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|forças e serviços de segurança

A greve numa instituição policial

Relembro que a luta pelo Sindicalismo na PSP foi o primeiro e o mais relevante processo reivindicativo por um direito democrático em plena Estado de Direito Democrático.

Uma manifestação nacional de polícias, convocada pela Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), reivindicou aumentos salariais, pré-aposentação e melhores condições de higiene e saúde no trabalho. Lisboa, 24 de Novembro de 2022 
Manifestação de polícias pelos seus direitos, convocada pela ASPP/PSP (foto de arquivo)CréditosAntónio Cotrim / LUSA

Brevíssimo historial

Em 1986, a então Comissão Pró-ASP/PSP celebrou com um colóquio no Porto o seu 4.º aniversário. A sanha persecutória então existente, marcada pelo desterro do Comissário Santinhos, dos 12 agentes da Madeira e do agente João Cunha, entre outros casos, continuava, no entanto, gravada, como exemplo vivo, não apenas da tenacidade e justeza da luta em que toda a classe de profissionais da PSP estava empenhada e do sofrimento que este tipo de luta acarreta, como a miopia política com que os poderes constituídos encaravam as reivindicações.

Foi neste colóquio que o Presidente da Comissão Executiva, face ao «espantalho» do sindicalismo policial que setores institucionais acenavam, declarou a abdicação do direito à greve.

Relembro que a luta pelo Sindicalismo na PSP foi o primeiro e o mais relevante processo reivindicativo por um direito democrático em plena Estado de Direito Democrático. Porém, até chegar ao Sindicalismo, o processo passou sucessivamente pela completa proibição, pelo associativismo deontológico e pelo associativismo profissional.

O reconhecimento legal

Hoje, volvidos 21 anos sobre o reconhecimento legal do sindicalismo na PSP, o tema em debate é, precisamente, o direito à greve, que não é permitida. A este propósito, começaremos por dizer que qualquer que seja a solução para o caso, esta terá que ser encontrada no quadro da Constituição da República (CR) que, dispondo no artigo 270.º que «a lei pode estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções, restrições, ao exercício de direitos (...) por agentes dos serviços e das forças de segurança e, no caso destas, a não admissão do direito à greve, mesmo quando reconhecido o direito de associação sindical», exige que «a lei só pode restringir (...) nos casos expressamente previstos na Constituição» (artigo 18.º.2). É nestes precisos termos que tem de ser entendida a Lei n.º 14/2002 de 19 de Fevereiro quando, no seu artigo 3.º.1. al. d) se limita a dizer que aos profissionais da PSP «não lhes é permitido exercer o direito à greve». A não se entender assim, estaríamos a fazer uma leitura legal da Constituição e não uma leitura Constitucional da Lei! É precisamente isto que dispõe o artigo 11.º.2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a que Portugal aderiu por Lei n.º 65/78 de 13 de Outubro), que «o exercício deste direito só pode ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias (...)».

Restrição não é proibição

Importa sublinhar que estamos no domínio de «Restrições ao exercício de direitos». Ora restrição não é proibição.

- Para restringir um direito, é preciso que o mesmo exista. Não se pode restringir um direito inexistente. Pode-se sujeitar o direito à greve a restrições, sujeitá-lo a uma compressão, mas não o proibir.

- Uma segunda característica é de que uma restrição não pode ser de molde a descaracterizar o próprio direito, sob pena de negação do próprio direito.

Neste ponto, o enunciado do artigo 3º.1.al. d) da lei sindical da PSP em como «não é permitido (aos profissionais da PSP) exercer o direito à greve» permite concluir: a) se por um lado, reconhece que estes profissionais gozam do direito à greve b) acaba por proibir este mesmo ao afastar o seu exercício. Só que ao assim preceituando esbarra, como se disse, com o postulado constitucional do artigo 18.º.2, que determina que «a lei só pode restringir (e não proibir) os direitos (...) nos casos expressamente previstos na Constituição…» (itálico e bold - nossos). 

- Finalmente, a restrição a introduzir ter-se-á de limitar ao estritamente necessário, sob pena de incorrer no vício de restrição por excesso a que o mesmo artigo 18.º.2 da CR se refere. Este limite terá que ser enquadrado e configurado em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 57.º da CR.

Greve policial e segurança

Para o Poder Executivo, uma greve de Polícias põe a segurança interna em perigo. Era o mesmo argumento para proibir o sindicalismo, mas não pegou, porque a realidade do país demonstrou que se trata de uma premissa falsa. Ultrapassado o figurino do «inimigo interno», a existência do sindicalismo policial desde 2002 tem demonstrado que os agentes policiais e os seus legítimos representantes são suficientemente conscientes sendo patente o sentido de responsabilidade pessoal do agente policial no exercício das suas funções.

Reivindicação - Greve - Democracia

A questão do direito à greve duma estrutura policial num país democrático não deve ser colocada em função comparativa do que acontece noutros países da UE. Isto pela simples razão de que há países onde vigora este direito, noutros não; por outro lado, porque o grau e dimensão de democracia é variável de país para país. Para Portugal, é o que interessa.

Diálogo de surdos?

Mas, e aqui é a grande questão: segundo a ASPP, o maior sindicato policial, a negociação e o diálogo social com o Ministério de Tutela é algo que não passa de uma quimera, com meras promessas sem que as aspirações da classe profissional policial sejam satisfeitas ou respeitadas. Segundo a ASPP, sucede mesmo, que nas últimas negociações sobre o suplemento de risco e tabela remunerativa estas nem sequer foram apreciadas.

Significa isto que as via basilar de diálogo produtivo na busca de soluções dignificantes para classe profissional de polícia tem sido infrutífera.

Segurança interna e operador motivado

A segurança interna, enquanto valor de um Estado Democrático, é uma tarefa do Estado, que envolve antes e acima de tudo, umas Forças de Segurança capacitadas. Capacitação depende de motivação. Os elementos que as compõem são «cidadãos em uniforme». Esta motivação passa necessariamente pela satisfação das condições materiais de trabalho, de uma remuneração condigna, tendo em conta o risco da atividade, as necessidades familiares, as instalações de trabalho, para além de outros fatores condicionantes.

O que pode gerar uma situação de insegurança, não é uma greve de polícias nas condicionantes acima referidas, mas o desrespeito pela sua condição e o risco do seu quotidiano laboral. Ora, a greve é o meio reivindicativo último do trabalhador, esgotadas as vias de diálogo e negociação.

Para concluir

Do exposto, sem prejuízo de apresentação de Proposta ou Projeto de lei no sentido de reconhecimento do direito de greve aos profissionais da PSP ou suscitar a inconstitucionalidade do normativo da Lei 4/2002 sobre esta questão, procedimentos que sempre levam o seu tempo, nada impede presentemente que estes profissionais aprovem uma greve, respeitados que seja os comandos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 57.º da Constituição.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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