Mensagem de erro

User warning: The following module is missing from the file system: standard. For information about how to fix this, see the documentation page. in _drupal_trigger_error_with_delayed_logging() (line 1143 of /home/abrilabril/public_html/includes/bootstrap.inc).

|Açores

Os Açores «não querem ser a região das vacas felizes, mas das pessoas felizes»

O AbrilAbril publica a segunda conversa com um dirigente sindical a poucos dias das eleições regionais nos Açores, onde a precariedade, pobreza e luta fazem o quotidiano de muitos trabalhadores.

Luta das trabalhadoras da Cofaco do PicoCréditosEduardo Costa / Agência Lusa

A situação dos trabalhadores açorianos é caracterizada pelo binómio baixos salários/má qualidade do emprego, afirma Vítor Silva, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Alimentação, Bebidas e Similares, Comércio, Escritórios e Serviços, Hotelaria e Turismo dos Açores (SITACEHT/Açores), acrescentando que aí reside o grande problema de pobreza e exclusão social da região.

Os números impressionam e a conversa partiu justamente deles, de forma a enquadrar a realidade. Um trabalhador açoriano ganha, em média, menos 110 euros do que os trabalhadores do resto do País e, apesar do acréscimo regional de 5%, depois de descontos, o salário mínimo fica-se pelos 596,41 euros, o que deixa muitas famílias com dependentes a viver abaixo do limiar da pobreza.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), um em cada três açorianos está em risco de pobreza e exclusão social, cerca de 33% da população, o que contrasta com os 21,6% da média nacional. A taxa de privação severa no País é de 5,6%, nos Açores chega aos 13,1%, havendo 15 600 pessoas abrangidas pelo rendimento social de inserção nesta região.

«Muitas destas pessoas têm trabalho e trabalho efectivo, mas o rendimento do seu trabalho não permite que vivam com um mínimo de dignidade», afirma o dirigente, acrescentando que «um grande número de pessoas empobrece, apesar de trabalhar».

Boicote à contratação colectiva: baixos salários e más condições

Se as condições são más para quem trabalha, isso também se deve a um «boicote» das entidades patronais à contratação colectiva, que bloqueia os aumentos salariais. Por outro lado, com o aumento do salário mínimo, o resto da tabela salarial vai sendo absorvido.

«A maioria dos trabalhadores no sector privado na região ganha apenas o salário mínimo», sublinha Vítor Silva, acrescentando que, em muitos casos, quem entra no mercado de trabalho ganha o mesmo que quem está no topo da carreira salarial. «O chefe de linha tem que dar formação ao novo colega mas, ao fim do mês, aluno e professor ganham exactamente a mesma coisa», refere.

«(...) ao fim do mês, aluno e professor ganham exactamente a mesma coisa.»

 

Fazendo um retrato da falta de condições de trabalho, o dirigente referiu que todos os anos existem acidentes de trabalho mortais nos Açores. O trabalho é perigoso, penoso e estanque, uma vez que às péssimas condições laborais se alia a inexistente progressão na carreira.

«As trabalhadoras da indústria conserveira, por exemplo na Cofaco de São Miguel, que são responsáveis pela qualidade da marca líder mundial em conservas, a Bom Petisco, entram para a empresa com 17 anos e saem com 66. Mas durante todo aquele tempo não puderam progredir na carreira profissional», frisa.

Medidas «paliativas» não erradicam a precariedade

Em termos de vínculos laborais, verifica-se um retrocesso significativo, com a precariedade a favorecer a chantagem patronal, uma vez que se recrutam trabalhadores «ao dia», a lembrar as praças de jorna. Os horários alargadíssimos da restauração e hotelaria são outro exemplo das más condições em que se trabalha: o trabalhador da hotelaria, para além de ser polivalente, entra às 9h da manhã e sai às 24h. «Como não se pode deslocar a casa nas horas de almoço que tem pelo meio, fica a fazer outros serviços na empresa», denuncia o dirigente.

«A contratação colectiva podia ser a chave, a alavanca, para caminharmos no sentido de uma situação estrutural diferente, mais favorável aos trabalhadores, mas há boicote da parte do patronato e há estruturas sindicais a assinar acordos colectivos abaixo do código laboral», critica.

«A contratação colectiva podia ser a chave, a alavanca, para caminharmos no sentido de uma situação estrutural diferente»

 

Por exemplo, no sector da hotelaria, o acordo estabelece que o trabalho nocturno é das 24h às 7h. No Código do Trabalho, começa a contar às 22h, logo os trabalhadores estão «a perder duas horas» face ao que está estabelecido na lei. O mesmo para o valor do trabalho suplementar, que chega a ser pago pela metade dos valores do Código do Trabalho, ou do subsídio de alimentação.

«Os nossos empresários conseguem ser muito inventivos no que toca a retirar direitos aos trabalhadores», ironiza o dirigente, acrescentando que os Açores têm servido como cobaia no mecanismo de nivelar por baixo, com uma concertação das empresas para pagar o menos possível.

Por sua vez, critica, o Governo regional «atira dinheiro para cima dos problemas», medidas «paliativas» que não resolvem a questão estrutural. Pelo contrário, em alguns casos dá o mau exemplo, como se pode ver em termos de empregos precários na Administração Regional e falta de formação profissional.

«Os nossos empresários conseguem ser muito inventivos no que toca a retirar direitos aos trabalhadores»

 

No entanto, segundo Vítor Silva, o movimento sindical unitário nos Açores não é contra o apoio às empresas. «O que nós queríamos é que esse apoio se reflectisse a favor dos trabalhadores. Salários – condições de trabalho – formação profissional», defende.

«Os Açores não querem ser a região das vacas felizes. Queremos ser a região das pessoas felizes», realça o dirigente, lembrando que, apesar de todas as dificuldades, tem sido através da luta que se mantêm direitos e se conquistam melhores condições de vida.

Crise sanitária revela o que já lá estava

A crise sanitária decorrente do surto epidémico de Covid-19 veio apenas mostrar como estes problemas são estruturais. «A primeira reacção das empresas foi o despedimento dos trabalhadores com vínculos precários, para reduzir custos», mas só foi possível devido à precariedade dos vínculos, garante.

«Os Açores não querem ser a região das vacas felizes. Queremos ser a região das pessoas felizes»

 

Para além da precariedade, há também o «trabalho ilegal», realidade com que muitos foram confrontados quando chegou a hora de receber apoios. «Com o novo coronavírus, muitos trabalhadores perceberam que não tinham as situações regularizadas junto da Segurança Social e das Finanças», revela o dirigente, lembrando que há muita falta de fiscalização.

Por outro lado, o desemprego real aumentou, apesar de não aparecer nas estatísticas. «O Governo regional fala de uma baixa do desemprego no segundo semestre de 2020, mas não diz que, durante o confinamento, as pessoas não podiam ir à procura de emprego e que as agências estavam encerradas», afirma Vítor Silva, acrescentando que houve «um apagão» do número de desempregados, que agora vão aparecer como inactivos disponíveis.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui