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Órgãos que não seguem a narrativa da NATO são censurados, acusa a Redfish

A guerra da Ucrânia está a ser usada para incrementar a censura, denuncia a Redfish, acrescentando que «existe uma porta giratória entre as grandes plataformas de redes sociais, os governos ocidentais e a NATO».

Créditos / @redfishstream

Numa entrevista ontem concedida ao diário mexicano La Jornada, Hüseyin Dogru, director da criadora de conteúdos digitais com sede em Atenas, explica que a Redfish já era alvo de censura, de uma ou outra forma, e que esta se intensificou bastante desde a invasão russa da Ucrânia.

Tendo como empresa-mãe a Ruptly, subsidiária do canal russo RT, a Redfish foi etiquetada «falsamente» em todas as plataformas como «meio controlado pelo Estado russo» e punida por «violar algumas das regras», mas, segundo afirma Dogru, sem que fossem apresentadas provas e sem possibilidade de recurso.

Após a invasão russa, as medidas de censura «chegaram a níveis extremos», sublinha, explicando que os conteúdos da Redfish estão proibidos a nível mundial no YouTube e que as contas no Facebook e no Instagram estão bloqueadas na União Europeia, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Referindo-se concretamente à União Europeia, Hüseyin Dogru destacou que «estas medidas são o resultado da política desenvolvida ao longo dos últimos cinco anos, em que se aplicam medidas enérgicas contra os órgãos que criticam os governos ocidentais e as empresas com que estão na cama, sob o pretexto de lutar contra a "desinformação"».

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Viagem ao mundo da verdade única

Para os dirigentes europeus só existem a verdade de Bruxelas e a mentira do Kremlin. É preto ou branco, quem discorda de Bruxelas concorda com o Kremlin e com os terroristas islâmicos.

Créditos / O Lado Oculto

Uma viagem ao mundo da «estratégia de comunicação» da União Europeia e respectivas emanações é uma experiência indispensável para confirmar os indícios de que os dirigentes europeus convivem cada vez mais desconfortavelmente com a liberdade de opinião. Na verdade, como ilustra essa incursão, já encaram a informação como propaganda, o contraditório como um abuso e a liberdade como um delito. Está aberto o caminho para a imposição da opinião única, em que se baseiam todas as formas de censura, desde a dos coronéis à dos «fact-checkers» contratados a peso de ouro por Bruxelas.

As poucas linhas introdutórias que o leitor acaba de consultar são uma «desinformação», à luz da «estratégia de comunicação» que a União Europeia tem vindo a por em prática desde que os chefes de Estado e de governo declararam a sua necessidade, numa cimeira em Março de 2015.

«Os dirigentes europeus [...] já encaram a informação como propaganda, o contraditório como um abuso e a liberdade como um delito. Está aberto o caminho para a imposição da opinião única, em que se baseiam todas as formas de censura»

Uma «desinformação» porque, segundo a definição oficial chancelada pelos órgãos europeus, «distrai e divide, semeia a dúvida através da deformação e falsificação de factos para criar a confusão, mina a confiança das pessoas nos media, nas instituições e nos processos políticos estabelecidos».

A simples menção de que a União Europeia continua a dar mostras de uma propensão censória, fruto de uma opinião fundamentada de um jornalista, é inegavelmente uma «desinformação» porque pode «minar» a confiança dos leitores «nas instituições e nos processos políticos estabelecidos».

Contra isso age a União Europeia, defendendo-se através da sua «estratégia de comunicação», uma «abordagem coordenada em total conformidade com os nossos valores europeus e os nossos direitos fundamentais». Entre os quais figura, por ironia do destino, o direito de opinião.

Três milhões de euros de investimento

Esta é a ocasião em que o leitor pode supor: bom, contestar uma ideia não passa de uma fase de um debate, quanto muito de uma reprimenda moral, uma maneira talvez um pouco excessiva, é certo, de defender a narrativa oficial europeia perante opiniões que a contradizem.

Será mesmo assim?

A «estratégia de comunicação» europeia já tem o seu histórico desde 2015 através de uma coisa designada East StratCom Task Force (Task Force da Estratégia de Comunicação para Leste), associada ao Serviço Europeu de Acção Externa, e que neste ano de 2019 custa a módica quantia de três mil milhões de euros aos contribuintes europeus.

Os serviços da União montaram uma equipa de 16 pessoas a tempo inteiro, todas elas «com vasta experiência em áreas de comunicação» e falando muitas línguas, «entre elas o russo», para responder às opiniões que contradigam ou contrariem o discurso oficial da União Europeia e desmontá-las com supostas provas e argumentos.

«A simples menção de que a União Europeia continua a dar mostras de uma propensão censória, fruto de uma opinião fundamentada de um jornalista, é inegavelmente uma "desinformação" porque pode "minar" a confiança dos leitores "nas instituições e nos processos políticos estabelecidos"»

Entre as opiniões a desmantelar estão, por exemplo, as que acusam as sanções norte-americanas de serem responsáveis pela crise na Venezuela, as que afirmam a presença de neonazis no actual poder ucraniano ou que consideram o Grupo dos Sete (G7) como uma emanação dos interesses que governam o mundo. Caem nas más graças dos 16 verificadores ou fact-checkers aqueles que dizem ou escrevem que os Estados Unidos abandonaram o Tratado de Mísseis de Médio Alcance (INF) em benefício do seu próprio complexo militar e industrial, que a NATO fez a guerra contra a Jugoslávia violando o direito internacional ou que os «capacetes brancos» na Síria encenam ataques químicos para acusar o governo de Damasco – realidade mais do que provada. É também uma violação «dos nossos valores europeus e dos nossos direitos fundamentais» negar – mesmo apresentando provas – que a Rússia derrubou o avião malaio que fazia o voo MH-17, dizer que Juan Guaidó usurpou a presidência na Venezuela ou que os protestos em Hong Kong são potenciados por agitadores com ligações ao estrangeiro.

EU vs Disinfo

Um dos espelhos da campanha permanente de propaganda e de divulgação da verdade única – a da União Europeia – é o website EU vs Disinfo, a União Europeia contra a desinformação.

Dia a dia, muitas vezes ao dia, ponto por ponto aqui podem encontrar-se as versões que incomodam a União Europeia e as verdades repostas pelos fact-checkers. É um facto que as provas e os argumentos por eles utilizados são débeis e, quase sempre, excertos de discursos ou declarações de dirigentes da União, da NATO, dos Estados Unidos, do próprio Donald Trump, como não podia deixar de ser. E quase todas as respostas começam com uma espécie de salmo decretando imediatamente a falsidade garantida da asserção: «este texto reproduz uma narrativa recorrente do Kremlin». E o resto vem por acréscimo, dir-se-ia desnecessário.

«Para que o processo de verificação da verdade seja "independente", a União Europeia assegura que actividades como as do EU vs Disinfo não têm a chancela que as distingue como "oficiais". Apesar de Bruxelas pagar três mil milhões só este ano e a título, como sublinha, de "investimento nos domínios da vigilância e da educação"»

Por exemplo, sempre que EU vs Disinfo rebate o facto óbvio segundo o qual os Estados Unidos dinamitaram o Tratado INF recorre a uma receita padrão: em primeiro lugar, garante que se trata de «narrativa do Kremlin»; em segundo lugar recorda que foi Obama quem descobriu que a primeira violação do Tratado foi um ensaio de um míssil russo, embora o então presidente norte-americano, e o seu sucessor, não tenham apresentado qualquer prova; em terceiro lugar assegura que os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO assumiram a versão de Obama e Trump. Fica tudo dito e sentenciado sobre o assunto. Provas para quê?

Assim funciona o mecanismo. Umas vezes com o primarismo que se percebe pelo que atrás foi dito; em certas situações, porém, existe mais elaboração, não tanto pelo que se afirma mas pelo que os donos da verdade escondem. É o caso, por exemplo, da cumplicidade dos Estados Unidos e da NATO com o tráfico de órgãos humanos nos Balcãs envolvendo figuras do UCK, o grupo fundamentalista islâmico que foi transformado em governo no protectorado do Kosovo. EU vs Disinfo faz os desmentidos canónicos e omite – por óbvia conveniência – a história do relatório britânico que faz luz sobre o escabroso negócio. Um documento pendente há anos no Conselho da Europa, à espera de ser debatido.

Para que o processo de verificação da verdade seja «independente», a União Europeia assegura que actividades como as do EU vs Disinfo não têm a chancela que as distingue como «oficiais». Apesar de Bruxelas pagar três mil milhões só este ano e a título, como sublinha, de «investimento nos domínios da vigilância e da educação». Em boa verdade, trata-se de uma grande operação de «reeducação europeísta» a que é suposto nenhum de nós escapar se quiser estar do lado da verdade única e indiscutível.

Uma trama ardilosa

A União Europeia não assume que estes processos estejam relacionados com a preocupação generalizada de combater as opiniões contrárias e contraditórias. Nada disso, assegura Bruxelas, não se trata de impor uma verdade oficial, uma opinião única.

A «comunicação estratégica» foi criada e existe porque «a pressão propagandística da Rússia e dos terroristas islâmicos sobre a União Europeia não deixa de aumentar». Fica definido o pretexto.

Deixemos de lado o facto de o EU vs Disinfo defender os «capacetes brancos», um grupo terrorista islâmico associado à al-Qaida, manifestando assim uma apreciável aptidão para os golpes de rins.

Esta maneira de glosar a «ameaça russa» leva-nos, de facto, muito mais longe, ao desenvolvimento de uma manobra insidiosa por parte dos propagandistas oficiais da União.

No quadro por eles montado só existem a verdade de Bruxelas e a mentira do Kremlin. É preto ou branco, quem discorda de Bruxelas concorda com o Kremlin e com os terroristas islâmicos.

