Haja coragem! Em plena época de incêndios, de empobrecimento, de ataque às mães trabalhadoras e de crescimento da extrema-direita, a Iniciativa Liberal (IL), como nenhum outro partido, conseguiu centrar o debate onde este deve ser centrado: na Sydney Sweeney. Por este motivo, o partido liderado por Mariana Leitão deve ser congratulado: não é fácil importar batalhas culturais norte-americanas sem qualquer impacto em Portugal. Confirma-se assim a irrelevância que a IL tem no dia-a-dia dos portugueses.
De forma muito resumida, a actriz Sydney Sweeney, conhecida pelo seu papel na série juvenil Euphoria e que recentemente protagonizou uma campanha publicitária da American Eagle para promover calças de ganga, com o slogan, em jeito de trocadilho, que sugere que a actriz tem bons genes, palavra que em inglês soa semelhante a jeans.
Nos EUA. a polémica instalou-se, particularmente nas redes sociais, com muitas pessoas a argumentar que o trocadilho, associado ao facto da actriz ser uma mulher loira, branca de olhos azuis, sugeria que aquela era a melhor genética. E se umas pessoas tinham essa interpretação e repudiavam a American Eagle, outras, a corja anónima que vomita devaneios de extrema-direita e considerava os EUA pré-Trump como uma «ditadura socialista», encarou a publicidade como o fim da «ditadura do politicamente correcto», como apelidavam todas as campanhas publicitárias que procuram ser mais representativas.
A batalha cultural adensou-se com a militância política da actriz a tornar-se pública. Segundo foi noticiado, Sydney Sweeney é militante do Partido Republicano, algo que foi do agrado de Donald Trump e levou os críticos da publicidade a, no seu ponto de vista, confirmarem as suas suspeitas de que a campanha tinha mesmo laivos de racismo.
Se isto tem algum interesse para a situação em que Portugal se encontra? A resposta é simples: não. Mas a Iniciativa Liberal achou que, no quadro política portuguesa, faltava uma voz firme no combate ao cancelamento de que Sydney Sweeney estava, supostamente, a ser alvo. Numa publicação nas redes sociais, os liberais divulgaram uma imagem da actriz na campanha publicitária com o título «INCANCELÁVEL». Rídiculo? Bastante, mas nada que seja novidade no modelo de actuação de um partido que olha para o nosso país como uma colónia norte-americana.
«A cultura de cancelamento está ferida de morte. Está a acabar o fenómeno colectivista que perseguia indivíduos no estilo de julgamento popular medieval, incitando massas para oprimir e limitar a Liberdade», pode ler-se na publicação dos liberais.
Não deixa de ser interessante que, analisando o fenómeno nas redes sociais, a Iniciativa Liberal sinta a necessidade de se posicionar ao lado daqueles que alinham com o discurso fascizante de Donald Trump, aqueles que usam estas questões para cavalgar narrativas racistas e eugenistas.
Defesa de um suposto cancelamento sem qualquer consequência para a actriz contrasta com o cancelamento efectivo de programas de televisão populares mas críticos de Trump
Para vermos que a opção dos liberais foi premeditada, e havendo tanta vontade de falar da realidade americana, no mês passado, um apresentador de televisão e comediante norte-americano, Stephen Colbert, viu o seu programa, o The Late Show, cancelado pela direcção da CBS. A justificação para o cancelamento foi «uma decisão puramente financeira», disse a estação, muito embora o programa fosse um dos mais vistos no canal.
Acontece que Stephen Colbert é considerado um dos principais críticos de Donald Trump e, semanas antes do cancelamento, a Paramount, empresa que controla a rede CBS, perdeu nos tribunais um processo apresentado pelo chefe de Estado norte-americano contra a CBS News.
A empresa concordou em pagar 16 milhões de dólares a Donald Trump para encerrar um processo judicial sobre uma entrevista no programa 60 Minutes, algo que Stephen Colbert criticou no seu programa, considerando-o como «um suborno e tanto». Se há aqui uma ligação entre a empresa e o presidente americano, o desconforto provocado pelo apresentador poderia afectar um negócio em andamento. Acontece que a Paramount está prestes a fechar uma fusão multibilionária com o estúdio de cinema Skydance, um acordo que requer a aprovação da administração Trump.
Basicamente, tudo indica que no caso de Colbert houve claramente censura e promiscuidade entre o poder político e o poder económico. É com estranheza que, no meio de um processo e um negócio, se vê a CBS a invocar questões financeiras para acabar com o seu principal programa que, por sua vez, é o que veicula mais críticas à Administração Trump.
Ante a censura movida pelas negociatas com Trump, a Iniciativa Liberal nada disse. O «INCANCELÁVEL» desapareceu porque os liberais foram selectivos na importação de uma batalha cultural. Escolheram aquela que mais dizia à extrema-direita, de forma a dar um sinal político às contas que se multiplicam no X ou no Reddit e servem como agentes de difusão de pensamento libertário a resvalar no fascismo.
Há ainda uma última questão. Num quadro em que se multiplicam os problemas no país, em que os incêndios consomem dezenas de milhares de hectares de floresta, em que escasseiam meios de combate às chamas e famílias perdem tudo; num quadro em que o Governo ataca trabalhadores imigrantes, tem em marcha uma reforma da legislação laboral que visa atacar mulheres trabalhadoras, visa promover despedimentos, reforçar a precariedade e o empobrecimento, a opção da Iniciativa Liberal foi falar da Sydney Sweeney.
Face a tudo isto, resta a pergunta: a Iniciava Liberal faz falta a Portugal?
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