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Os invisíveis

Em Portugal, apesar dos avanços na legislação e na Constituição da República Portuguesa, ter uma deficiência congénita ou adquirida é um passaporte para a exclusão social.

«O 24.º Encontro Nacional de Pessoas com Deficiência passou absolutamente despercebido»
«O 24.º Encontro Nacional de Pessoas com Deficiência passou absolutamente despercebido»Créditos / AbrilAbril

No cemitério de silêncio em que a imprensa enterra os acontecimentos que não encaixam naquilo que considera ser prioritário o 24.º Encontro Nacional de Pessoas com Deficiência passou absolutamente despercebido.

Foram mais de três centenas de mulheres e homens que vieram de diferentes pontos do país para exercer aquilo a que alguns chamam cidadania mas que na verdade se chama democracia.

Que alguém reconheça a sua condição e se identifique na condição de outros é parte da solução. Mas se compreender a necessidade da organização e da acção colectiva como ferramenta de transformação é um importante salto qualitativo. A força desta iniciativa reside sobretudo aí: na consciência individual de que participar no debate sobre a deficiência reforça a intervenção colectiva do movimento associativo.

Neste encontro anual de características únicas são as próprias pessoas com deficiência que discutem os seus próprios problemas e são sujeitos activos na procura de soluções e de mudança para as suas vidas. Que a ampla adesão, a maior em muitos anos, no mais importante evento organizado por pessoas com deficiência não tenha tido eco nas rádios, jornais e televisões representa o silenciamento de um vasto sector da população. Calcula-se que cerca de 18 por cento tenha algum tipo de deficiência ou mobilidade condicionada.

Sob a convocatória da Confederação Nacional das Organizações de Pessoas com Deficiência (CNOD) e sob o lema «Vida independente, inclusiva e participada», o auditório da Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, foi pequeno para albergar tamanha demonstração de dignidade. Desde a cegueira à surdez, das deficiências motoras às deficiências intelectuais, da displasia óssea à diabetes, entre outras, o dia foi pautado pelas mais significativas associações de pessoas com deficiência do país.

No ano em que foi ultrapassado, sem qualquer êxito, o prazo para a eliminação de barreiras à acessibilidade em edifícios públicos, transportes públicos e via pública, importava que a imprensa, mas sobretudo as forças políticas e o governo ouvissem o que têm a dizer. Este é o país que acordou há ano e meio com a notícia de que havia uma empresa que oferecia programas com pessoas com nanismo para jantares de negócios, festas de colegas de trabalho e despedidas de solteiro.

A oferta comercial de «lançamento de anões», «bowling com anões» e «striptease com anões» demonstra a dimensão das barreiras, dos estereótipos e das discriminações que importam eliminar em pleno século XXI.

«Trata-se de sacudir as responsabilidades do Estado para os privados e para a Igreja. Trata-se de que outros decidam pelas pessoas com deficiência.»

Apesar de avanços e de importantes conquistas, há ainda portugueses com deficiência encarcerados, escravizados e alvos de abuso sexual. Entre muitos dos temas debatidos na iniciativa destaca-se a importante moção aprovada por unanimidade sobre a luta das mulheres com deficiência e que reflecte o trabalho conjunto com o Movimento Democrático de Mulheres no combate aos grandes desequilíbrios, desigualdades e violências.

Por outro lado, combatem-se tabus e dão-se importantes passos na discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Falou-se também das vítimas das guerras e daqueles que sendo refugiados têm algum tipo de deficiência. Mas falou-se, sobretudo, da miséria e do desemprego em que vive boa parte das pessoas com deficiência e das suas famílias no nosso país.

Em Portugal, apesar dos avanços na legislação e na Constituição da República Portuguesa, ter uma deficiência congénita ou adquirida é um passaporte para a exclusão social. Esses direitos, conquistados através da luta e que praticamente resgataram a população com deficiência da marginalidade, têm de ser efectivados. As pessoas com deficiência e as suas associações reivindicaram a inclusão como cidadãos de pleno direito na abordagem ao Orçamento do Estado para 2018.

Defendeu-se, por isso, a criação de «condições materiais, sociais e culturais para a concretização do direito à realização pessoal e a uma vida independente, dos direitos à educação, à cultura e ao desporto», bem como a criação de condições para «garantir a valorização do direito ao trabalho e o acesso ao emprego com direitos por parte das pessoas com deficiência», designadamente adoptando «medidas de adaptabilidade dos postos de trabalho, valorizando os seus salários e aumentando o salário mínimo nacional».

A visibilidade mediática da luta das pessoas com deficiência não está alheia aos constrangimentos que sofrem outros movimentos. Neste caso concreto, há quem pretenda atribuir o protagonismo às associações prestadoras de serviços e caritativas e silenciar as organizações nas que se envolvem mulheres e homens com deficiência para lutar pelos seus direitos.

É compreensível. Para muitos, tenta-se que a democracia seja um conceito confinado aos três partidos que governam Portugal há mais de quatro décadas. Trata-se de sacudir as responsabilidades do Estado para os privados e para a Igreja. Trata-se de que outros decidam pelas pessoas com deficiência. Mas para os que querem construir um país mais justo e democrático, trata-se da participação das amplas camadas da população nas decisões do seu próprio futuro.

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