Ou seja, qualquer jornalista que, exercendo com independência a sua profissão, chegue a factos e forme opiniões que não coincidam com as da União Europeia estará a servir o Kremlin ou os terroristas islâmicos – o cúmulo do delito de opinião.

«qualquer jornalista ou está com Bruxelas ou está com Moscovo. Nem vale a pena dedicar-se ao seu trabalho, investigar, procurar provas, consultar fontes. Basta-lhe seguir o que diz a União Europeia e estará a cumprir a sua missão; caso contrário identifica-se com Moscovo, incorrendo em delito de opinião»

Denunciar a situação na Venezuela, revelar que os Estados Unidos e outros países da NATO são responsáveis pela guerra contra a Síria, dizer que a invasão do Iraque se baseou em mentiras, demonstrar que as guerras da NATO contra a Jugoslávia e a Líbia, por exemplo, violaram o direito internacional e humanitário, afirmar que o regimento nazi Azov faz parte da estrutura político-militar da Ucrânia, provar que os Estados Unidos e países da União Europeia estiveram por detrás do golpe de 2014 na Ucrânia, manifestar a opinião de que a Europa é um refém militar dos Estados Unidos através da NATO são verdades consabidas, mas para a União Europeia não passam de mentiras que reflectem os inaceitáveis pontos de vista do Kremlin. Isto é, qualquer jornalista ou está com Bruxelas ou está com Moscovo. Nem vale a pena dedicar-se ao seu trabalho, investigar, procurar provas, consultar fontes. Basta-lhe seguir o que diz a União Europeia e estará a cumprir a sua missão; caso contrário identifica-se com Moscovo, incorrendo em delito de opinião.


A «comunicação estratégica» da União Europeia não está verdadeiramente incomodada com a propaganda de Moscovo. A «ameaça russa» funciona, hoje como ontem, de pretexto para que a maneira de a União Europeia olhar para si própria e para o mundo seja inquestionável; tal como inquestionáveis são a NATO, a vontade dos Estados Unidos, o G7, o FMI, no limite o regime neoliberal. Quem escapar a este redil, mesmo brandindo provas irrefutáveis, será uma espécie de marginal, talvez mesmo um terrorista. Tais provas não lhe valem de nada. Do outro lado, como no EU vs Disinfo, estão fontes e argumentos definitivos, impossíveis de bater ou rebater como, por exemplo, «uma ONG venezuelana», a «Constituição da Venezuela» interpretada por Guaidó, o «Grupo de Lima», a lei ucraniana «proibindo nazismo e comunismo», as sentenças de Federica Mogherini, o website Bellingcat, financiado pela NATO. Nada mais fiável e objectivo.

Ao pé da engrenagem de propaganda em desenvolvimento na União Europeia os coronéis da censura salazarista e caetanista eram incipientes e burgessos artesãos.

Tipo de Artigo: 
Opinião
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«A União Europeia esteve a trabalhar muito de perto com as grandes plataformas de redes sociais, o aparelho de segurança do bloco e a NATO para conceber uma estratégia contra a "desinformação"», disse Dogru ao La Jornada.

Como exemplos, apontou que o director global da Política de Conteúdos do Facebook, Mark Smith, foi assessor do comandante-adjunto da NATO, e que o director de Segurança e Confiança Pública do Google, Ben Randa, foi o planificador estratégico e oficial de informação da Aliança Atlântica.

Mostrar o lado dos oprimidos

A Redfish nasceu em 2017 juntando jornalistas de diferentes órgãos de comunicação. «A nossa audiência são os povos oprimidos de todo o mundo, cujas histórias são completamente ignoradas ou marginalizadas pelos meios ocidentais», disse o director.

«Fazemos reportagens de esquerda e documentários em vídeo independentes de partidos, governos ou empresas […], do ponto de vista dos oprimidos e para mostrar a realidade em que a maioria das pessoas em todo o mundo é obrigada a viver», explicou.

«O nosso objectivo era e é mostrar a vida e a luta das pessoas a partir da sua perspectiva, e criar uma plataforma onde tenham oportunidade de falar da sua vida», disse Dogru ao La Jornada, frisando que este trabalho tem sido reconhecido por milhões de espectadores e seguidores em todo o mundo, especialmente na América Latina.

Hoje somos nós, amanhã será qualquer voz crítica

Nas declarações ao La Jornada, o director da Redfish destacou que a guerra na Ucrânia está a ser usada para proibir e punir os órgãos que não seguem a narrativa da NATO.

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Torquemadas do pensamento

A confraria transeuropeia de polícias de opinião deu finalmente corpo à assustadora profecia de George Orwell e criou o Ministério da Verdade.

