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Cinema, leituras, música e visitas encerram centenário de Saramago

Um ciclo de cinema dedicado a José Saramago, leituras das suas obras, visitas guiadas à fundação, em Lisboa, e à sua casa em Lanzarote encerram as comemorações do centenário do Nobel, que se assinala dia 16.

José Saramago abraça um amigo de infância durante a apresentação do livro «As Pequenas Memórias», na Azinhaga, terra natal do escritor, no concelho da Golegã, em 16 de Novembro de 2006
CréditosPaulo Cunha / Agência Lusa

As comemorações arrancaram no dia 16 de Novembro de 2021, dia em que José Saramago completaria 99 anos, e decorreram ao longo de todo o ano de 2022, com algumas actividades a estenderem-se até 2023, culminando oficialmente no dia dos 100 anos do Nobel da Literatura português para o qual está reservado um «programa intenso», de acordo com a Fundação José Saramago.

Esta segunda-feira terá início um ciclo de cinema na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, que se estende até dia 19, integrando as «mais importantes adaptações retiradas da sua obra e alguns dos documentários sobre a sua figura», segundo informação da Cinemateca.

Nos mais de 40 títulos que escreveu, Saramago foi o criador de um estilo literário único, que funde o erudito e o popular, integrando «a riqueza da tradição literária portuguesa com traços narrativos da oralidade», e introduzindo nas suas histórias um «experimentalismo orgânico», que estilisticamente se expressa na supressão da pontuação.

Além disso, as suas histórias ligam-se a um «projecto ético e político», que se materializa «na construção de mundos ora utópicos, ora distópicos», com um «olhar sobre a humanidade», que «foram propícios à sua adaptação cinematográfica, dando origem a múltiplos projectos nacionais e internacionais», destaca a Cinemateca.

É o caso de Blindness, filme de 2008, de Fernando Meirelles, que explora a cegueira epidémica e colectiva de Ensaio Sobre a Cegueira, e que a Cinemateca exibe no dia 17, ou a exploração existencialista do caos da identidade humana em Enemy (2013), de Denis Villeneuve, baseado em O Homem Duplicado, que será exibido no dia 18.

Mas antes disso, o ciclo «José Saramago no cinema» apresenta La Balsa de Piedra (2002), de George Sluizer, amanhã, filme baseado em A Jangada de Pedra, uma metáfora da união entre a Europa e a América Latina, para tentar equilibrar o mundo das heranças deixadas pelo colonialismo.

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Centenário de Saramago, de Portugal para o Mundo

As comemorações em torno do centenário do escritor, anunciadas pela Fundação José Saramago, têm início a 16 de Novembro e celebram o carácter «social, político e ético» do Nobel Português.

José Saramago, 1999
CréditosPedro Soares

São muitas as iniciativas anunciadas, esta terça-feira, por Carlos Reis, professor jubilado da Faculdade de Letras de Coimbra, e comissário designado pela Fundação para dirigir o programa que terá lugar entre 16 de Novembro de 2021 e de 2022, dia em que o escritor completaria 100 anos.

Carlos Reis identificou ainda os «vários eixos de actuação [do programa], porque a sua obra literária e o seu pensamento a isso aconselham: no eixo da biografia, no da leitura, no das publicações e no das reuniões académicas. Comum a todos eles é o desafio de celebrarmos o legado de um escritor que, a caminho de cumprir 100 anos, continua tão actual como estas palavras que ele mesmo disse: "Vivo desassossegado, escrevo para desassossegar"».

As comemorações abrangem um vasto espectro de formas de expressão artística, indo das artes visuais ao cinema, ao teatro, à dança e à ópera. Em todas elas se encontram oportunidades para explorar «a figura e a biografia do escritor».

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Saramago: o comunista que revelou ao Nobel um ideal de democracia

José Saramago foi um dos militantes activos na luta contra o fascismo e na defesa de uma democracia que fosse mais do que «uma referência». A 10 de Dezembro de 1998 recebeu o Nobel da Literatura.

José Saramago
CréditosJosé Luís Roca / CC BY 2.0

O primeiro e, até agora, único Nobel português da Literatura, nasceu na Azinhaga, no concelho da Golegã, em 16 de Novembro de 1922. Ainda menino vai para Lisboa com a sua família e desde cedo cruza-se com movimentos antifascistas. Em 1948/49 participa na candidatura de Norton de Matos à Presidência da República. 

