É Março de novo, e com ele celebramos o Dia Internacional da Mulher com a canção como arma para uma luta, que permanece urgente, das mulheres pela igualdade, pela sua dignidade e liberdade. Ninguém pode ser livre enquanto permanecer a injustiça e a desavergonhada exploração das mulheres, onde a trabalho igual não corresponde salário igual. Onde as mulheres portuguesas – e por todo o mundo – permanecem afastadas dos cargos de direcção apesar de serem a maioria nos bancos das universidades. Onde o tempo para a família, lazer e descanso é transformado tantas vezes em tempo de trabalho extra em casa, ou em segundos e terceiros empregos, porque muitas delas constituem essa massa que, apesar de trabalhar todo o dia, não levam para casa um salário que suprima a pobreza.
São elas:
São elas que apesar das campanhas mais ou menos mediáticas, mas sempre em torno de uma imagem da mulher de sucesso, bela e livre da opressão e da pobreza, permanecem sujeitas ao assédio físico e moral – ainda e um pouco por todo o lado menos nos discursos circunstanciais de dirigentes e famosos. São elas a quem se abre sempre a porta da prostituição para serem livres de escolher, como se a liberdade alguma vez pudesse ser igual entre quem explora e que é explorado.
Em mais um mês de Março lembramos a luta das mulheres através da música singular de algumas das melhores vozes e composições femininas. Muitas mais aqui poderiam estar, num espaço que também lhes falta, ainda, para cantar o jardim imenso para lá do mundo romantizado dos festivais em ameno serão. Hoje cantam as mulheres e marchamos lado a lado, com elas. Enquanto a luta continua para transformar um mundo desigual e arcaico, que ainda o mês de Março é uma criança.
a Aldina Duarte,
Do fado da fada-do-lar, carregado dia a dia nas costas de tantas mulheres marcadas pelos golpes de um tempo que lhes é roubado, Aldina Duarte canta o lamento de quem trata dos outros, antes de tratar de si. O fado da vida em comum, das mulheres para quem o trabalho e o amor se confundem sem opção. Com tratamento sonoro de Pedro Gonçalves dos Dead Combo, o fado de Aldina Duarte, acorda as consciências, como um hino de protesto, enquanto nos canta os rituais de submissão de que é capaz a «Fada do Lar».
as Señoritas,
Das cinzas dos Naifa e dos Sitiados nasceu a banda Senõritas, o encontro das vozes sufocadas e raivas contidas, num universo feminino em desalinho com um mundo imperfeito. Na simplicidade directa que a sua música reclama, as suas canções crescem como um grito cortado a ataques de guitarra, linhas de baixo obsessivas, acordeão e programações à beira de um ataque de nervos. Num ambiente negro e minimal, as canções das Senõritas são a banda sonora de um tempo onde a opressão do dia-a-dia se descobre debaixo da maquilhagem dos postais turísticos de Lisboa. Com um novo álbum a sair, descemos ainda ao mundo revelado no álbum de estreia, com este «Alice».
a Xana,
Xana é uma heroína do rock nacional. Vocalista dos Rádio Macau é responsável, com Flak e demais companheiros de estrada, por algumas das melhores canções da geração que, vinda do punk, afirmou a construção de uma voz própria para toda uma geração. Se as canções dos Rádio Macau ainda hoje ecoam nas memórias dos que ferveram nessa fogueira de explosão libertária do final da década de 80, a sua aventura a solo continuou a afirmar a voz e a escrita da Xana como uma das mais essenciais do rock em português. E, ontem como hoje, permanece válida e útil toda a informação contida no seu «Manual de Sobrevivência».
a Capicua
Capicua é, por seu lado, uma das poucas vozes senão a única que ousou e conseguiu vencer nesse meio, essencialmente dominado por homens, que é o do rap. Capaz, consciente e carregada com a arma da poesia, Capicua consegue levar a voz e a mensagem da luta das mulheres para um meio juvenil onde as situações de opressão, violência e assédio, ultrapassam os muros da sociedade para se instalarem no seio nas próprias relações entre jovens. «Sereia Louca» é um dos grandes momentos de Capicua que concilia o beat balançado do hip hop com a mensagem consciente de dizer não ao silêncio.
e a Sara Tavares
Sara Tavares dispensa apresentações. Uma das grandes vozes e guitarristas do nosso meio musical, Sara rapidamente conquistou um espaço só seu, repleto de melodias que cruzam o Atlântico com o perfume de África, se espraiam no Sol de Lisboa para se alojarem algures entre o coração e a mente. A luta de Sara é única e sua, mas a paixão pela vida, que dia após dia nos revela, faz de cada um seu parceiro nessa caminhada que vem construindo de forma tranquila e sólida. Em cada verso, cada palavra, tem a intenção clara de nos libertar, para que cada um de nós possa então desfrutar da vida e da música, contanto que, para isso, possa «Ter Peito e Espaço».