Créditos / Bill Kerr Flickr (CC BY-SA 2.0)

Passam por estes dias 19 anos sobre a segunda invasão do Iraque pelos Estados Unidos e outras potências da NATO, mantendo-se ainda a ocupação militar estrangeira do país. Uma guerra limpa, admirável sobretudo quando é apreciada de uma varanda de hotel de Bagdade, lançada por gente com plena sanidade mental, sustentada por razões de uma verdade inquestionável, sem crianças mortas, sem civis bombardeados, sem destruição da maior parte das infraestruturas do país, sem tortura nem chacinas, sem roubos de recursos naturais, sem jornalistas bombardeados de helicópteros como se fossem alvos de um jogo de computador, com espectaculares, cirúrgicos e inofensivos fogos-de-artifício lançados por máquinas de autêntica ficção científica. Um deleite para orgulhosos chefes políticos, inebriados jornalistas esgotando os arsenais de adjectivos e embasbacados telespectadores agarrados aos ecrãs, sorvendo a mais recente superprodução de Hollywood. Solidários com as vítimas? Uns esparsos milhares.

Que diferença dos tempos de hoje!

Testemunhamos na Ucrânia a antítese desse episódio do início do século. Uma guerra à moda antiga, cruel como eram os conflitos armados nesses tempos, com destruição e vítimas mortais, desencadeada por um louco, travada na Europa e não em qualquer país do Terceiro Mundo, provocando refugiados com um visual civilizado e não esses maltrapilhos com pele escura vindos sabe-se lá de onde para perturbar a vida das sociedades civilizadas. Além disso, horrorizando os telespectadores não só com as imagens mas também com as palavras que as acompanham, brutais, acusadoras, aterrorizadoras e assentes em certezas que ninguém poderá pôr em causa.

Assim sendo, acha o leitor que a guerra tem a ver com o cerco da Rússia pela NATO, o mais poderoso exército do mundo e que vê em Moscovo o seu principal inimigo? Ou com o facto de a entrada da Ucrânia na NATO apertar esse cerco, encurralando ainda mais o território russo? Ou com a ameaça do presidente ucraniano de que poderá voltar a dotar o país com armas nucleares? Ou com o massacre das populações russas do Leste pelas forças militares ucranianas e que já dura há oito anos? Ou com o facto, amplamente comprovado, de que o Estado ucraniano e as suas forças militares assentam em organizações nazis apoiadas pela NATO e que têm como objectivo «acabar com a russificação» da população do país, pobre eufemismo para limpeza étnica? Ou com a rejeição prática de acordos de paz (Acordos de Minsk) pelas autoridades de Kiev com a cumplicidade da Alemanha e da França? Ou ainda com a lei sobre «os povos autóctones» promulgada pelo presidente Zelensky há menos de um ano, instituindo um sistema de apartheid de direitos, liberdades e garantias entre as populações ucranianas de origem escandinava e as comunidades eslavas, consideradas em linguagem comum como «os pretos da neve»?

Pois o leitor está proibido de achar qualquer coisa deste género; nem dizê-lo; e o mais seguro é mesmo não pensar porque incorre no crime de violação da opinião única estabelecida pelos dirigentes dos Estados Unidos e dos seus satélites da União Europeia, fiscalizada através de uma comunicação social sem dúvidas e que nunca se engana. Como nos idos tempos de Salazar, que julgávamos ultrapassados de vez, quem não está connosco está contra nós, neste caso a favor do déspota Putin. E se está de acordo com as asserções atrás expostas em forma interrogatória, mesmo que seja apenas de uma, saiba que poderia ser um habitante da «bolha» de Putin, como define o presidente ucraniano Zelensky. Bem pode o estimado leitor defender a negociação da paz como única saída possível e humana da situação que isso de nada lhe vale: é um agente russo, um troll do Kremlin, um desprezível eco de Moscovo.

Mesmo que, como cantava o poeta, seja verdade que «não há machado que corte a raiz ao pensamento», o mais seguro, nestes tempos, parece ser não pensar e não contrariar o que lhe ordenam porque pode haver tentações «desviantes», como alguém já escreveu, e então lá estarão, para o enxovalhar e o que mais adiante se verá, a senhora Von der Leyen com a autoridade que lhe dá a ascendência nazi de pai, mãe e sobretudo do avô – que, como oficial das hordas de Hitler mandou fuzilar dezenas de resistentes polacos, judeus e soviéticos, por sinal na Ucrânia; ou os senhores Borrell e tantos dos seus colegas, entre eles um dos mais zelosos, o senhor Santos Silva, para quem a democracia é uma propriedade privada para pôr e dispor. E que não está preocupado com as repercussões na Europa das sanções impostas à Rússia: pois não, quem as vai sofrer são os povos, em primeiro lugar os mais desfavorecidos, não ele.

O Ministério da Verdade

Esta confraria transeuropeia de polícias de opinião deu finalmente corpo à assustadora profecia de George Orwell e criou o Ministério da Verdade. Nele se concentram torquemadas do espírito, mentirosos de profissão, esbirros das ideias, macartistas dos comportamentos e toda uma poderosa corte de analistas, especialistas, comentadores, pivôs e entrevistadores que gostam de se ouvir a si mesmos dizendo exactamente as mesmas coisas e empunhando, justiceiros, o «martelo dos hereges», como no século XV chamaram ao inquisidor-mor, o frade Tomás de Torquemada.

