A nova bomba B61-13, anunciada pelo Departamento de Defesa norte-americano, na passada sexta-feira, «é uma escalada irresponsável na nova corrida armamentista», disse a directora executiva da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN), Melissa Parke, num comunicado divulgado ontem, lembrando que o seu poder destrutivo é 22 vezes superior ao da bomba que matou 140 mil pessoas em Hiroshima, Japão, em 1945.
Para a dirigente da ICAN, «anunciar estes planos no meio de conflitos na Europa e no Médio Oriente», envolvendo países com armas nucleares, «é um acto arrogante face aos esforços para que estas armas de destruição maciça não sejam utilizadas novamente».
No contexto actual, é preocupante a política de hostilização que, no seio da NATO, os EUA promovem contra a República Popular da China e a Federação Russa. As bombas atómicas lançadas pelos EUA sobre Hiroxima e Nagasaki, a 6 e 9 de Agosto de 1945, mataram mais de 250 mil pessoas de forma imediata. Estima-se que outras tantas tenham morrido nos meses subsequentes e que muitos outros milhares tenham falecido ao longo dos anos, devido a doenças relacionadas com a exposição à radiação nuclear, sofrendo diferentes tipos de enfermidades crónicas, deformações e mutilações. Tanto os EUA como certo tipo de historiografia apresentaram os bombardeamentos como inevitáveis para a derrota do Japão, procurando assim esconder a natureza hedionda do crime – ainda hoje impune –, bem como o facto de que o país do Extremo Oriente estava à beira do esgotamento e da capitulação. Em 1950, tendo presentes o holocausto nuclear de Hiroxima e Nagasaki e o perigo da sua repetição, o Conselho Mundial da Paz lançou o Apelo de Estocolmo, que foi assinado por centenas de milhões de pessoas e no qual se exigia «a interdição absoluta da arma atómica, arma de terror e de extermínio em massa de populações». Quando passam 71 anos sobre o crime cometido nas duas cidades japonesas, o movimento mundial da Paz relembra o Apelo de Estocolmo, reafirmando a exigência de pôr fim às armas nucleares e de destruição massiva. Fá-lo, no entanto, deixando vários alertas. No final de Maio deste ano, no âmbito da cimeira do G7, o presidente norte-americano, Barack Obama, deslocou-se ao memorial às vítimas em Hiroxima. Como nenhum presidente dos EUA em funções antes ali havia estado, a visita assumiu um carácter inédito e histórico. Contudo, a constatação de que «a Humanidade tem meios para se destruir», o apelo à reflexão e a uma «revolução moral» ou – em entrevista a um canal de TV – a afirmação da «visão comum sobre um mundo livre de armas nucleares», saídos da boca de Obama, dificilmente se podem levar a sério. Pese embora os EUA terem assinado e ratificado o Tratado de Não Proliferação Nuclear e Obama não perder ocasião de anunciar ao mundo que «a América procura a paz e a segurança num mundo livre de armas nucleares», os indicadores demonstram o contrário: o perigo nuclear é real, persiste a corrida aos armamentos, prossegue a modernização de armas nucleares por parte dos Estados Unidos – o único país que usou a arma atómica e que tem em curso um programa, para a «revitalização atómica», com um custo estimado de um milhão de milhões de dólares, a ser dispendido ao longo de três décadas. No contexto actual, é também preocupante a política de hostilização que, no seio da NATO, os EUA promovem contra a República Popular da China e a Federação Russa – de que é exemplo a ingerência e tensão crescentes no Mar do Sul da China e a instalação de sistemas anti-míssil e de armas nucleares em diversos países europeus. Crescem, deste modo, os riscos de ocorrência de um incidente nuclear. As últimas décadas, após o fim da União Soviética, ficaram ainda marcadas pelo aumento do número de guerras com o envolvimento e a afirmação do poderio militar dos EUA, da NATO e da União Europeia – vejam-se os exemplos da Jugoslávia, do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Somália, da Síria ou da Ucrânia, em que os estados foram destruídos, milhões de pessoas foram mortas e milhões tiveram de fugir à guerra. Nestes tempos de tensão, belicismo crescente e guerras de agressão contra estados soberanos, não é um bom augúrio a alteração recente da Constituição japonesa – promovida pelo primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, sob fortes protestos do movimento pela Paz ali existente –, permitindo às tropas do país participar em conflitos externos – algo que lhe era interdito desde a Segunda Guerra Mundial. No mês passado, num debate sobre o programa nuclear britânico na Casa dos Comuns, a nova primeira-ministra britânica, Theresa May, mostrou-se disposta a carregar num botão e desencadear um ataque nuclear capaz de matar 100 mil pessoas. Lembrando o horror de Hiroxima e Nagasaki, é urgente contrariar a disposição de May, os maus augúrios nipónicos, o legado de Obama em curso e lutar por um mundo sem armas nucleares e de destruição massiva. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial
Hiroxima e Nagasaki, alerta para o futuro
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No comunicado, a ICAN lembra ainda que outra arma nuclear que faz parte dos planos de modernização da defesa dos EUA, a B61-12, já está a ser implantada em bases da NATO na Bélgica, Alemanha, Itália, Países Baixos e Turquia.
«Exigimos que Washington cancele estes programas de modernização e, em vez disso, honre os seus compromissos com o Tratado de Não-Proliferação [de Armas Nucleares], iniciando negociações para o desarmamento nuclear», acrescentou a responsável da ICAN.
A utilização deste tipo de armas, defendeu Parke, «implicaria assassínios indiscriminados de civis e a destruição de infra-estruturas civis críticas, o que constituiria crimes de guerra».
Os EUA, única potência nuclear que tem estacionadas armas nucleares em bases militares noutros países, incluindo na Europa, foram também o único país a usar a arma atómica, não em contexto defensivo, mas apenas para afirmar a sua superioridade perante a União Soviética, que não possuía este armamento. Em 2019, os EUA abandonaram unilateralmente o tratado para a eliminação dos mísseis nucleares de curto e médio alcance (INF, na sigla em inglês), assinado em 1987 com a URSS.
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