Alguns anos mais tarde (1969), torna-se militante do PCP e integra a organização dos intelectuais de Lisboa. Depois do 25 de Abril, integra a Célula dos Escritores do Sector Intelectual de Lisboa e, juntamente com outros intelectuais comunistas, participa activamente nas jornadas de trabalho da Festa do Avante!. 

Em 1975, data em que é afastado do cargo de director-adjunto do DN, na sequência do golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro, publica o livro de poemas O Ano de 1993.

Dois anos mais tarde, sai o romance Manual de Pintura e Caligrafia e em 1978 o volume de contos Objecto Quase. A partir de então, a sua obra cresce, consolida-se, ganha admiradores e torna-se também alvo de censura. 

Em 1992, o escritor que pugnava por ensinar a dizer não às injustiças e desigualdades, vê-se arredado da candidatura ao prémio literário europeu graças ao veto do subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva, Sousa Lara. Em causa estava a obra O Evangelho segundo Jesus Cristo e, por causa disso, Saramago optou por ir viver definitivamente para Lanzarote. 

Felizmente, o episódio não impediu que, em 1998, o País se levantasse em alegria, como afirmou Eduardo Prado Coelho [«É possível, como se viu nesta semana, que um país se levante em alegria porque alguém ganhou um prémio de literatura»]. Saramago tinha ganho o Nobel da Literatura, o Nobel tinha-se rendido à visão humanista do escritor. 

Entretanto, a sua obra saltou para outros domínios artísticos. O compositor Azio Carghi produziu a ópera Blimunda, a partir do Memorial do Convento, o realizador Fernando Meireles levou ao cinema o Ensaio sobre a Cegueira e obras como, por exemplo, a História do Cerco de Lisboa, foram interpretadas no teatro. 

«A missão do escritor [...] é não se calar» 

No dia em que regressa a Lisboa, após a atribuição do prémio, José Saramago é recebido com uma homenagem do partido que escolheu para seu até ao fim da vida, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa. Finda a cerimónia, seguiu em direcção à Praça do Comércio, num gesto de solidariedade para com os que lutavam contra mais um pacote anti-laboral disparado pelo governo de Cavaco Silva. 

Quando passavam dez anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura, e uma vez não ter podido participar por motivos de saúde na homenagem que lhe foi preparada na Festa do Avante!, enviou uma mensagem aos construtores, que, «com o seu trabalho voluntário, e não pedindo nada em troca, constroem a Festa»; aqueles para os quais «a Festa é indispensável» e que «são também indispensáveis à Festa».

A atribuição do Nobel levou José Saramago a participar em conferências, seminários, fóruns, e outras iniciativas, a nível nacional e internacional, sobretudo em Espanha e na América do Sul. A reflexão sobre a sua obra, as desigualdades, o conceito de democracia e a actuação das «instituições» europeias foram alguns dos muitos temas sobre os quais manifestou a sua opinião. Afinal de contas, admitiu, «a missão do escritor, se existe alguma, é não se calar.»  

José Saramago morreu no dia 18 de Junho de 2010. Na intervenção proferida na cerimónia fúnebre, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, reconheceu: «Podia ter sido só um escritor maior da literatura portuguesa. Foi mais do que isso. Foi um homem que acreditou nos homens, mesmo quando os questionava, que deu expressão concreta à afirmação de Bento de Jesus Caraça da aquisição da cultura como um factor de conquista da liberdade.»

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Consta do programa um vasto leque de exposições em torno da biografia e do espólio de José Saramago, assim como a organização de colóquios e leituras centrados na sua obra, em que se destacam as «Conferências do Nobel: emergências saramaguianas», a cargo do escritor e ensaísta Argentino Alberto Manguel, e as «Leituras académicas», que consistem em reuniões cientificas e acções de formação de professores em Portugal, Espanha, Brasil e Estados Unidos da América.

O programa «Saramago na escola», no qual 100 escolas promovem iniciativas em simultâneo em torno dos mesmos textos de José Saramago, marcará a abertura e o encerramento das comemorações do centenário e vida do autor.

No dia 16 de Novembro de 2021, 100 estabelecimentos do ensino básico promovem a leitura da obra A Maior Flor do Mundo. Também nesse dia, em 2022, será a vez de 100 escolas do ensino secundário se juntarem para ler excertos das obras O Ano da Morte de Ricardo Reis e Memorial do Convento.