Sabendo nós que a imposição do neoliberalismo como sistema económico-político de abrangência global é acompanhada pela formatação da uma opinião única sobre o funcionamento da sociedade não deveríamos surpreender-nos com uma situação deste tipo.

Porém, o poder avassalador com que caiu sobre nós o surto de propaganda de guerra representa um salto qualitativo no processo de controlo do pensamento dos cidadãos, como que remetendo os «dissidentes», aqueles que habitualmente usam a capacidade de crítica perante os conceitos dominantes, para a categoria dos potenciais autores de delitos de opinião, criminosos passíveis de ser encarados como seres desprezíveis, traidores, até mesmo alvos de perseguições. Uma abordagem tão intensa como esta vem reforçar de maneira trituradora os ensaios autoritários e de extermínio dos mecanismos democráticos realizados durante as fases mais agudas da pandemia de Covid-19 .

A propósito da crise da Ucrânia, observem como os corajosos comentadores portugueses, sobretudo militares, que colocaram as suas competências, conhecimentos e experiências ao dispor de espaços de televisão dedicados ao assunto, e que expuseram ideias dissonantes da versão oficial e obrigatória, estão a desaparecer gradualmente de cena e se tornaram alvos dos aparelhos censórios ao serviço do Ministério da Verdade. A honestidade intelectual está, deste modo, sob vigilância rigorosa.

O semanário de Bilderberg, órgão oficial deste ministério orwelliano reforçado com um update do totalitarismo macartista, dedicou nutrida prosa contra os majores-generais Carlos Branco, Raul Cunha, Agostinho Costa e o coronel Carlos Matos Gomes por terem saído da formatura em que devemos todos estar alinhados no que diz respeito à invasão russa da Ucrânia. Eles explicaram objectivamente e com a qualidade de conteúdo própria de quem dedicou uma longa vida profissional às ciências e actividades militares, com muitos anos de presença em terrenos críticos, por exemplo na ex-Jugoslávia, circunstâncias que escapam à maioria dos leigos como nós. Não foram comentários mas sim verdadeiras lições que nos permitem usar a cabeça para reflectir e formar opiniões sobre uma guerra sem dúvida evitável. Ora esse é o problema: pensar – meio caminho andado para não engolir a verdade única.

Afirmando, sem pudor, que as opiniões daqueles militares coincidem com as «posições de Putin», o jornal cita fontes castrenses, algumas de cariz insultuoso, que não têm coragem de dar o nome e a cara, o que diz tudo sobre o seu carácter e o de quem lhes deu voz.

A censura, a manada e os jornalistas

Em terras portuguesas, garantidamente na Beira Baixa, costuma dizer-se que «quem quer conhecer o vilão basta pôr-lhe o pau na mão».

Foi exactamente o pau de um autoritarismo censório, ao mesmo tempo de uma mesquinhez ridícula, que levou os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia a proibir o acesso no espaço comunitário a publicações e emissões russas, entre elas o Russia Today e o Sputnik. Aliás a decisão antes de ser tomada já o era: o agora autêntico primeiro-ministro em exercício Santos Silva aconselhara de véspera os cidadãos portugueses a não frequentarem esses órgãos de comunicação do inimigo, o que demonstra algum défice de confiança em relação à solidez da opinião única mas, por outro lado, parece ser aquela última oportunidade paternalista que qualquer agente da repressão concede com benevolência cínica antes de zurzir o pau na vítima.

Ora os senhores ministros sujaram-se por muito pouco.

Provavelmente confundiram o jornalismo com a actividade praticada por aquela manada de seres sem ética nem respeito pela profissão que os poderes têm à sua disposição para fazerem chegar a verdade indiscutível e as ordens à generalidade dos cidadãos, cada vez mais indefesos.

Acharam os senhores ministros que os jornalistas são uma espécie extinta de vez? Pensaram que os jornalistas que trabalham com opiniões, consciência e factos ficariam órfãos devido à censura de meios de comunicação russos? Ou que os jornalistas a sério são capazes de produzir informação com base apenas na versão de uma das partes em conflito, seja ela qual for? Sabemos que, como ministros, vivem numa realidade paralela, que perderam o contacto com a vida em sociedade tal como existe e chegam até a acreditar na comunicação social montada para os servir. Problema deles – mas também nosso, enquanto deixarmos.

Os censores falharam e ficaram a descoberto nas suas manobras repressivas. É óbvio que existem centenas de fontes credíveis sobre o conflito, significativamente muitas delas norte-americanas, da pátria adoptiva do senhor Santos Silva, que repelem a opinião única. Há também o contacto directo, o skipe, o zoom. E saibam os agentes macartistas que circulam pela net dezenas de links de acesso aos meios russos proibidos por Bruxelas. Como vêem, recursos não faltam e diversidade de fontes também não.

