhares de euros.

Não surpreende que face à falta de financiamento por parte do Orçamento do Estado as instituições do ensino superior estejam a criar mestrados não para melhorar a qualidade académica mas para gerar receita colmatando as despesas correntes e salários, abdicando da qualidade formativa. Se porventura, as propinas dos mestrados e doutoramentos fossem equivalentes às da licenciatura, o sistema colapsava.

Mestrados a “nascer como cogumelos” com propinas excêntricas para financiamento do ensino superior – com transferência de custos da educação para os estudantes e impedindo que estes prossigam os seus estudos – merecem uma grande reflexão.

O Ensino é um dos pilares essenciais da democracia, do progresso, da emancipação e do desenvolvimento individual e coletivo na nossa sociedade. A Constituição da República Portuguesa determina, no artigo 74º, n.º 2, alínea e), como dever do Estado o de «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino». No entanto, aquilo que temos verificado, por opções de sucessivos governos no ensino superior, tem sido exatamente o contrário.

Para Os Verdes a situação é incompreensível. É responsabilidade do Estado garantir que todos tenham a possibilidade de frequentar os graus de ensino que entendam e que tenham a possibilidade de o fazer sem entraves financeiros. O ensino é a garantia da igualdade de oportunidades para todos e, como tal, deve ser uma prioridade. Por isso mesmo, o Estado não se pode esconder atrás da Ação Social Escolar que não satisfaz as reais necessidades dos estudantes.

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