O caso da Sandra Semedo, uma mãe solteira com quatro filhos a seu cargo, não é isolado. Esta situação reflecte «o abandono das famílias mais vulneráveis face à crise habitacional», estranguladas, por um lado, pela especulação dos preços das casas e, por outro, pela ausência de uma estratégia de habitação pública com magnitude para garantir, a todos os que necessitem, uma solução digna e acessível face aos baixos rendimentos de milhões de famílias em Portugal.
Sendo certo que a responsabilidade pela resposta à carência de habitação é da competência do Estado, a verdade é que Sandra Semedo estava há oito anos numa lista de espera para aceder a habitação social no município de Odivelas. Sem nunca ter recebido resposta quer dos serviços governamentais na área da habitação quer dos serviços municipais. Durante todo esse tempo, pagou a sua renda numa habitação privada até que, «após uma baixa médica que a impediu de trabalhar», ficou temporariamente sem capacidade financeira para pagar a renda. A solução do proprietário foi a de proceder, imediatamente, ao despejo.
«Esta situação revela uma injustiça gritante porque os atrasos nos pagamentos ocorreram apenas durante o período de baixa médica, mas isso basta para a colocar na rua», afirma o movimento Vida Justa, que está a acompanhar a situação no terreno. A organização defende que tanto os serviços sociais do Estado como a Câmara Municipal de Odivelas (CMO), de maioria PS, «têm a obrigação de intervir imediatamente», permitindo às crianças acabar o ano escolar «com normalidade».
Nas duas semanas que antecederam o despejo, a autarquia foi reiteradamente informada sobre a situação de carência em que se encontrava esta família, abdicando, no entanto, de procurar soluções até ao momento em que os agentes de execução do despejo já o tinham concretizado. A CMO intermediou com a Segurança Social a estadia da família numa pensão até segunda-feira mas, se Sandra Semedo não arranjar uma alternativa, a solução do Estado, incapaz de assegurar o direito à habitação que está inscrito na Constituição da República Portuguesa, passará pela institucionalização das crianças.
O que se exigia da autarquia era a activação «urgente» do programa Porta de Entrada, um programa de apoio habitacional de emergência gerido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e os municípios. O Governo PSD/CDS-PP de Luís Montenegro (2024-25) prometeu a construção de 26 mil habitações sociais até meados de 2026 (59 mil até 2030), com fundos do PRR: «o maior investimento público das últimas décadas» na área da Habitação, anunciava o ministro Miguel Pinto Luz.
A um ano da meta, a poucos meses das eleições, Montenegro baixou as expectativas (serão apenas 20 209 até 2026). Já as 10 mil casas prometidas pelo Governo PSD/CDS-PP até 2025 ficaram pelo caminho: para Sandra Semedo e as suas quatro crianças o maior investimento de sempre será, apenas, mais um enorme bluff. Isto num país onde, face à especulação imobiliária, as despesas com a habitação crescem vertiginosamente. Segundo estudo recente do INE, em 2020 correspondiam a 19,8% dos rendimentos familiares e, em 2023, passaram a corresponder a 39,3% desses rendimentos.
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