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Foco na corrupção arreda necessário debate sobre a Justiça

Os crimes económicos são apenas uma parte de um grande problema do País: as populações estão afastadas do acesso a um serviço público de Justiça eficaz, tendo dificuldade em fazer os seus direitos cumpridos.

Sala de audiências vazia no tribunal de São João Novo no Porto
Sala de audiências vazia no tribunal de São João Novo no Porto CréditosEstela Silva / Agência Lusa

Um dos grandes focos desta campanha tem sido, a espaços, a discussão sobre os poderes do Ministério Público (MP) e até sobre que alterações legislativas deveriam ser feitas para evitar a extensão no tempo, dos chamados mega-processos, falando-se em eventuais alterações à fase de instrução.

Na verdade, parece pouco útil produzir alterações a partir de um debate focado em processos concretos ou em certo tipo de processos, podendo pecar-se assim por não ver o bolo todo e até desconsiderar questões mais prementes.

Ora, os mega-processos, por definição, abarcam complexas teias de facto, exigem meios muito especializados de investigação e são, por natureza, susceptíveis a manobras dilatórias que procuram alcançar prescrições de crimes ou dificultar a produção de prova em julgamento. E se é naturalmente arrepiante sujeitarem-se arguidos a 21 dias de detenção antes de serem ouvidos pelo juiz de instrução (sejam eles mais ou menos conhecidos na praça pública), a verdade é que a vasta expressão pública desse problema deu-se por se tratar de um inquérito que abrange crimes de corrupção e outros de idêntica natureza com as figuras em causa. É, sem dúvida, uma medida de duvidosa proporcionalidade e adequação, que atenta contra os direitos fundamentais daqueles arguidos, e deve ser contestada em toda a linha, designadamente nos referidos processos. Mas é ensurdecedor o silêncio no mainstream perante outras violações de direitos fundamentais que se registam.

Leve-se ainda em linha de conta que é preocupante a sucessiva tentativa de descredibilização ou subversão do importantíssimo papel que o Ministério Público assume neste quadro, e do trabalho que desenvolve com uma grande falta de meios. É que não haverá reforma séria da Justiça sem que o trabalho do MP seja devidamente valorizado e protegido na sua autonomia, sem prejuízo de críticas e escrutínios que possam e devam ser pontualmente feitos.

A questão é que, a partir desses problemas concretos, promoveu-se no debate eleitoral um foco desmedido nestas questões que faz esquecer o necessário debate sobre o estado da Justiça em geral, e que vai muito para lá dos tão propalados crimes de corrupção. É preocupante a linha editorial definida na maioria da comunicação social sobre esta matéria, esquecendo o revés: a situação dramática da Justiça e do seu acesso pela maioria do povo.

Não encontramos números concretos dos beneficiários do sistema de apoio judiciário, mas o que se sabe é que os critérios de acesso são apertadíssimos e é preciso estar em situação económica extremamente frágil para se ter acesso a um advogado pago pelo Estado. Em contrapartida, as centenas de advogados inscritos neste sistema, são pagos com valores miseráveis, medindo-se aqui bem as palavras. É urgente alargar os critérios de acesso, pelas populações, a este sistema. Assim como aumentar os honorários a pagar aos advogados que nele actuam (mas o debate sobre a condição social do advogado merecia, por si só, um ou mais artigos).

A verdade da situação da Justiça é que muitos serão aqueles que, não tendo acesso ao apoio judiciário, acabam por decidir não avançar para fazer valer os seus direitos em tribunal porque os valores das taxas de Justiça os detêm, à partida, se aliados aos honorários de quem os poderá patrocinar. Por isso, também aqui urge rever a tabela das taxas de Justiça. 

«É urgente alargar os critérios de acesso, pelas populações, a este sistema. Assim como aumentar os honorários a pagar aos advogados que nele actuam (mas o debate sobre a condição social do advogado merecia, por si só, um ou mais artigos).»

Assim, é neste quadro que deve ser feito também o debate do combate à criminalidade económica, o qual não virá certamente daqueles que favorecem as negociatas, e tão pouco será feita com verbos de encher e «F.R.A». É certo que a corrupção e a percepção pública sobre o fenómeno da grande criminalidade financeira e económica pode ser um factor de corrosão do regime democrático, tal qual temos vindo a assistir nos últimos anos.

Esta realidade será tão mais fértil quanto mais evidente é a escandalosa disparidade entre o dificílimo acesso à Justiça pelos trabalhadores e as populações mais vulneráveis e as figuras do grande poder económico assessorados pelas mais bem pagas sociedades de advogados, que conseguem ocupar espaço nos jornais sobre possíveis violações dos seus direitos e liberdades.

E, ainda sobre a corrupção e outros crimes financeiros, certo é que não haverá no País um genuíno combate a este tipo de criminalidade sem que haja, desde logo, um maior investimento nas vertentes técnicas e tecnológicas de todos os organismos da área da Justiça, sem que haja mais garantias de transparência ou sem que se trave a crescente desjudicialização e privatização da administração da Justiça, como é o caso da arbitragem nos grandes negócios. De facto, muitas vezes vendem-se estas como as medidas-chave para acabar com as pendências e os processos longos quando, na verdade, estas soluções são opacas, não garantem o interesse público e arredam a discussão do que faz falta: reforço de meios e de recursos humanos qualificados para investigar e ter meios para condenar. Em paralelo, importa ir identificando as principais causas deste fenómeno, já que enquanto houver subordinação do poder político ao poder económico, há combustível para a disseminação deste fenómeno. Foi assim no fascismo, cujo regime era por natureza corrupto, e continua a ser assim com a recuperação feita pelos principais grupos económicos ao longo dos anos no quadro do regime democrático.

Medidas urgentes impõem-se: para se lograr alcançar punições efectivas; para impedir expedientes dilatórios, que fazem arrastar processos no tempo, como se de novelas se tratassem; para proibir relações comerciais com paraísos fiscais; para impedir as «portas giratórias» entre o governo e os cargos nas grandes empresas; para apetrechar o Departamento Central de Investigação e Acção Penal de mais procuradores, peritos e de apoio técnico especializado; para impor o fim ao sigilo bancário; e para instituir o crime do enriquecimento injustificado; para reverter medidas como a recente a legalização do lobby (aprovada por PS, PSD, Chega e IL); entre tantas outras a enumerar.

Mas, se muito ainda se vai ouvir e dizer sobre o combate à corrupção no tempo que resta desta campanha eleitoral, será necessário prestar atenção, para além das propostas inflamadas, e olhar para a situação que aí está. De facto, nesta e noutras matérias, importa conhecer conteúdos e a seriedade dos seus proponentes. É um debate a ser feito, mas não será sério se não for acompanhado de uma visão mais geral e ampla sobre o estado da Justiça, a par da reflexão sobre as causas e os protagonistas que beneficiam das grandes negociatas.

A constatação a fazer é a de que a Justiça não é acessível à grande maioria do povo e a capacidade instalada do aparelho judiciário está subdimensionada perante as necessidades. Por isso, é inútil avançar para esta discussão sem 1) olhar para as pendências nos tribunais e quais os meios que é preciso implementar para uma resposta célere; 2) exigir o alargamento dos critérios do regime do acesso ao direito; 3) a necessária valorização de todos os trabalhadores e operadores da Justiça; 4) o urgente reforço do investimento em meios humanos qualificados, técnicos e tecnológicos.

«A constatação a fazer é a de que a Justiça não é acessível à grande maioria do povo e a capacidade instalada do aparelho judiciário está subdimensionada perante as necessidades.»

É que esta campanha eleitoral está profundamente marcada por uma situação social dramática, com a maioria da população a enfrentar dificuldades para pagar as contas ao fim do mês (veja-se o recente registo de mais de 251 mil trabalhadores com um ou mais trabalhos), à qual se associa uma grande e bem montada confusão no plano do combate político e ideológico. Um caldo que promove forças reacionárias que só querem chegar ao poder para impor mais e mais velozes retrocessos.

Por outro lado, a percepção de falta de Justiça (seja por falta de acesso efectivo, seja pela percepção de que a mesma não se cumpre), insuflada pela pressão mediática e populista que, nos últimos anos, tem explorado à saciedade todos os casos e processos judiciais que envolvam altas figuras da banca e do Estado, vai corroendo o regime democrático. Ao combater de forma eficaz este tipo de crimes rebate-se a ideia perigosa de que todos os políticos são corruptos, de que «são todos iguais».

Traga-se então a debate a necessária discussão sobre como alcançar uma Justiça mais célere, eficaz e acessível a todos. Sendo premente também que o povo sinta que a Justiça é sua e que a ela tem acesso de quando necessita. Por isso, para além de se reforçar o sector com profissionais qualificados e valorizar todos os seus trabalhadores, de se investir nas suas infra-estruturas e em meios técnicos, têm de ser implementadas medidas que diminuam a morosidade dos processos judiciais, tem de se caminhar para a progressiva gratuitidade dos processos, estender os julgados de Paz, alargar o apoio judiciário a mais camadas da população e valorizar os advogados que nele trabalham.

O caminho para uma verdadeira Justiça do povo, a este plenamente acessível, faz-se caminhando no sentido do progresso, na reflexão ponderada no quadro do regime democrático e do cumprimento da Constituição da República Portuguesa; e não retrocedendo e cedendo a argumentos populistas que nos distanciam das melhores e mais belas conquistas que a Revolução de Abril nos proporcionou.

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