Que segurança encontram em Lisboa ucranianos que fugiram da lei marcial?

Numa altura em que as atenções se concentram na Câmara Municipal de Setúbal, que no início de Abril interpelou o Governo (sem sucesso) sobre a associação que colabora com autarquias de Norte a Sul no âmbito do apoio aos imigrantes do Leste da Europa, o Município de Lisboa aprovou, na última sexta-feira, um protocolo de colaboração com a Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), com base numa indicação da Embaixada.

O mesmo visa «garantir às pessoas refugiadas da Ucrânia, referenciadas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e que pretendam fixar-se no concelho de Lisboa, apoio social imediato, logo na fase inicial de acolhimento e integração», prevendo-se a atribuição de apoio financeiro, no montante de 320 mil euros até 2023.

A decisão de atribuir a gestão do apoio aos ucranianos a uma associação, cujo responsável, Pavlo Sadokha, tem vindo a tecer considerações provocatórias e xenófobas, levou os eleitos do PCP na Câmara de Lisboa a votar contra o protocolo de colaboração, por considerarem que a AUP «não reúne condições de idoneidade». E tendo em conta existirem outras associações de imigrantes ucranianos com intervenção na cidade de Lisboa e outras de âmbito mais geral, com intervenção reconhecida junto dos imigrantes ucranianos e reconhecidas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM).

«Através da sua intervenção pública e de declarações dos seus dirigentes, [a AUP] tem pautado a sua acção por condenáveis ataques a princípios elementares do nosso regime democrático, manifestando um desrespeito pelos valores da democracia e da liberdade, como o são as manifestações de ódio dirigidas contra o PCP», lê-se na declaração de voto dos vereadores comunistas. 

Estima-se que existam actualmente na cidade de Lisboa cerca de cinco mil refugiados ucranianos e que num futuro próximo esse número possa chegar aos 7500. Ao AbrilAbril, João Ferreira alerta para a possibilidade de haver origens e convicções diferentes entre os que fogem da guerra e para os perigos que decorrem de o Município colocar nas mãos de uma associação com posições nacionalistas o apoio a estes refugiados, e também os seus dados. 

«É natural que haja, inclusive, gente que foge de uma lei marcial que determina a incorporação obrigatória dos homens na guerra», ou seja, pessoas que neste momento são perseguidas na Ucrânia. João Ferreira reforça que a obrigação do Estado português é acolher todas estas pessoas, «sem excepção», em vez de, através da Câmara de Lisboa, «colocar nas mãos da Embaixada, por interposta entidade, gente que está numa enorme vulnerabilidade, como os refractários (desertores)».

Para o vereador, o facto de esta situação «não suscitar nem um décimo da indignação e da atenção» concedida à Câmara de Setúbal «também demonstra um bocadinho o que eram as reais intenções dos tais comentários, manchetes e reacções indignadas» relativamente ao município sadino.

Na declaração de voto, os eleitos comunistas salientam o empenho na elaboração de uma resposta por parte do Município às necessidades dos refugiados da guerra na Ucrânia que chegam ao nosso país, nomeadamente à cidade de Lisboa, tendo sido co-autores do Programa Municipal de Emergência «VSI TUT – Todos Aqui». Neste sentido, e tendo em conta a experiência de intervenção e a inserção no terreno, indagam o porquê de a Câmara Municipal de Lisboa não ter considerado assegurar esta resposta através de meios próprios, «reforçados para o efeito e em articulação com entidades da Rede Social da cidade». 

O protocolo da Câmara de Lisboa com a AUP contou com votos a favor de PSD, PS, BE e Livre.