É certo que poderiam trancar a internet, por exemplo, o que certamente os tornaria ainda mais populares. Continuaria, porém, a haver telefone e até contactos pessoais directos, jornalistas competentes no terreno e dos dois lados da barricada, enfim uma panóplia de meios que alimentam uma informação independente – situada, segundo os torquemadas do pensamento, obviamente ao lado de Putin.

A mensagem é primária, mas beneficiando de colossais meios de expansão torna-se asfixiante, uma verdadeira censura institucionalizada apesar do fracasso patético dos censores a retalho. Goebbels dará certamente cambalhotas de inveja no meio das chamas infernais.

Pandemia de racismo e nazismo

Em 8 de Março, conforme testemunha a agência Getty Images, a NATO celebrou o Dia Internacional da Mulher fazendo circular, evocando todas as mulheres do mundo, a imagem de uma terrorista do batalhão nazi ucraniano Azov exibindo na farda o símbolo do grupo, um sol negro, oriundo do ocultismo nazi alemão e que resulta da sobreposição de três cruzes suásticas.

Para a Aliança Atlântica a mulher nazi representa uma «combatente da liberdade», tal como os ucranianos do Leste, resistentes à limpeza étnica, são «terroristas». Ao mesmo nível, por certo, dos «terroristas» palestinianos que resistem à matança, ao apartheid e ao confisco das suas terras.

Poderia ser um caso isolado, mas não é. O nazismo revanchista inspirado no colaboracionismo com Hitler nos anos quarenta do século passado e o racismo que lhe está associado são instrumentos que os Estados Unidos e a União Europeia têm manipulado, acarinhado e apoiado desde o golpe pela «democracia» cometido em Kiev no ano de 2014.

Os governantes europeus – os norte-americanos nem se dão a esse trabalho – e a comunicação social amestrada pretendem minimizar essas práticas fazendo crer que a presença nazi é insignificante no poder ucraniano.

Isso é totalmente falso e pretende esconder um colaboracionismo europeu e norte-americano com o nazismo para transformarem a Ucrânia numa ponta de lança contra a Rússia, enfraquecendo economicamente este país, isolando-o e tentando impedir que seja um empecilho à estratégia globalista conduzida no quadro do uniteralismo como ordem mundial inquestionável.

O facto de o presidente norte-americano Joseph Biden ter ameaçado a China de que irá «tomar medidas» no caso de Pequim não cumprir as sanções contra Moscovo revela, desde já, o que virá a seguir ao hipotético enfraquecimento da Rússia.

O nazismo ucraniano não é um instrumento recente dos Estados Unidos e seus satélites. Desde 1949 que a CIA (e a sua antecessora OSS) usa os grupos nazis ucranianos primeiro contra o poder soviético e, já depois da independência, sempre que o governo de Kiev não represente plenamente os interesses de Washington e Bruxelas. Assim aconteceu com a «revolução colorida» laranja de 2004 e com a mais eficaz e bem-sucedida conspiração terrorista de Maidan.

O primeiro governo saído do golpe de 2014 e as estruturas adjacentes integravam 10 representantes de grupos nazis, entre eles o primeiro-ministro adjunto, o ministro da Defesa, o ministro da Educação e Ciência, o ministro da Ecologia e Recursos Naturais, o ministro da Agricultura e Alimentação, o ministro da Juventude e Desportos e dois secretários do Conselho de Segurança e de Defesa.

Este foi o governo criado sob orientação directa do falecido senador fascista norte-americano John McCain, da secretária de Estado Adjunta Victoria Nuland, por sinal uma norte-americana de ascendência ucraniana e judaica, e do então vice-presidente de Obama, Joseph Biden.

Actualmente o presidente do Parlamento de Kiev é o nazi Andrei Paruby, fundador do Partido Nacional-Socialista da Ucrânia e que, embora esteja sob a capa de outro partido, faz questão de dizer que não alterou as suas posições.

E o principal conselheiro do comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas, general Valeri Zoluzhni, é Dmitro Yarosh, que antes disso dirigia o Batalhão Azov, um regimento nazi das tropas de Kiev que se tem destacado na limpeza étnica no Leste e, presentemente, na perseguição e fuzilamento de civis que tentam sair das cidades através de corredores humanitários. Além de instalarem armamento pesado em zonas residenciais, usando os civis como escudos humanos.

As simpatias nazis não são muito relevantes como expressão da sociedade ucraniana, mesmo na maior parte das regiões ocidentais, mas estão firmemente incrustadas desde 2014, a nível de poder político e militar, nas estruturas do Estado ucraniano.

O presidente Zelensky gosta de repetir que não é simpatizante nazi porque é judeu.

Essa circunstância não o impediu, porém, de agraciar recentemente com o título de «herói da pátria», em pleno Parlamento, o actual comandante do Sector de Direita e, por inerência, do Batalhão Azov, Dmytro Kotsubaylo. Este nazi fez questão de receber a homenagem em farda operacional.

O nazismo como pilar das estruturas político-militares do Estado ucraniano reflecte tendências racistas enraizadas no país e que cinde totalmente a região Ocidental da região Oriental.

