Uma reflexão sobre o impacto das sucessivas crises económicas e da liberalização selvagem do mundo do trabalho por elas provocadas, Great Yarmouth - Provisional Figures representa, na obra de Marco Martins, um díptico, irmanado com São Jorge (2016), que explorava a situação de um desempregado em Portugal, no auge da austeridade.
O filme da realizadora portuguesa foi escolhido para o programa competitivo «Dias dos Autores», que acontecerá de 31 de Agosto a 10 de Setembro, em paralelo ao 79.º Festival de Cinema de Veneza. A realizadora portuguesa Cláudia Varejão estará este ano no Festival de Cinema de Veneza, em Itália, com o filme Lobo e Cão, rodado em São Miguel, nos Açores, projecto em que estava a trabalhar quando foi entrevistada pelo AbrilAbril, em 2020, no âmbito do filme Amor Fati. Cláudia Varejão tinha estado em 2016, em residência artística, no Pico do Refúgio. Aquele espaço, situado em Rabo de Peixe, proporcionou-lhe «uma primeira entrada na ilha por uma vila muito particular, com características muito singulares, muito difíceis, socialmente, economicamente, a vários níveis», contou mais tarde à agência Lusa. O filme «foi escrito a partir da experiência de uma série de jovens que conheci aqui na ilha, da minha própria experiência de quando fui jovem, e que ainda tenho em mim – trazemos todas a idades dentro de nós», disse. Segundo Cláudia Varejão, o filme aborda questões humanas «que têm um pulsar muito visível e muito forte na juventude», nomeadamente «a sexualidade, o desejo de transgredir – e transgredir, seja socialmente, como o próprio território, portanto, atravessar a linha do horizonte –, as questões emocionais e afectivas, as questões profissionais, as questões familiares, as questões morais». Lobo e Cão, rodado com elenco local, ganha ainda uma outra dimensão, por mostrar «como é que é ser jovem num território cercado pelo mar e, nestes contextos em particular, contextos com bastantes dificuldades económicas e sociais, a ideia de atingir outros lugares, outros conhecimentos, para concretizar o sonho, está mais comprometida». Por outro lado, «o filme toca em questões sobre identidade de género, que me parecem, também, muito urgentes», afirmou, frisando que não se deve «adiar representar aquilo que, tendencialmente e historicamente, tem sido invisível, como a identidade de género, a orientação sexual, as comunidades LGBTQI, que, num contexto mais pequeno, ainda são mais frágeis». Cláudia Varejão é autora de curtas e longas-metragens, entre as quais Falta-me, Luz da Manhã, No Escuro do Cinema Descalço os Sapatos, sobre a Companhia Nacional de Bailado, e os recentes Ama-san, rodado no Japão, e Amor Fati. Lobo e Cão é uma produção da Terratreme com a francesa La Belle Affaire. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Cultura|
Cláudia Varejão leva «Lobo e Cão» a Veneza
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A acção do filme desenrola-se em 2019, três meses antes do Brexit. A protagonista Tânia, interpretada por Beatriz Batarda, ajuda, com o seu marido inglês Richard, interpretado por Kris Hitchens (protagonista de Sorry We Missed You de Ken Loach) as fábricas locais a recrutar trabalhadores portugueses e a instalá-los nos decadentes hotéis da Golden Mile (a marginal de Great Yarmouth).
Outrora um concorrido destino de férias de eleição para a classe trabalhadora britânica, Great Yarmouth é, nos dias de hoje, um pólo de pobreza endémica, com uma das mais altas taxas de desemprego do Reino Unido. Desde 2009, a emigração portuguesa tem-se instalado nesta cidade, para trabalhar nas grandes fábricas de transformação alimentar da zona.
O filme, um empreedimento que durou cinco anos, iniciado com a peça de teatro Provisional Figures, que estreou no Festival de Norwich em 2018, conta com a participação de muitos trabalhadores portugueses e habitantes de Great Yarmouth, que trabalham com Marco Martins há alguns anos, para além dos actores Nuno Lopes, Rita Cabaço e Romeu Runa.
Great Yarmouth - Provisional Figures, com guião de Marco Martins e Ricardo Adolfo, produção de Uma Pedra no Sapato e o apoio financeiro de Portugal, França e Inglaterra, foi agora seleccionado para integrar a Competição Oficial da 70.ª edição Festival de San Sebastián, a realizar entre os dias 16 e 24 de Setembro.
A estreia oficial do filme terá lugar neste festival, em Espanha, naquele que é um dos mais prestigiados eventos cinematográficos do mundo.
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