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Despedimentos, desemprego e pensões pelos óculos de Vieira da Silva

Numa resposta sobre a antecipação de pensões, o ministro do Trabalho acabou por reconhecer como é fácil despedir – e que as penalizações no acesso à reforma são um dano colateral disso mesmo.

O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, durante a sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, na Assembleia da República, em Lisboa. 12 de Novembro de 2018
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, durante a sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, na Assembleia da República, em Lisboa. 12 de Novembro de 2018CréditosMiguel A. Lopes / Agência LUSA

O novo regime de antecipação da reforma sem o corte do factor de sustentabilidade (que o próprio Vieira da Silva envolveu em polémica e confusão logo que foi apresentado) está previsto apenas para o regime geral da Segurança Social, de acordo com a proposta do Orçamento do Estado para 2019. O PCP e o BE já afirmaram que pretendem que este seja alargado também à Caixa Geral de Aposentações e aos desempregados de longa duração, e o ministro admitiu abertura para mexidas na sua audição de ontem, na Assembleia da República.

No entanto, a resposta acabou por elucidar sobre os equilíbrios nas relações laborais e a protecção dos trabalhadores e dos seus postos de trabalho, ou falta dela – assim como a visão de Vieira da Silva e do Governo face à realidade:

«Se esse passo pode ser alargado a outras áreas? Sim, mas tendo em atenção que outras áreas têm normas diferentes. Por exemplo, no desemprego de longa duração não existe a penalização de 0,5% ao mês, pelo que a retirada do factor de sustentabilidade tem de ser vista com cuidado para que o regime não seja entendido como uma porta de fragilização do sistema de Segurança Social, por vezes usada de forma menos adequada pelos agentes económicos.»

O que significa isto?

O ministro referia-se à possibilidade de reforma antecipada em caso de desemprego involuntário de longa duração. Nos casos em que o trabalhador ficou desempregado a partir dos 57 anos de idade, não sofre o corte de 0,5% face à idade da reforma a partir dos 62 anos e após esgotados os subsídios de desemprego e social de desemprego.

No entanto, continuam a sofrer a penalização de 14,5%, relativa ao factor de sustentabilidade, que é aplicada a todas as pensões antecipadas à excepção daquelas que são e serão atribuídas ao abrigo do novo regime, que já está em vigor para as carreiras muito longas e que será alargado no próximo ano para quem, aos 60 anos de idade, já tem 40 ou mais anos de descontos.

Prioridades invertidas

Mas o perigo para a sustentabilidade do sistema, um dos argumentos fetiche de Vieira da Silva, entra aqui num cenário em que a retirada do factor de sustentabilidade para estes casos poderia resultar num uso abusivo por parte dos «agentes económicos». Tendo em conta que isto só se aplica a casos de desemprego involuntário, a única hipótese de isso acontecer seria que as empresas despedissem trabalhadores perto dos 60 anos, sabendo que no fim do subsídio de desemprego teriam direito à reforma por inteiro.

Para além de se aproximar da obsessão pelas folhas de cálculo do anterior ministro das Finanças Vítor Gaspar, a preocupação revela uma realidade: que até o ministro do Trabalho admite a facilidade com que se pode despedir e que isso pesa nas decisões políticas do Governo. Mas, ao contrário do que seria expectável, não para reforçar a protecção no emprego. Pesa no momento de avaliar o alargamento de direitos, até no acesso às pensões antecipadas.

Os actores são os mesmos, mas o palco virou

Este é um filme a que já assistimos no plano da Segurança Social. Há diferenças muito significativas, mas também há semelhanças assinaláveis. Em 2006, era Vieira da Silva ministro do Trabalho e da Segurança Social (como hoje), e o Governo do PS introduzia uma das maiores alterações ao sistema de Segurança Social português.

Os mecanismos que o governo seguinte, do PSD e do CDS-PP, aproveitou para transformar o acesso à reforma num verdadeiro calvário foram criados na altura. O efeito conjugado da profunda crise económica (com níves de desemprego recorde) e dos cortes a que as pensões foram sendo sujeitas empurrou muitos trabalhadores para situações de desespero, acabando por aceitar pensões com valores muito baixos.

Mas foi Vieira da Silva e o PS que criaram o factor de sustentabilidade e que dificultaram o acesso às pensões antecipadas – Mota Soares, à boleia da troika, só os tornou ainda mais eficazes.

A principal diferença face a esses anos, como o episódio de ontem ilustra, é que neste momento o mesmo ministro já não usa o argumento da sustentabilidade para justificar novos cortes para futuros pensionistas. Hoje, andamos a discutir quão longe vamos na conquista de novos direitos – todos, Vieira da Silva incluído.

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