O governo australiano, liderado pelo liberal Scott Morrison em coligação com os conservadores, acusou o governo chinês de motivações políticas, após a UNESCO ter manifestado a intenção de declarar em risco a Grande Barreira de Coral. Tian Xuejun, vice-ministro da Educação da China e actual presidente do comité da UNESCO para o património mundial, rejeitou as acusações como «sem fundamento».
Vários académicos chineses estão a cortar a comunicação com os seus colegas australianos e a cancelar os planos de viagem à Austrália, num contexto de crescente «retórica virulenta contra a China». De acordo com uma peça publicada esta terça-feira na Australian Financial Review (AFR), intitulada «Os centros de pensamento da China cortam ligações académicas enquanto as hostilidades crescem» [tradução nossa], alguns académicos chineses disseram que se está a tornar «quase impossível colaborar com universidades australianas por causa do crescendo da retórica anti-China». A agência Xinhua refere que este cenário é subsequente a uma reportagem de investigação «parcial» do periódico The Australian sobre o programa chinês Plano dos Mil Talentos, na qual, citando o director do FBI, Christopher Wray, o jornal «procurou retratar o programa chinês de recrutamento de talentos estrangeiros como "espionagem económica e uma ameaça à segurança nacional"». A Academia das Ciências da Austrália afirmou que seria «uma grande pena se o esforço global de investigação fosse posto em causa por calúnias sem fundamento», enquanto a Universities Australia declarou que a maior parte da pesquisa de relevo no país ocorreu para lá das fronteiras nacionais e «com investigadores chineses», refere a mesma fonte. Por seu lado, Wang Xining, representante da Embaixada chinesa na Austrália, sublinhou que a ciência e a tecnologia faziam parte da cooperação China-Austrália. «Trouxe e há-de trazer um bem enorme aos nossos negócios, à nossa sociedade e ao nosso povo», disse. «seria "uma grande pena se o esforço global de investigação fosse posto em causa por calúnias sem fundamento"» Academia das Ciências da Austrália Enquanto os cientistas trabalham para «espalhar a luz», alguns órgãos de comunicação social «lançam sombras», disse Wang, acrescentando que a Embaixada foi sempre questionada com base em «boatos e bisbilhotices», que eram «extravagantes e absurdas». A Xinhua lembra que, quando surgiu a pandemia de Covid-19, o Herald Sun a classificou como «vírus chinês». Além disso, na sequência da detenção de Jimmy Lai Chee-ying, instigador dos distúrbios em Hong Kong e fundador do jornal Apple Daily, a imprensa australiana apresentou-o como um «herói», sem ter em conta aqueles que, em Hong Kong, tinham um posicionamento diferente. Mas nem todos os jornalistas australianos alinharam pela mesma bitola. Robert Ovadia, também jornalista, escreveu no Twitter que «o Apple Daily de Lai destruiu a paz e a estabilidade em Hong Kong com mentiras deliberadas para distorcer a percepção» e que o jornal era «propaganda para si mesmo» e não era, «seguramente, nenhum campeão do jornalismo honesto ou da liberdade». Da mesma forma que as acusações lançadas contra o Plano dos Mil Talentos partiram do FBI, «a influência norte-americana encontra-se por trás de muita da retórica contra a China na Austrália», refere a Xinhua. A agência recorda que uma grande quantidade de jornais australianos, incluindo o Herald Sun e The Australian, pertence à News Corp Australia, um dos maiores monopólios mediáticos da Austrália, que faz parte da News Corp sediada nos EUA. «[...] outras vozes afirmam que a Austrália está, de facto, sob "influência americana" e que a "Austrália está cheia de vontade de agradar a Washington"» Segundo um artigo publicado pela AFR, o Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI, na sigla em inglês) «estava a receber aproximadamente 450 mil dólares australianos [cerca de 278 mil euros] do Departamento de Estado norte-americano para seguir colaborações de cientistas chineses com universidades australianas». O ASPI foi responsável por várias peças sobre as políticas na região autónoma uigure de Xinjiang, no Noroeste da China, que foram repetidamente refutadas pelo goveno chinês. Para o antigo embaixador australiano na China Geoff Raby, o ASPI é o «arquitecto da teoria da ameaça chinesa na Austrália». Enquanto alguns políticos australianos se têm manifestado preocupados com a chamada «influência chinesa» no país, outras vozes afirmam que a Austrália está, de facto, sob «influência americana» e que a «Austrália está cheia de vontade de agradar a Washington». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
A mão americana na desestabilização das relações China-Austrália
«Sombras, boatos e bisbilhotices»
A mão americana por trás da agitação
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As relações entre os dois estados têm-se vindo a deteriorar desde o momento em que a Austrália exigiu publicamente um inquérito sobre as origens do vírus em Wuhan, fazendo eco às insinuações do então presidente dos EUA, Donald Trump.
O fundamento para esta acusação vem de um relatório produzido pelo Instituto Australiano da Ciência Marítima, que conclui que no último ano houve um aumento significativo do coral, que beneficiou de um aumento da temperatura e dos níveis da água.
A posição do governo australiano ignora propositadamente as conclusões do relatório, que estão na base da proposta do comité da UNESCO. O crescimento foi sobretudo de uma espécie de rápido desenvolvimento mas também muito frágil, mais susceptível à destruição por ciclones e ondas de calor, cada vez mais frequentes na zona.
De acordo declarações de Tian Xuejun à Associated Press, foi esse mesmo relatório que a UNESCO usou para a sua proposta e «a Austrália, como estado membro do Comité do Património Mundial, devia conferir importância às opiniões dos orgãos consultivos e dedicar-se seriamente ao cumprimento da missão de protecção do património do mundo, em vez de fazer acusações sem fundamento contra outros estados».
A ministra do Ambiente, Sussan Ley, tem sido a face mais visível do lobby australiano para evitar esforços na protecção deste importante ecosistema. Só na última semana viajou à Europa, onde reuniu com vários homólogos e outros membros do comité da UNESCO, ao mesmo tempo que outros representantes do governo australiano organizavam uma visita ao coral com 14 embaixadores.
Esta posição é, por enquanto, minoritária, recolhendo apenas o apoio de países como o Bahrain e a Arábia Saudita, tendo as mais importantes associações pela defesa do ambiente na Austrália assinado uma carta conjunta ao comité da UNESCO para que este prosseguisse os seus esforços de protecção da Grande Barreira de Coral.
Já o director executivo do Instituto Australiano da Ciência Marítima, cujo relatório é a única evidência que sustenta a posição do goveno, relembrou que este documento apenas avalia a quantidade de coral existente e não as condições em que se encontra, sendo evidente que a siuação do coral, em consequência das alterações climáticas, é bastante precária.
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