O Fermin fundou em 1984 o Kortatu, uma banda que teve muita importância para a afirmação do nacionalismo basco de esquerda. Ainda há pouco tempo deu um concerto em Arrasate, no País Basco, onde interpretou uma canção do Kortatu com uma letra de que é co-autor, Sarri, Sarri, que há 40 anos homenageava a fuga da cadeia de Joséba Sarrionandia (Sarri), escritor basco multipremiado que foi viver para Cuba, e Iñaki Pikabea (Piti), ex-deputado regional de Herri Batasuna, que na altura estavam presos por suspeitas de ligações à ETA, entretanto dissolvida em 2018. O nacionalismo basco ainda faz parte das suas posições políticas? Actualmente, tem outras causas?
O direito à auto-determinação do País Basco, a sua independência e o socialismo internacional continuam a ser uma base importante do meu ideário, ao qual acrescentei a interseccionalidade de todas as lutas: anti-racismo, anti-capitalismo, anti-colonialismo, ecologia, feminismo, contra a xenofobia, islamofobia ou homofobia. Mas gostaria de esclarecer que a ETA não era uma organização terrorista. Era um grupo de militantes revolucionários que praticava a luta armada contra a ditadura militar fascista de Francisco Franco e que contava com um forte apoio popular. Continuou activo também na chamada «democracia» que se instaurou como uma lei de ponto final, e na qual o Estado espanhol praticou o terrorismo de Estado. Em 2011, decidiu cessar a sua actividade perante as repetidas exigências da população para que abandonasse os métodos violentos que tanto sofrimento estavam a causar e continuasse a luta por meios exclusivamente não violentos. Hoje ainda há uma centena de presos políticos que pertenceram a esta organização e lutamos para conseguir uma amnistia que os liberte e que possamos avançar no processo de paz atendendo aos princípios da verdade, justiça e reparação para todas as vítimas do conflito.
A seguir ao Kortatu, antes de seguir uma carreira a solo, o Fermin fundou o Negu Gorriak, que manteve uma linha de envolvimento político. Nessa banda teve problemas com a justiça espanhola por causa de uma canção que denunciava a chefia policial de San Sebastián como estando envolvida em tráfico de droga. Pode contar-nos um pouco da história do Negu Gorriak?
O meu irmão Iñigo e eu, fundadores do Kortatu, nascemos durante a ditadura de Franco, que proibiu o euskera, a língua basca, bem como qualquer expressão cultural e/ou política da nossa nação, como a ikurriña ou bandeira basca. Quando começámos a cantar com o Kortatu anunciámos que, quando aprendêssemos o euskera, cantaríamos na nossa própria língua.
Assim fizemos e, depois de gravar um disco totalmente em euskera, decidimos encerrar a página da Kortatu e começar com uma nova banda que se expressasse exclusivamente em euskera: Negu Gorriak, e que tivesse como eixo de trabalho a auto-gestão, criando a nossa própria editora discográfica: Esan Ozenki ('Grita bem alto', em castelhano).
Em 1991, no nosso segundo disco, fizemos uma canção em que falávamos das ligações entre o narcotráfico e um tenente-coronel da Guarda Civil chamado Rodriguez Galindo. Ele denunciou-nos e as ameaças contra nós eram constantes. Em 1996, foi acusado de assassinato e desaparecimento de dois militantes e de fazer parte da guerra suja organizada pelas cloacas do Estado, mas a denúncia continuou até que, em 2001, ganhámos os julgamentos e comemorámos com três concertos que reuniram 30 000 pessoas.
Em Maio passado, o espectáculo que o Fermin dava na Cidade do México foi interrompido ao fim de uma hora e cancelado, sem motivação aparente, por mais de 200 agentes e soldados que evacuaram o Fórum Alicia. Já lhe foi dada, entretanto, alguma justificação para essa acção repressiva? Já teve outras dificuldades semelhantes noutros locais?
Tenho um histórico de perseguições devido ao meu envolvimento político.
Em 1994, proibiram-me um concerto no Uruguai, por estar muito próximo do massacre que o exército provocou contra os seus cidadãos ao tentar defender o direito de asilo dos bascos.
Em 2002, fui expulso de Israel quando fiz de escudo humano na Mukata de Ramallah, para tentar impedir que assassinassem Arafat. No México, também em 1996, fui expulso com a proibição de voltar durante dois anos, por ter visitado o subcomandante Marcos e dado o meu apoio público ao Exército Zapatista. Mas agora tenho de dizer que acabei de receber um convite da Secretaria de Cultura da Cidade do México para voltar a actuar, desta vez gratuitamente, no Monumento à Revolução, onde se espera a afluência de mais de 25 000 pessoas.1
Canta muito contra o fascismo e é frequentemente alvo de ameaças e tentativas de boicote dos seus concertos. É verdade que também é alvo de censura pelas autoridades espanholas? Como se manifestam e como as combate?
Já em 2003, o Partido Popular (PP) cancelou os últimos concertos da digressão que eu estava a fazer com Manu Chao. Agora existe a cisão do PP chamada VOX, mas os dois partidos continuam a ser de extrema-direita e tentam impedir-me de actuar em qualquer lugar. Além disso, como aconteceu num Instituto do País Valenciano, se alguém faz um mural em minha homenagem, eles denunciam a pessoa, acusando-a de apologia ao terrorismo. Tudo isso é combatido com perseverança e com a ajuda de pessoas conscientes de que é preciso lutar pela liberdade de expressão.
Se é muito nacionalista nas letras em relação ao País Basco, é muito universalista em relação às influências musicais que as suas composições revelam, que têm origem em várias partes do mundo. Como é que explica esta mistura?
Nas minhas letras também sou muito internacionalista. Desde o primeiro
álbum, em que falava da Nicarágua sandinista nos anos 80, ou da
África do Sul do apartheid, até aos últimos discos, nos quais falo do
Curdistão ou da Palestina. A mistura de ritmos é algo que sempre defendi como um encontro. O mesmo aconteceu quando gravei em Cuba, na Jamaica ou em Nova Orleães, com a peculiaridade, no meu caso, de ter uma musicalidade diferente em relação ao idioma.
O que é que o público da Festa do Avante! pode esperar do seu espectáculo? Que canções e temas vão ser abordados?
Farei uma viagem pelos meus 40 anos de carreira, onde serão tocadas músicas dos Kortatu, Negu Gorriak e dos meus álbuns a solo, como Brigadistak Sound System. Espero encontrar pessoas conscientes de que temos de mudar este mundo, na certeza de que, se não se pode dançar, não é a nossa revolução.
- 1. O concerto aconteceu a 31 de Agosto.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui