Foi no antigo cinema Monumental, em Lisboa, que o realizador sérvio Kusturica apresentou o seu filme Na Via Láctea. A sessão foi em Novembro de 2016, pouco tempo depois das presidenciais nos Estados Unidos da América. Na conversa com o público, perguntaram-lhe se estava chocado com a eleição de Trump. O autor de Underground disse: «Sou jugoslavo, não gosto particularmente de Hillary Clinton que mandou bombardear Belgrado». Por causa disso, a sua apreciação das presidenciais norte-americanas não se fixava no eixo bom e mau que a comunicação social tendia a simplificar. Às vezes os candidatos são todos maus.
Oito anos depois, as coisas continuam igualmente complexas. Kamala Harris, segundo a comunicação social, ganhou o debate com Donald Trump, na estação televisiva ABC. Hillary já o tinha feito em 2016.
Mas, segundo a revista de esquerda norte-americana Jacobin, essa eventual vitória foi mais na forma que no conteúdo e baseou-se em não dizer nada de muito concreto sobre o que se propõe fazer caso chegue à sala oval da Casa Branca.
«Quando lhe perguntaram o que faria em relação às alterações climáticas, Harris simplesmente não respondeu à pergunta, depois de se ter gabado de pertencer à administração que conseguiu níveis recorde de produção nacional de petróleo e de gás de xisto através de fracking (fracturamento hidraúlico). É necessário um cessar-fogo em Gaza, disse ela, mas não deu qualquer indicação de que deixaria de enviar armas a Benjamin Netanyahu caso este continuasse a recusar o cessar-fogo», escreve o articulista da Jacobin.
Kamala Harris é a vice-presidente que declarou na Convenção Democrata estar sempre pronta a defender Israel, dias depois de a Casa Branca ter enviado mais 20 mil milhões de dólares de armas para Israel. Não há genocídio que faça recuar o apoio a Netanyahu, Biden e Kamala Harris.
Não é de admirar, segundo lembra a publicação de esquerda norte-americana, que 63% dos eleitores, numa sondagem recente, tenham dito que queriam ver uma «grande mudança» na presidência de Biden. Uma mudança de política que os democratas não parecem querer garantir.
Os democratas estão orgulhosos em dizer que são mais falcões que os falcões. Kamala Harris atacou repetidamente Trump por ser demasiado pessimista em matéria de política externa, quer por trocar «cartas de amor com Kim Jong Un», quer por negociar com os talibãs, e prometeu, pela segunda vez desde a Convenção Democrata, criar «a força de combate mais letal do mundo».
Assassínios extra-judiciais do presidente fofinho
Anos depois das invasões do Iraque e do Afeganistão promovidas por George W. Bush, os democratas continuaram a fomentar «a guerra aos terroristas». Desde os seus primeiros dias como comandante chefe, o Presidente Barack Obama fez do drone e dos assassinatos extra-judiciais uma arma reiterada. Mais de 10 mil pessoas foram assassinadas, em todo o mundo, por este meio.
No início do seu livro Théorie du Drone, Grégoire Chamayou transcreve os diálogos de uma equipa de comando de um drone armado durante uma missão em que uma viatura vai ser destruída pelo veículo não tripulado armado. Estes militares, que actuam a milhares de quilómetros do campo de batalha, acordam de manhã, tomam as torradas com as suas famílias e depois vão trabalhar para um sítio onde comandam drones, e perante os dados que recolhem os sensores de sons, os interceptadores de comunicações e as câmaras, decidem se procedem ou não à destruição destes alvos.
Neste caso, que inicia o livro de Chamayou, são civis inocentes os homens e mulheres e crianças que vão morrer, devido à decisão de os liquidar. Para evitar que as estatísticas sejam negativas para os mais de seis mil drones dos EUA, que actuam numa dúzia de países em que muitos dos quais não há uma declaração formal de guerra do Congresso dos EUA, as autoridades vão caracterizar como «combatentes inimigos» todos os homens adultos que sejam alvo de um ataque, estejam armados ou não. O resto são inevitáveis danos colaterais.
Desde a Declaração de Independência registam-se mais de 400 intervenções militares externas dos EUA, um quarto delas desde o fim da Guerra Fria e o desabar da União Soviética em 1991.
