Tão independentes que eles são

As autárquicas de Outubro aproximam-se, os candidatos perfilam-se e as candidaturas independentes fazem-se notar. Rui Moreira, presidente e candidato à Câmara da Invicta, dizia em Março que «ser independente está na moda». Porém, constatamos que muitas candidaturas «independentes» não estão tão deslocadas da esfera de alguns partidos, e dos interesses que estes defendem, como seria de esperar.

CréditosÁlvaro Figueiredo / AbrilAbril

A conclusão similar chegou também o professor catedrático, jubilado, da Universidade do Minho, António Cândido. Questionado pelo jornal Público, no início do ano, chamava a atenção para o facto de haver «muito poucas candidaturas independentes» e que «só se pode falar de movimentos de cidadania genuínos quando são protagonizados por pessoas que nunca tiveram filiação partidária ou que já não a têm há muito tempo».

Este especialista defendia ainda que a lei «deveria fixar um período de um ano», durante o qual quem se desfiliou de partidos políticos não poderia encabeçar listas de cidadãos eleitores aos órgãos autárquicos. A proposta não acautela, no entanto, uma questão essencial: a dos interesses que muitos destes candidatos servem e que o tempo (por mais longo que seja o período) dificilmente conseguirá desvanecer.

O levantamento feito agora pelo AbrilAbril, não sendo exaustivo, permite concluir que há, pelo menos, duas razões a concorrer para o regresso destes protagonistas sem a insígnia do partido em que militaram ao longo das suas vidas.

O facto de não terem sido escolhidos para encabeçar a lista à câmara municipal e a ausência de apoio partidário servem de alavanca para muitas candidaturas apresentadas como independentes.

Por outro lado, assistimos ao facto de estas representarem uma oportunidade para os partidos que, em zonas de menor influência, têm maior dificuldade em arranjar um candidato com potencial para vencer.

O tratamento destas realidades não pretende, no entanto, pôr em causa o direito de intervenção política de candidatos sem filiação partidária. Seja nessa condição, em Listas de Cidadãos Eleitores, seja, com toda a legitimidade, como independentes nas listas de partidos. 

O seguidor do Marquês do Pombal

Militante do CDS-PP, Avelino Ferreira Torres foi durante 18 anos presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses pelo seu partido. Nas eleições de 2005 candidatou-se à terra natal, como independente, com o movimento «Amar Amarante». Conseguiu retirar a maioria absoluta ao PS, mas ficou como vereador. Não se arrepende da candidatura, justificada pelo próprio com o pedido de «muitas pessoas influentes», e defende que a votação foi resultado de «mentiras» avançadas um dia antes das eleições, relacionadas com os processos judiciais em que esteve envolvido e através dos quais foi constituído arguido.

Em 2017, Ferreira Torres volta a apresentar-se como candidato «independente» mas o regresso pode estar ameaçado por uma acção judicial movida por uma empresa de condomínio, no Porto. Relativamente ao trabalho local, diz que segue «muito aquilo que o Marquês do Pombal fez, e é para quem eu olho quando penso num concelho, na sua organização e nas populações».

Sem complexos

Décio Pereira, que já foi militante do PSD e presidente de uma junta de freguesia do concelho pelo partido, é desde 2013 presidente do município da Calheta, na ilha de São Jorge, nos Açores, pelo movimento «Dar vida ao concelho».

O movimento recandidata-se às eleições de 1 de Outubro, desta vez com o apoio do PS de Vasco Cordeiro que, interrogado pela imprensa em Março último, negou dificuldades em encontrar um candidato para o concelho.

O presidente do PS Açores argumentou então que o executivo de Décio Pereira «está a fazer um trabalho meritório e que, por isso, deve ser apoiado», e que o PS dá, desta forma, «um contributo claro, transparente, desassombrado, sem complexos, quanto à forma como se posiciona nesta abordagem».

Um militante que podia dar um contributo às listas do PSD

Carlos Pinto, que presidiu à Câmara da Covilhã durante 20 anos, sempre pelo PSD, anunciou a sua candidatura, em Abril, «após reflexão sobre o estado de profunda estagnação económica e social em que se encontra o concelho».

O PSD já tinha escolhido o seu candidato oficial [Marco Martins, presidente da concelhia social-democrata], e Carlos Pinto, conhecido como um dos «dinossauros» do PSD, decide apresentar-se como «independente» através do movimento «De novo, Covilhã».

Numa entrevista dada no início do ano a uma rádio local, Marco Martins assegurou que a concelhia do PSD da Covilhã havia endereçado um convite a Carlos Pinto para encabeçar a lista social-democrata à Assembleia Municipal da Covilhã, «pelo reconhecimento do trabalho que realizou» e porque «era um militante que podia dar um contributo às listas do PSD, nomeadamente no objectivo que queremos atingir de reconquistar a Câmara», ganha em 2013 pelo Partido Socialista. Denunciava então Marco Martins que «nunca houve resposta» ao convite, talvez por não corresponder à ambição do candidato Carlos Pinto.

Uma boa hipótese para o PSD conquistar a câmara

É outra cara bem conhecida das autárquicas. Militante do PSD desde 1974, Valentim Loureiro foi durante vinte anos presidente da Câmara de Gondomar. Os primeiros três mandatos pelo PSD, os dois últimos através do movimento «Gondomar no Coração» criado em 2005 depois de, face ao seu envolvimento no caso Apito Dourado, o PSD de Marques Mendes («o micróbio», segundo Valentim) lhe retirar a confiança política.

Em 2013, a lei de limitação de mandatos impede-o de se recandidatar pela sexta vez à presidência da autarquia, e decide encabeçar a lista à Assembleia Municipal de Gondomar. No boletim de voto deste ano apresenta-se através do movimento «Gondomar – Valentim Loureiro – Coração de Ouro». Mas não faltaram partidos a chegarem-se à frente para o apoiar na corrida.

A par do PPM e do MPT, também a distrital e a concelhia do PSD manifestaram a intenção de apoiar o candidato Valentim Loureiro às autárquicas de 2017. De acordo com a informação apurada pelo Expresso, apesar de o PSD local achar «boa ideia» avançar com esta candidatura, Passos Coelho não quis emprestar a cor laranja a Valentim Loureiro. Ao semanário, o presidente da distrital social-democrata, Bragança Fernandes, reconheceu que Valentim era «uma boa hipótese» para o PSD conseguir conquistar a Câmara de Gondomar.

Reconciliado com o PS

Em 2013, Aníbal Cordeiro encabeçou a lista do Movimento Independente para Grândola (MIG). Nas próximas autárquicas é o candidato independente do PS à Câmara desta vila alentejana.

Foi vice-presidente do município, eleito nas listas do Partido Socialista, no mandato 2009/2013, mas em 2012 renunciou ao cargo por considerar que já não tinha «condições políticas» para o desempenho das suas funções. 

Aníbal Cordeiro, que integrava o executivo camarário desde 2005, admitiu então que a mudança de realidade pudesse estar relacionada com a sua disponibilidade para ser candidato à presidência da Câmara de Grândola, pelo PS. 

Esta disponibilidade foi bem acolhida pela Comissão Concelhia do PS mas não pela Federação Distrital de Setúbal, que optou por Ricardo Campaniço. Preterido pelo partido, Aníbal Cordeiro avançou com o MIG, tendo sido eleito vereador. 

Aproveitar a crispação no PS

Narciso Miranda, que liderou a Câmara de Matosinhos, sempre pelo PS, desde 1977 até 2005, candidata-se agora com o movimento «Narciso Miranda por Matosinhos», tentando aproveitar «a grande crispação que existe no mundo partidário» do concelho, nomeadamente no PS, que diz estar «esfrangalhado».

Após o desentendimento com o partido, em 2009 concorreu como independente mas perdeu para o candidato oficial do PS, Guilherme Pinto. Em 2013 acabaria por apoiar o candidato do PS que em 2017 surge como seu adversário, António Parada. Ex-presidente da Junta de Freguesia de Matosinhos, Parada lidera o «Movimento de Cidadãos Matosinhos – SIM». Para o afastamento do PS, após 35 anos de militância, contribuiu o facto de o partido ter escolhido Luísa Salgueiro como candidata do PS à presidência da Câmara de Matosinhos.

IOMAF com Paulo Vistas confunde as pessoas

Isaltino Morais é um dos mais mediáticos candidatos às autárquicas. Para tal contribuíram cinco mandatos à frente da Câmara de Oeiras pelo PSD (entre 1985 e 2001), ter assumido a pasta de ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, no governo de Durão Barroso, e os processos de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais em que foi constituído arguido, e que ditaram a perda de apoio do seu partido de sempre.

Sem o apoio dos sociais-democratas, constituiu o movimento «Isaltino – Oeiras mais à frente» (IOMAF), através do qual regressou à presidência do município para um mandato renovado nas autárquicas de 2009. Em 2013 foi detido para cumprir pena de dois anos de prisão por fraude e branqueamento de capitais e o seu movimento decidiu apoiar Paulo Vistas nas eleições autárquicas desse ano.

Em Setembro do ano passado, Isaltino Morais confirmou ter sido convidado pelo PSD a integrar as listas ao município de Oeiras, mas recusou por não concordar com os termos da proposta recebida. Outro convite, desta vez para encabeçar a lista à Assembleia Municipal de Oeiras, chegou de Paulo Vistas, que anunciou a sua recandidatura com o IOMAF, mas com o «I» a corresponder a «Independentes» em vez de «Isaltino», porque, defendeu Paulo Vistas, «foi ele [Isaltino] que quis sair do projecto, que, contudo, vai continuar».

O candidato transmontano declinou o convite do ex-delfim, lançou um novo movimento («Inovar - Oeiras de volta») e denunciou o facto de a manutenção da sigla por Paulo Vistas ser «uma tentativa de confundir as pessoas».