No dia 21 de Julho de 2021, portanto há menos de um ano, o presidente Zelensky promulgou a chamada lei dos «povos autóctones», que só reconhece direitos plenos aos ucranianos de origem escandinava, segregando, com espírito de apartheid, os de origem eslava, em grande parte russófonos, os «pretos da neve». Recorda-se que uma das consignas dos grupos nazis ao assumirem o poder em Kiev depois do golpe de Maidan era «travar a russificação» do país, o que depois passaram à prática com a guerra e a limpeza étnica imposta no Leste, onde as populações, como forma de autodefesa, criaram as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

De acordo com a lei dos «povos autóctones», a língua russa é suprimida dos serviços públicos e estatais, não pode ser ensinada, aprendida e falada.

O exaltado reconhecimento desta singular forma de «democracia», no entender da NATO e da União Europeia, expandiu-se como uma pandemia pela Europa e os Estados Unidos através da histérica reacção à agressão russa, como se as acções criminosas de índole militar fossem uma novidade nos pouco mais de vinte anos deste século.

Por exemplo, clubes de futebol que em tempos exibiram bandeiras da Palestina e foram multados por isso agora são exuberantemente felicitados quando enfeitam os equipamentos com símbolos ucranianos; aquele que é considerado o maior maestro vivo do mundo, Valery Georgiev, foi despedido das orquestras que dirigia por ter ficado em silêncio perante os acontecimentos na Ucrânia, e a célebre cantora lírica russa Anna Netrebko teve o mesmo destino; o futebolista mais internacional de sempre da Ucrânia foi apagado dos anais desportivos do país por não se ter pronunciado sobre o conflito; e se por acaso o leitor tiver a ousadia de hospedar um gato russo como companhia saiba que não pode registar a respectiva raça na Federação Internacional Felina, ficando o pobre bichano sem pedigree.

São aspectos ainda assim menores, quase caricaturais, que traduzem uma gigantesca vaga de racismo, xenofobia, segregação e perseguição – atingindo até crianças russas vítimas de bullying nas escolas – que se expande na Europa como uma peste, atingindo os níveis da irracionalidade e da crueldade pura, na esteira daquilo que agora Biden finalmente confessou ser o objectivo de toda a campanha: «a guerra económica contra a Rússia».

Onde se recorda Pulitzer

Provavelmente o cidadão comum não se apercebe do significado profundo destes comportamentos porque consome, na maioria dos casos sem defesas, as mensagens inquinadas ou simplesmente mentirosas dos dirigentes políticos e da comunicação social dominante. São eles que disseminam o racismo e a xenofobia aproveitando-se da situação ucraniana.

Na verdade, a solidariedade manifestada através da onda de acontecimentos e comportamentos em massa, regra geral plenos de boa vontade, é parcelada por circunstâncias perversas e destina-se apenas a parte dos cidadãos ucranianos, os de «primeira», de origem escandinava, segregando os restantes ucranianos, os que afinal têm sido vítimas da guerra conduzida há oito anos em boa parte por grupos nazis treinados e financiados pela NATO.

O cenário assim montado é de uma coerência comovente. A Polónia, que ainda há semanas corria à bastonada os refugiados que pretendiam entrar no país – vítimas das muitas guerras provocadas pelos Estados Unidos, a NATO e a União Europeia – recebe agora de braços abertos os fugitivos ucranianos, obviamente ocidentais e de «primeira», como definiria Zelensky.

A União Europeia, que para não receber refugiados financia campos de concentração na Líbia onde, depois de desapossadas dos seus bens, pessoas que fogem das guerras e do colonialismo são torturadas e mesmo assassinadas; que persegue seres humanos à deriva no Mediterrâneo, deixando que milhares deles se afoguem, pois agora essa União Europeia está pronta a receber os refugiados ucranianos, sejam eles quantos forem.

É sempre mais reconfortante, pelos vistos, acolher gente com boa aparência, de preferência seres louros e de olhos azuis, do que maltrapilhos de pele escura, esfomeados que pretendem viver às custas dos serviços sociais dos países civilizados. Trata-se de injecções de «sangue puro», como dizia o inquisidor Torquemada, seguido depois por Hitler e agora, na Ucrânia, pelo «fuhrer branco», Andriy Biletsky, fundador das milícias Corpo Nacional e depois do Batalhão Azov, cuja obra inspira os acampamentos de crianças que recebem formação nazi e treino militar, e que tem como objectivo «conduzir as raças brancas na cruzada final». Biletsky, também ele inspirado pelo agora herói nacional da região ocidental da Ucrânia, Stepan Bandera, que inspirou o assassínio em massa dos seus compatriotas, judeus ou não, a soldo de Hitler. Biletsky, enfim, ponta de lança da grande fraternidade ocidental.