Este comportamento imperial vem de longe. Em 1899, os Estados Unidos da América discutiam no Congresso a anexação das antigas colónias espanholas que tinham lutado pela sua independência, nomeadamente as Filipinas. Nessa altura, o poeta britânico Rudyard Kipling escreveu um poema apologético para declarar que o facho da civilização tinha passado das mãos do Reino Unido. «O Fardo do Homem Branco» defendia que passara a caber a Washington tratar dos selvagens para o bem deles, sem contar com o seu agradecimento. Os nativos do mundo tinham de ser dirigidos pelas potências ocidentais. Eram homens inferiores, de civilizações fracas que precisavam de ouvir a voz do dono. Os agitadores deviam ser castigados e eliminados, se necessário por meios violentos. Os selvagens deviam ser controlados, para seu bem. Assim começava a declaração de bondade civilizadora:
«Tomai o fardo do Homem Branco, Enviai vossos melhores filhos. Ide, condenai seus filhos ao exílio Para servirem aos seus cativos; Para esperar, com arreios Com agitadores e selváticos Seus cativos, servos obstinados,
Metade demónios, metade crianças».
Entre o consenso dos meios de comunicação e dos poderosos, houve um homem que não se calou. O escritor que assinava Mark Twain, autor d'As Aventuras de Huckleberry Finn, respondeu com um artigo em plena euforia «civilizadora», quando os poderosos norte-americanos abriam garrafas de champanhe pela anexação das ilhas do Havai, de Samoa e das Filipinas, de Cuba, Porto Rico e de uma ilhota que se chama, eloquentemente, dos Ladrões. Perante isto, Mark Twain faz uma singela proposta, pede que se mude a bandeira nacional: que sejam negras, diz, as listas brancas, e que umas caveiras com tíbias cruzadas substituam as estrelas e assumam a verdadeira identidade de piratas.
Quando os ricos votam democrata
Se, do ponto vista imperial do uso da força, os democratas aparecem por vezes como versões com esteróides dos republicanos, do ponto de vista da justiça social e da igualdade, há muito que os democratas mudaram de política e de eleitores. Renegaram as políticas de igualdade social do New Deal dos governos de Roosevelt e abandonaram os sindicatos.
Em 1969, o documento McGovern-Fraser reescreveu as regras de escolha dos delegados às convenções do partido democrático, afastando os sindicatos e a classe trabalhadora do partido.
Paulatinamente, os democratas deixaram de representar a classe trabalhadora e passaram a ser sobretudo o partido dos profissionais bem pagos e licenciados nas universidades de elite. O discurso mais igualitário é substituído pela crença meritocrática de que tudo é uma questão de esforço individual.
Thatcher dizia que a sua maior vitória tinha sido Tony Blair e o facto de os trabalhistas terem adoptado as políticas neoliberais. Nos Estados Unidos da América, a administração Clinton traçou o mesmo caminho, governando para destruir o poder dos sindicatos e estimular a «livre concorrência».
«Se, do ponto vista imperial do uso da força, os democratas aparecem por vezes como versões com esteróides dos republicanos, do ponto de vista da justiça social e da igualdade, há muito que os democratas mudaram de política e de eleitores. Renegaram as políticas de igualdade social do New Deal dos governos de Roosevelt e abandonaram os sindicatos.»
O Partido Democrata já foi o partido do New Deal e o aliado dos sindicatos. Mas, na altura da presidência de Bill Clinton, tornou-se o inimigo dos programas como a assistência social e a Segurança Social, e o campeão dos acordos de comércio livre. O que explica esta aparente inversão? Thomas Frank – conhecido pela sua análise da base do Partido Republicano em What's the Matter with Kansas? – tenta responder a esta pergunta no seu livro, Listen Liberal: Or, What Ever Happened to the Party of the People?
De acordo com o autor, as explicações populares que culpam os grupos de pressão das empresas e o crescente poder do dinheiro na política são insuficientes. Em vez disso, Frank aponta para uma decisão das elites do Partido Democrata, nos anos 70, de marginalizar os sindicatos e de se transformar do partido da classe trabalhadora no partido da classe dos profissionais bem remunerados. Ao fazê-lo, o Partido Democrata mudou radicalmente a forma como entendia os problemas sociais e a forma de os resolver, trocando o princípio da solidariedade pelo princípio do individualismo competitivo e da meritocracia. O resultado final é que o partido que criou o New Deal e ajudou a criar a classe média tornou-se agora «o partido da desigualdade em massa».
A primeira prova é o que tem acontecido desde a crise financeira de 2007. A desigualdade piorou desde então, sob o presidente democrata Obama, que garantiram ser o presidente mais liberal ou radical que alguma vez existiria. Os ganhos desde a crise financeira e o início da recuperação económica foram inteiramente para os 10% mais ricos.
Tudo isso não se deve, segundo Thomas Frank, apenas «aos malvados republicanos», mas também ao facto de Obama ter escolhido governar com os ricos e para os ricos. Mesmo quando tinha a maioria em ambas as câmaras do Congresso, podia escolher quem quisesse para a sua administração e traçar políticas diferentes, adoptou sistematicamente políticas que favoreciam os 10% mais ricos em detrimento de todos os outros. Ajudou Wall Street quando esta, depois da crise financeira, estava inteiramente à sua mercê. Depois da crise do subprime, Obama recrutou para a sua administração os responsáveis pela desregulação financeira, em vez de ter combatido o sistema financeiro que encoraja a especulação.
Em 2008, Obama foi o primeiro candidato democrata a receber mais fundos dos banqueiros de Wall Street que o seu adversário republicano.
O primeiro presidente negro dos EUA podia ter optado por uma outra coligação de poder, tal como Franklin Roosevelt fez nos anos 30. Mas optou por não o fazer.
Quando se começa a investigar esta história, descobre-se que houve uma transição no Partido Democrata nos anos 70, 80 e 90. Convenceram-se que precisavam de abandonar os trabalhadores para servir um eleitorado diferente: um eleitorado essencialmente de profissionais de colarinho branco.
É a esse grupo que servem e é a ele que recorrem. Os líderes do Partido Democrata são sempre oriundos deste estrato particular da sociedade.
O poder do dinheiro explica como se consolida a desigualdade política, mas é a partir da análise dos interesses das diversas classe sociais que se pode perceber como se chegou a esta situação. Os democratas já tinham assumido o seu compromisso, com os profissionais de colarinho branco, antes de o dinheiro na política se tornar um mecanismo tão fundamental para controlar o poder.
Os historiadores citam as eleições de 68 como o ponto de viragem. O partido estava dividido em relação à guerra do Vietname, os manifestantes estavam nas ruas de Chicago e o candidato democrata Hubert Humphrey perdeu as eleições. Perante isso, os democratas criaram uma comissão para reorganizar o partido: a comissão McGovern.
A comissão criou basicamente o sistema moderno de primárias. Mas também retirou aos sindicatos a sua posição estrutural de poder no Partido Democrata. O problema é que, quando se livra o partido dos trabalhadores, deita-se fora também as questões que interessam aos trabalhadores. Os sindicatos continuam a ser uma parte importante da coligação democrata - dão-lhes o seu dinheiro, ajudam imenso na altura das eleições. Mas já não têm a presença nos conselhos partidários que costumavam ter.
«O poder do dinheiro explica como se consolida a desigualdade política, mas é a partir da análise dos interesses das diversas classe sociais que se pode perceber como se chegou a esta situação.»
A mudança de classe tem as suas consequências ideológicas. O primeiro mandamento da classe profissional é a ideia de meritocracia, que permite que as pessoas pensem que os que estão no topo estão lá porque merecem. Para a classe profissional tudo está sempre associado à educação. Eles merecem estar lá porque trabalharam muito e frequentaram uma boa faculdade e uma boa pós-graduação.
Se olharmos para os últimos presidentes democratas, Bill Clinton e Barack Obama, e Hillary Clinton também, as suas vidas são uma história de sucesso escolar.
«O grande problema global do nosso tempo é a desigualdade. Se olharmos para os gráficos históricos do crescimento da produtividade e dos salários, estas duas coisas andaram de mãos dadas durante décadas após a Segunda Guerra Mundial, que consideramos como uma época próspera, de classe média, em que mesmo as pessoas com um diploma do ensino secundário, os operários, podiam ter uma vida de classe média. Depois, tudo correu mal na década de 1970. A produtividade continuou a aumentar e o crescimento dos salários parou. Desde então, o crescimento dos salários tem-se mantido praticamente estável. Mas a produtividade está sempre a aumentar a passos largos. Temos todos estes maravilhosos avanços tecnológicos. Os trabalhadores são mais produtivos do que nunca, mas não têm beneficiado com isso. É esse o problema central da desigualdade», explica Thomas Frank. Os trabalhadores deixaram de conseguir reivindicar melhores salários porque deixaram de ter acesso ao poder.
«Se se falar do problema da desigualdade como sendo de educação e não de poder, então a culpa passa a ser destes trabalhadores. Eles simplesmente não se esforçaram, não fizeram os trabalhos de casa. Se se aceitar a explicação da educação para a desigualdade, em última análise, estamos a culpar as próprias vítimas», afirma Frank.
É esse o ponto de vista dos democratas. É por isso que os democratas se tornaram essencialmente o partido da desigualdade em massa. Não têm qualquer problema com ela. Não há solidariedade numa meritocracia. A meritocracia é, de facto, cada um por si.
No romance do jornalista John Klein sobre a campanha de Clinton, Cores Primárias, o autor descreve um suposto encontro entre o candidato e trabalhadores de uma fábrica, em que este revela aos operários que os seus empregos estão perdidos e que têm de apostar na educação: «nenhum homem pode fazer voltar as coisas ao passado. Nós vivemos num mundo diferente sem fronteiras económicas.»
Paulatinamente, sectores da classe operária branca, em estados crescentemente desindustrializados e afectados pela crescente desigualdade, começam a votar nos republicanos. A direita diz-lhe que os tratados de livre comércio desindustrializaram a América, que é necessário reverter esse processo e que os trabalhadores estrangeiros e os imigrantes são culpados da crescente pobreza nos Estados Unidos da América.
«Se olharmos para as sondagens, Trump está a ganhar os votos de muitas pessoas que costumavam ser democratas. Estas pessoas brancas e da classe trabalhadora são a sua principal base de apoio. Como grupo, essas pessoas já foram democratas em todo o país. São o tipo de pessoas que apoiou Franklin Roosevelt. Estas são as pessoas a quem os Democratas decidiram virar as costas na década de 1970. Vejam o que aconteceu – escolheram Donald Trump. Isso é assustador e horrível», alerta Thomas Frank.
Joe Biden está ciente dessa perda eleitoral nos sectores da classe trabalhadora e passou o tempo a dizer que era o presidente mais pró-sindicatos desde Roosevelt, mas nunca reverteu questões estruturais, como os muitos milhares de milhões de borlas fiscais às grandes empresas e aos milionários. Como disse o multimilionário Warren Buffet, a propósito de a sua empregada pagar uma taxa de impostos superior a ele: «nos Estados Unidos há luta de classes e a minha classe está a vencê-la».
Uma democracia por acções
Em 2018, duas corridas para assentos na Câmara dos Deputados dos EUA contaram com candidatos com empregos de classe trabalhadora – o trabalho manual, a indústria de serviços e os empregos de escritório que compõem mais da metade da força de trabalho americana. No primeiro distrito congressional do Wisconsin, o candidato democrata foi um motorista de entregas que se tornou operário metalúrgico chamado Randy Bryce, apelidado de «Ironstache». No 14.º distrito congressional de Nova Iorque, uma antiga empregada de bar e de mesa, chamada Alexandria Ocasio-Cortez, fez manchetes pela sua impressionante reviravolta nas eleições primárias contra o democrata Joe Crowley, que tinha um rendimento de mais de 670 mil dólares em 2017. O primeiro não conseguiu ser eleito, mas a segunda foi eleita para o Congresso, no qual ainda hoje se mantém.
Candidatos como Bryce e Ocasio-Cortez, políticos oriundos das classes trabalhadoras, são verdadeiras anomalias na política dos EUA.
O livro de Nicholas Carnes, The Cash Ceiling: Why Only the Rich Run for Office – and What We Can Do About It, mostra que, contrariando o ideal «de um governo do povo e pelo povo», os norte-americanos são quase sempre governados por ricos.
«Como disse o multimilionário Warren Buffet, a propósito de a sua empregada pagar uma taxa de impostos superior a ele: "nos Estados Unidos há luta de classes e a minha classe está a vencê-la".»
«O presidente (na altura Trump) é o bilionário que lidera um império empresarial global. O seu gabinete é maioritariamente composto por milionários. A maioria dos membros do Congresso é milionária. A maioria dos juízes do Supremo Tribunal é milionária. Os milionários representam menos de 3% do público em geral, mas têm um controlo maioritário unificado dos três ramos do governo federal. Os americanos da classe trabalhadora, por outro lado, constituem cerca de metade do país. Mas nunca ocuparam mais de 2% dos lugares em qualquer Congresso desde a fundação da nação», escreve Nicholas Carnes.
No seu livro A Tirania do Mérito, Michael Sandel faz notar que no Congresso dos EUA, 95% dos membros do Congresso e 100% do Senado são licenciados. Durante os últimos anos, o Congresso tornou-se mais diversificado em termos de raça, etnicidade e identidade de género, mas menos diversificado em termos de credenciais educativas e classes sociais.
Nos EUA metade da população trabalha como «colarinho azul», alcunha que se dá aos trabalhadores que ocupam os empregos manuais, trabalhos administrativos e indústria de serviços. No entanto, ocupa menos de 2% dos cargos do Congresso. Já os milionários são menos de 3% da população e ocupam metade dos lugares eleitos.
Seria conveniente, por exemplo, se pudéssemos contornar esta questão dizendo que a origem social dos políticos não tem importância, que os políticos fazem sempre o seu melhor para trabalhar para o bem comum, independentemente da sua classe.
A política não funciona assim. Tal como as pessoas da classe trabalhadora tendem a ser mais pró-trabalhadores, os proprietários de empresas tendem a ser mais pró-empresas, os agricultores tendem a ser mais pró-agrícolas, etc. Os políticos de diferentes classes sociais tendem a trazer consigo perspectivas diferentes para os cargos públicos, especialmente quando se trata de questões económicas.
Em inquéritos confidenciais a legisladores estatais, os líderes da classe trabalhadora de ambos os partidos têm 20 a 50 pontos percentuais de mais probabilidades de apoiar políticas como os programas de assistência social, a regulamentação do sector privado, os cuidados de saúde apoiados pelo governo e os esforços para reduzir a desigualdade económica. Estas diferenças, associadas à quase ausência de pessoas da classe trabalhadora nas instituições políticas, têm, em última análise, enormes consequências para as políticas públicas. Os estados com menos legisladores oriundos da classe trabalhadora gastam anualmente menos milhares de milhões em assistência social, oferecem subsídios de desemprego menos generosos e tributam as empresas a taxas mais baixas. As cidades com menos pessoas da classe trabalhadora nos seus conselhos municipais dedicam uma parte menor dos seus orçamentos a programas da rede de segurança social.
«Uma análise que realizei em 2013 mostrou que as cidades de todo o país gastariam aproximadamente mais 22,5 mil milhões de dólares em programas de assistência social todos os anos se os seus concelhos fossem constituídos pela mesma mistura de classes que as pessoas que representam. Infelizmente, não podemos considerar o governo de colarinho branco como politicamente inconsequente. Como diz o velho ditado, quando a classe trabalhadora não está à mesa, está muitas vezes na ementa», conclui Nicholas Carnes.
«Os estados com menos legisladores oriundos da classe trabalhadora gastam anualmente menos milhares de milhões em assistência social, oferecem subsídios de desemprego menos generosos e tributam as empresas a taxas mais baixas.»
Uma das formas como os ricos garantem que só os ricos têm poder é com a crescente desigualdade de meios nas campanhas eleitorais. Os milionários democratas e republicanos garantem o seu poder pelo dinheiro. A peneira do sistema faz-se através dos custos da campanha e da completa desigualdade de meios. Nas presidenciais de 2020, Donald Trump gastou mais de 828,68 milhões de dólares e Joe Biden mais de 3155 milhões de dólares.
Para termos uma ideia, se somarmos os custos das eleições para o Congresso e Senado às presidenciais chega-se à soma de gastos na campanha eleitoral de quase 14 500 milhões de dólares. Não admira portanto que metade dos eleitos no Congresso seja de milionários e que o rendimento médio anual dos deputados eleitos seja de um milhão de dólares.
A democracia americana não escolhe os seus pelo voto, mas pelo rendimento que têm: é normalmente preciso ser rico para ser político eleito e os que não o são, são excepções que não fazem maiorias em termos do Congresso, do Senado, do Supremo Tribunal ou da administração norte-americana.
A alternativa progressista ao racismo e machismo anti-democrático de Trump não está nos democratas. Eles são apenas a outra face de um sistema político que governa para o dinheiro e para os grandes negócios. A haver diferença tem de se construir na luta contra esses dois polos.
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