José Saramago, único prémio nobel da Literatura Portuguesa, nasceu em 1922, na aldeia da Azinhaga, e morreu em Lanzarote, Espanha, em 2010, aos 87 anos. Deixou, entre romances, peças de teatro e livros infantis, um vasto acervo amplamente traduzido e divulgado internacionalmente. Escritor comprometido social, politica e humanisticamente, foi militante do PCP até ao fim dos seus dias.

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No dia seguinte, a Cinemateca exibe um filme que resulta do aproveitamento de uma outra metáfora literária de Saramago, Embargo (2010), do português António Ferreira, que partiu da premissa do conto com o mesmo nome, integrando o seu argumento na situação de um hipotético embargo de petróleo que cortou o fornecimento de gasolina no mundo inteiro.

Este filme é antecedido pela curta-metragem de animação La flor más grande del mundo (2007), que transpõe um conto infantil de Saramago, com narração do próprio.

O ciclo encerra no dia 19 com a projecção do filme O ano da morte de Ricardo Reis (2020), de João Botelho, que trata a incursão de José Saramago pelo universo pessoano.

A presença do escritor em documentários será igualmente relembrada com José & Pilar (2010), de Miguel Gonçalves Mendes, esta segunda-feira, seguindo-se, amanhã, Saramago: Documentos (1995), de João Mário Grilo, que parte de uma longa entrevista dada por José Saramago na sua casa de Lanzarote (Espanha), e com Ensaio sobre o teatro (2006), de Rui Simões, no dia 17, que acompanha a adaptação que O Bando fez de Ensaio sobre a cegueira.

Quase a fechar este programa dedicado a José Saramago, terá lugar, no dia 18, uma mesa redonda, em que participam Carlos Reis, comissário para o Centenário de José Saramago, e Abílio Hernandez, estudioso das relações entre cinema e literatura, sobre a especificidade dessa obra literária e as questões particulares que coloca na sua transposição para o meio cinematográfico.

Outra iniciativa prevista para esta terça-feira é mais um encontro-debate, integrado no ciclo «Legados Saramaguianos», que tem estado a decorrer com participação de vários escritores portugueses, e que consistirá numa conversa entre o escritor Gonçalo M. Tavares e Carlos Reis, na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa.

Por estes debates passaram nomes como Afonso Reis Cabral, Adriana Lisboa, Ana Margarida de Carvalho, Bruno Vieira Amaral, Dulce Maria Cardoso, João Tordo e José Luís Peixoto.

A organização destes encontros foi motivada pelos termos em que José Saramago expressou a sua gratidão por aquilo que devia «aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje», explica a fundação.

As comemorações do centenário têm um ponto alto no dia 16, quando passam 100 anos sobre o nascimento do escritor, em que a Fundação José Saramago programou diversas actividades, a começarem logo às 10h, com milhares de alunos de escolas de Portugal, Espanha e outros países a lerem excertos de romances de José Saramago.

Durante todo o dia, a Casa dos Bicos – Fundação José Saramago e a Casa José Saramago, em Lanzarote, terão as portas abertas, para receber visitas guiadas, acompanhadas por momentos musicais.

Na delegação de Azinhaga, concelho da Golegã, distrito de Santarém, aldeia natal de José Saramago, será plantada a centésima árvore, no âmbito do projecto «100 Oliveiras para Saramago».

O projecto nasceu da angústia manifestada pelo escritor ao constatar que os olivais que rodeavam a sua aldeia tinham desaparecido, o que descreveu como uma espécie de «golpe no coração», que o fez sentir como se lhe «tivessem roubado a infância». Cada uma destas árvores receberá o nome de uma personagem saramaguiana.

A festa termina à noite, no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, com a apresentação da ópera Blimunda, de Azio Corghi, com encenação de Nuno Carinhas, numa nova produção desta obra inspirada na personagem principal do romance Memorial do Convento, que se estreou a 20 de Maio de 1990, no Teatro Scala de Milão.

Até dia 8 de Janeiro vão manter-se duas exposições dedicadas ao Nobel português da Literatura, uma no Museu Nacional de Arte Contemporânea, em Lisboa, que teve inauguração no dia 23 de Setembro, e outra na Biblioteca Nacional de Espanha, em Madrid, que abriu no dia 9 de Novembro.


Com agência Lusa

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