|FRANCISCO PALMA

Em tempos de incerteza, a arte também desafia a nossa perspetiva sobre o mundo

Exposições «Espinosa regressa à Vidigueira», «Recursões: uma cartografia de territórios inacabados» no Porto, «Camouflage» em Setúbal e «Pensamentos. em papel» de Carlos Nogueira em Lisboa.

Imagem da obra: Tetsumi Kudo, «Sem título», 1974. Exposição coletiva «Espinosa regressa à Vidigueira» no Centro de Arte Quetzal na Vidigueira, até 30 de março de 2026
Imagem da obra: Tetsumi Kudo, «Sem título», 1974. Exposição coletiva «Espinosa regressa à Vidigueira» no Centro de Arte Quetzal na Vidigueira, até 30 de março de 2026CréditosLais Pereira

O Centro de Arte Quetzal1, na Vidigueira, apresenta a exposição coletiva internacional «Espinosa regressa à Vidigueira», com a curadoria de Aveline de Bruin e que pode ser visitada até 30 de março de 2026. Participam nesta exposição os artistas: Eylem Aladogan, Thierry de Cordier, Keith Edmier, Olafur Eliasson, Simon Fujiwara, Thomas Hirschhorn, Roni Horn, Tetsumi Kudo, Kinke Kooi, Job Koelewijn, Robert Longo, Cristina Lucas, Navid Nuur, Falke Pisano, Anri Sala, Fernando Sánchez Castillo, Emma Talbot.

Segundo Espinosa, um dos grandes filósofos racionalistas do século XVII, a nossa perceção da realidade é moldada pelo nosso ponto de vista individual e pelas ferramentas que utilizamos para compreendê-la. «A grande arte também desafia a nossa perspetiva sobre o mundo. E não é por acaso que muitos artistas se inspiraram em Espinosa, cujos textos podem ser interpretados como uma reflexão sobre racionalismo ou metafísica, ateísmo ou panteísmo, democracia ou totalitarismo. Parece haver um Espinosa para todos os gostos. Os artistas desta exposição exploram diversas reflexões de Espinosa. Convidam o subconsciente a expressar-se e celebram a nossa capacidade de raciocínio. Encontram formas de nos orientarmos dentro de um todo maior, ou até de esbater as fronteiras entre corpos humanos e não-humanos, revelando uma sensualidade partilhada com o mundo natural.», segundo o texto da exposição.

O referido texto revela-nos ainda que «Num momento em que a polarização e as alterações climáticas pairam sobre nós, a filosofia de Espinosa — uma filosofia do pensamento livre, da ética e da interconexão — revela-se mais pertinente do que nunca. Enquanto judeus portugueses, a própria família de Espinosa foi perseguida por motivos religiosos e teve de fugir para os Países Baixos. Exibir estas obras no Quetzal Art Center, na Vidigueira – terra natal do pai de Espinosa – torna esta exposição ainda mais especial.»

O autor da obra apresentada é Tetsumi Kudo (1935-1990), um artista japonês que reflete sobre a demarcação ideológica entre humanos, natureza e tecnologia. Kudo critica agressivamente a suposta posição especial dos humanos: «Neste novo ecossistema, os humanos não podem mais manter a reivindicação de serem a coroa da criação. Mas é difícil abrir mão de privilégios (como a dignidade humana) e superar o colonialismo que se autodenomina 'humanista' na mente das pessoas.»

 

Imagem da obra: Raul Jorge Gourgel, «O Primeiro Voo de uma Avestruz», 2023. Exposição «Recursões: uma cartografia de territórios inacabados» na Galeria Municipal do Porto, até 15 de fevereiro de 2026 Créditos

«Recursões: uma cartografia de territórios inacabados» é uma das exposições que faz parte da atual programação da Galeria Municipal do Porto2, até 15 de fevereiro de 2026. A exposição centra-se no diálogo entre a obra de Kiluanji Kia Henda, que também faz parte da curadoria, e três artistas angolanos — Flávio Cardoso, Lilianne Kiame e Raul Jorge Gourgel — para refletir sobre as promessas, fracassos e ruínas da modernidade. 

A exposição é articulada pela ideia de recursão: um processo orgânico de retorno que compreende passado, presente e futuro, marcado por movimentos recorrentes, inacabados e em constante mutação. Com fortes ligações ao território e à paisagem, as obras desenham ciclos de memória e especulação, propondo Angola como um arquivo vivo de imaginação coletiva. 

Através de diferentes linguagens como a fotografia, a pintura, a instalação, o vídeo ou a performance, Recursões propõe um mapa que analisa o impacto atual das heranças coloniais. Superando narrativas históricas fixas, a exposição apresenta-se como uma bússola provisória que localiza um território de contornos instáveis a partir do qual novos horizontes podem emergir», segundo o texto apresentado.

Como nos explica Margarida Waco, também curadora da exposição, «ao longo destas quatro práticas, Recursões colapsa paisagens temporais, convidando-nos a revisitar os assombros estruturados pela diferença, embora reencenadas sob novos termos e condições. Reativa narrativas deixadas adormecidas, através destes quatro artistas… o inacabado aponta para um conjunto de coordenadas para novas orientações — que nos impulsionam a confrontar o irresoluto, o instável e o que está em aberto — enquanto aspiramos a horizontes e futuros por traçar, ainda em formação. Não apesar do inacabado, mas através dele.»

Exposição «Camouflage» na Casa D’Avenida, em Setúbal, até 18 de janeiro Créditos

A P28 – Associação para o Desenvolvimento Criativo e Artístico inaugurou em novembro, na Casa D’Avenida, em Setúbal3, a segunda parte da exposição «Camouflage», uma mostra coletiva que junta diversos artistas contemporâneos, nacionais e internacionais, que expressam aspetos e estratégias de camuflagem no seu trabalho. Trata-se de um segundo momento desta mostra, cuja primeira parte teve lugar em Lisboa, nos meses de maio e junho. A exposição poderá ser visitada até 18 de janeiro. 

Um conjunto diverso de artistas contemporâneos em atividade juntam-se nesta mostra, como Carlos Aires, Catarina Leitão, David Maljkovic, Edgar Martins, Erik Samakh, Fernando Conduto, John Trashkowsky, Kiluanji Kia Henda, Lia Chaia, Miguel Palma, Oscar Tuazon, Pedro Valdez Cardoso, Pedro Vaz, Rosa Carvalho, Sara & André e Victor Pires Vieira, além da participação da artista do ateliê da P28 Micaela Fikoff.

Ao contrário das técnicas artísticas clássicas que consiste em criar a ilusão de uma realidade tridimensional que capta o olhar do espetador e lhe dá algo para ver, a camuflagem procura a opacidade. «Tornar-se invisível refere-se assim à capacidade de se esconder à vista de todos. Trata-se de se misturar e de se fundir com o fundo», explica a curadora Katherine Sirois.

 «Camouflage» convida a uma reflexão conjunta sobre a arte da camuflagem e as formas e significados que assume nos diversos contextos sociais e culturais. Nas palavras da curadora: «Quaisquer que sejam as suas tendências e estratégias visuais, a camuflagem alterou os códigos de representação das artes visuais de “olha para o que está ali” para “segue em frente, não há nada para ver aqui”». 

Exposição «Pensamentos. em papel» de Carlos Nogueira na Culturgest, em Lisboa, até 1 de fevereiro de 2026  Créditos

A Culturgest4, em Lisboa, apresenta a exposição «Pensamentos. em papel» de Carlos Nogueira, a ser vista até 1 de fevereiro de 2026.

«Carlos Nogueira tem vindo a desenvolver, desde o início do seu percurso, trabalhos que podem ser descritos genericamente como “desenhos de projeto”. Nesta categoria, cabem esboços para as suas esculturas ou para as suas performances, mas também um leque muito variado de expressões gráficas que se espraiam por pautas, folhas de agenda ou outro tipo de suportes que associamos a atividades burocráticas. A palavra ocupa aqui um lugar peculiar, funcionando como marca, como instrução, como poema ou exortação; no fim de contas, também como desenho, a estabelecer diálogos ou tensões com os elementos que a rodeiam» como nos refere o texto da exposição.

Esta exposição, com a curadoria de Bruno Marchand, reúne desenhos de onze projetos, dando a conhecer a evolução que esta vertente do trabalho de Nogueira conheceu nas últimas cinco décadas.

Carlos Nogueira (1947) é um dos nomes relevantes da arte contemporânea em Portugal. Enquanto artista visual, o seu trabalho desenvolve-se em diversos campos da criação artística, cruzando fronteiras e aliando práticas pictóricas e escultóricas com o desenho, a instalação e a ação performativa, num registo poético que envolve também a escrita. Foi galardoado com o Prémio Camões na II Bienal de Arte de Cerveira (1980) e com a Menção Honrosa da Bienal Internacional de Escultura e Desenho das Caldas da Rainha (1995).

  • 1. Centro de Arte Quetzal - Estrada das Sesmarias Apartado, 19 7960-909 Vidigueira, Portugal. Horário: Quarta a Domingo das 11.00H às 17.30H; Sábado das11H às 21.30H. Segunda e Terça Encerrado.
  • 2. Galeria Municipal do Porto - Rua D. Manuel II (Jardins do Palácio de Cristal) 4050–346 Porto. Horário: Terça – Domingo Tuesday – Sunday 10:00 – 18:00
  • 3. Casa da Avenida - Avenida Luísa Todi, 286, Setúbal, Portugal, 2900. Horário: quarta a domingo, das 15h às 19h
  • 4. Culturgest- Rua Arco do Cego, 50 1000–300 Lisboa. Horário: terça a domingo, das 11:00 às 18:00 horas

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