A aposta do PS para destronar o CDS-PP

Abel Baptista é militante do CDS-PP, mas a sua candidatura à Câmara de Ponte de Lima não tem como objectivo perpetuar as cores dos centristas no município limiano. Pelo facto de não ter sido escolhido pelo partido (acusou Assunção Cristas de «ingerência» depois do partido apoiar a recandidatura de Vítor Mendes à presidência da câmara) decide apresentar-se como independente, mas não está sozinho.

Sem pruridos, o PS viu no apoio a esta candidatura a oportunidade perfeita para acabar com o denominado por muitos de bastião centrista. António Matos, presidente da concelhia do PS de Ponte de Lima, afirmou que esta é uma «candidatura da cidadania encabeçada por Abel Baptista» e que o apoio do seu partido a este democrata-cristão não compromete a identidade do partido, reiterando que «o PS, no Porto, não desapareceu com o apoio a Rui Moreira».

Foi em Outubro que Abel Baptista anunciou a sua candidatura a Ponte de Lima como independente. De imediato demonstrou espírito aberto para receber os partidos políticos que entendessem apoiar a sua candidatura, «por entenderem que cumpre os objectivos desses partidos».

Então deputado à Assembleia da República, o militante centrista já ocupou os lugares de vereador e vice-presidente da Câmara de Ponte de Lima, entre 1994 e 2001, e em 2013 foi eleito vereador da Câmara Municipal de Monção.

É o caminho que o CDS-PP defende

Rui Moreira venceu as eleições à Câmara da Invicta, em 2013, através do «Porto, o nosso Partido», movimento «livre da lógica dos directórios partidários». Em 2017 renova a candidatura mas o movimento descaracteriza-se. Em causa, aparentemente, uma entrevista ao Observador da secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, onde a dirigente considerou uma possível vitória de Rui Moreira como «uma vitória do PS».

Perante a afirmação, muito semelhante à proclamada por Paulo Portas na noite eleitoral de 2013, Rui Moreira puxou dos galões de independente, preteriu publicamente o apoio do PS e ficou na companhia dos centristas.

Entretanto, nos últimos dias, o presidente da Câmara da Invicta passou a contar com o apoio de três ex-militantes da distrital do Porto do PSD. Entre eles, o histórico social-democrata Luís Valente de Oliveira, que entregou o cartão laranja para poder aceitar o convite para mandatário de Rui Moreira. 

No passado mês de Janeiro, em declarações ao semanário Expresso, Álvaro Castello-Branco, presidente da distrital do Porto, afirmava que o CDS-PP «faz parte do movimento desde sempre» e que os ex-vereadores do PS, Manuel Pizarro e Correia Fernandes, cumpriram as políticas delineadas para a Invicta «sem impor planos divergentes».

O CDS-PP renovava então o apoio a Rui Moreira pela análise ao mandato ser «globalmente positiva» e «todas as expectativas» do partido terem sido «confirmadas». «É o caminho que o CDS-PP defende que deve continuar a ser trilhado no Porto nos próximos quatro anos», admitiu então.

Candidato do PSD, do CDS-PP, do MPT e do PPM

Marco Almeida integra o lote dos desavindos com o PSD, embora nestas eleições concorra com o apoio do partido em que militou cerca de 18 anos e através do qual foi, durante 12 anos, vereador na Câmara de Sintra. É o protagonista do movimento «Sintrenses com Marco Almeida» e nas próximas autárquicas será também o candidato do CDS-PP, do Movimento Partido da Terra (MPT) e do Partido Popular Monárquico (PPM), a mesma coligação de partidos com que o social-democrata Fernando Seara ganhou as eleições, em 2009.

No comunicado conjunto a que a Agência Lusa teve acesso, os presidentes das distritais do PSD e do CDS-PP revelaram que os partidos «têm, assim, o privilégio de apresentar como candidatos Marco Almeida, cabeça de lista à Câmara Municipal, e José Ribeiro e Castro, cabeça de lista à Assembleia Municipal, dois nomes capazes de oferecer a Sintra mais energia, mais ambição e mais futuro».

Carmona Rodrigues, ex-presidente da Câmara de Lisboa pelo PSD e mandatário da candidatura de Assunção Cristas à capital, foi o coordenador do programa do movimento de Marco Almeida, que continua a contar com o apoio de António Capucho, ex-presidente da Câmara de Cascais, pelo PSD.

As desavenças de Marco Almeida com o PSD remontam a 2013 e o motivo é o de (quase) sempre: o PSD escolheu então outro candidato [Pedro Pinto] para encabeçar a lista à Câmara Municipal de Sintra. Marco Almeida, que entre 2001 e 2013 foi vice-presidente do município sintrense com Fernando Seara (PSD) como presidente, concorreu como independente e ficou próximo do candidato eleito pelo PS, Basílio Horta (ex-CDS-PP).

No final do ano passado, reconheceu o «erro» cometido em 2013, designadamente pela forma como conduziu o processo que ditou o seu afastamento do PSD.

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