Até as autoridades portuguesas, tão parcas em receber refugiados das guerras e das catástrofes naturais em África e no Médio Oriente, apesar de Portugal ser dos países da União com as portas mais entreabertas mas onde um imigrante ucraniano foi assassinado por agentes policiais no aeroporto de Lisboa, está agora pronto a receber os refugiados da Ucrânia ocidental «que for preciso». O governo português é, portanto, parte da grande vaga xenófoba.

A comunicação social desempenha papel essencial nesta cavalgada. Uns de maneira encapotada, sabendo o que estão a fazer mas não dando o flanco para não perderem eficácia nos objectivos; outros, delirantes, com o coração ao pé da boca desvendam o que lhes vai na alma. De certa maneira, a situação actual é um campo inexplorado: pela primeira vez neste século os media corporativos estão do lado das vítimas da guerra (mas só de algumas) e não do lado dos agressores – circunstância esta em que podem considerar-se rotinados.

Diz Charlie D’Agata, correspondente em Kiev da CBS News norte-americana: «Este não é um lugar, com todo o respeito, como o Iraque ou o Afeganistão, onde há décadas os conflitos se arrastam. Esta é uma cidade relativamente civilizada, relativamente europeia, onde isto não é de esperar».

Xenofobia, mas «com todo o respeito».

A palavra agora para Peter Dobbie, do canal inglês da Al-Jazeera, sobre os refugiados: «O que é convincente é que só de olhar para eles, da maneira como estão vestidos, são pessoas prósperas, de classe média, não são obviamente refugiados tentando fugir de áreas do Médio Oriente que ainda estão em grande estado de guerra; não são pessoas tentando fugir de áreas do Norte de África: parecem-se com qualquer família europeia que seja nossa vizinha».

Note-se que, apesar de tudo, os refugiados do Médio Oriente e do Norte de África ainda são considerados «pessoas».

A BBC deu voz a um ex-procurador adjunto da Ucrânia, David Sakarelidze, para afirmar «que é muito emocionante para mim porque vejo europeus com olhos azuis e cabelos louros que estão a ser mortos». E Lucy Watson, da ITV News britânica, admira-se porque «o impensável aconteceu: esta não é uma nação em desenvolvimento do Terceiro Mundo, isto é a Europa».

A emoção é compartilhada por Daniel Hannan, ex-deputado europeu, em declarações ao Daily Telegraph: «Eles parecem-se tanto connosco, é isso que torna isto tão chocante. A guerra deixou de ser uma coisa que atinge populações empobrecidas e remotas, pode acontecer a qualquer um».

Também Michel Knowles, identificado como jornalista do Daily Wire, foi abalado pelo choque. «Acabou agora de me ocorrer», surpreendeu-se, «que esta é a primeira grande guerra entre nações civilizadas na minha vida».

Guerra é coisa de pobres, de gente a quem a violência militar é levada pelos ricos para que fiquem finalmente civilizados e democratizados. Desde 24 de Fevereiro, início da invasão da Ucrânia pela Rússia, houve mais bombardeamentos aéreos da Arábia Saudita contra o Iémen, com apoio norte-americano, do que de russos sobre o território ucraniano.

Entretanto, Jeremy Bowen, jornalista do modelo de independência e circunspecção que é a BBC, divulgou instruções sobre «onde e como» lançar cocktails Molotov, «um guia para os voluntários ucranianos».

Joseph Pulitzer, grande jornalista norte-americano falecido em 1911, escreveu um dia que «com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica, corrupta formará um público tão vil como ela».

Pulitzer era realmente um visionário, alguém que percebeu há mais de um século o potencial de manipulação e degradação social que havia num instrumento tão indispensável como a comunicação social.

O cenário montado a propósito da Ucrânia é exemplar. E ainda há quem se surpreenda com a veloz reactivação de correntes neofascistas e neonazis através da Europa. Pois se os próprios dirigentes da NATO e da União Europeia, proclamados defensores da democracia, lhes dão a mão para defenderem os seus interesses – que não os dos povos dos seus países – fica tudo explicado. Daí que nada haja de escandaloso em vermos em Portugal bandeiras da Juventude Socialista juntas com as do Chega e do Sector de Direita ucraniano em manifestações sobre a Ucrânia. Tal como Borrell e Santos Silva tomam atitudes censórias enquanto sustentam objectivamente o terrorismo do «führer branco» que se prolonga há oito anos.

Nada disto tem a ver com a paz ou a defesa da paz, única maneira de interromper a nova fase do conflito ucraniano aberta com a também criminosa agressão russa. Nesta guerra não há inocentes, a não ser as vítimas civis a Ocidente e Oriente do país, tal como poderá não haver vencedores.

Mas até a defesa da diplomacia urgente, do respeito por acordos assinados e assumidos pela ONU, da procura de soluções pacíficas como única saída desta tragédia significa um apoio a Putin para aqueles que incitam Zelensky a não se envolver seriamente no processo negocial, de modo a que a guerra se prolongue.

As castas dirigentes e os seus megafones estão a actuar cada vez mais irresponsavelmente ao nível internacional.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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