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Há 120 anos nasceu Bento de Jesus Caraça

A vida e a obra do matemático, professor, homem de cultura e combatente antifascista, constituem um legado que permanece válido para as gerações actuais.

Bento de Jesus Caraça
Bento de Jesus CaraçaCréditoswhotrips

Aquele que viria a tornar-se um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX nasceu a 18 de Abril de 1901, em Vila Viçosa, numa casa modesta, filho dos operários agrícolas João António Caraça e Domingas Espadinha.

Tinha pouco mais de dois meses quando os pais o levaram para a Herdade de Casa Branca, na freguesia de Montoito, no concelho do Redondo, onde trabalhariam, o pai como feitor e a mãe como doméstica.

Bento de Jesus Caraça jamais se viria a esquecer ou envergonhar das suas origens, tendo orgulho em afirmar-se filho de camponeses. Apoiou os pais a partir de Lisboa e comprou-lhes casa quando, ao fim de muitos anos, eles deixaram de trabalhar na herdade. O seu filho, nascido em 1945, viria a chamar-se João, como o avô.

Talento precoce e carreira fulgurante

Aprendeu a ler com um trabalhador sazonal, José Percheiro, que chamou a atenção para a capacidade de aprendizagem da criança. Impressionada, a esposa do proprietário da herdade decide encarregar-se da sua educação e, com autorização dos pais, leva-o consigo para Vila Viçosa, onde conclui o ensino primário (1911).

Continua os estudos no Liceu Central de Sá da Bandeira (Santarém) e no Liceu Pedro Nunes (Lisboa), onde conclui o ensino secundário, em 1918. No mesmo ano matricula-se no Instituto Superior de Comércio (ISC), que em 1930 viria a designar-se Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), hoje o Instituto Superior de Economia e Gestão. Um ano depois o jovem era nomeado segundo assistente do ISC.

Licencia-se com altas classificações em Ciências Económicas e Financeiras (1923), despertando a atenção do matemático Mira Fernandes. Em 1929 é professor catedrático, tendo a seu cargo a cadeira de Matemáticas Superiores – Álgebra Superior, Princípios da Análise Infinitesimal e Geometria Analítica.

Leva a cabo uma vasta actividade científica. Participa na fundação do Núcleo de Matemática, Física e Química (1936) e do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia (1938), que dirigirá até à extinção deste pelo governo salazarista, em 1946. Pertence ao grupo fundador da Gazeta de Matemática (1940), onde colaborou activamente, bem como em outras revistas científicas.

Integra a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) desde a sua fundação, em 1940, e nela criou e orientou a Comissão Pedagógica. É delegado aos Congressos da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências em 1942, 1944 e 1946. Faz parte da Junta de Investigação Matemática.

Publica em livro diversas obras matemáticas, entre as quais sobressaem Lições de Álgebra e Análise (1935-1940) e Conceitos Fundamentais da Matemática (1941-1942).

Em 1942, reflectindo o seu consolidado prestígio, é eleito representante dos catedráticos do ISCEF no Conselho Universitário.

Capa da primeira edição de Conceitos Fundamentais de Matemática (1.º volume), publicado em Junho de 1941 Créditos

Pedagogo, divulgador científico e defensor da educação popular

Bento de Jesus Caraça tem apenas 18 anos quando, em 1919, é convidado para assistente do ISC e dá os primeiros passos no ensino universitário, mas em breve é reconhecido como um professor cativante e as suas aulas procuradas por alunos de outras escolas.

O jovem universitário preocupa-se com a divulgação da cultura científica nos meios populares. Nesse ano de 1919 é um dos fundadores da Universidade Popular Portuguesa e membro efectivo do seu Conselho Administrativo. Em 1928 assume a presidência da instituição, a qual, sob a sua orientação, vai desenvolver uma actividade vigorosa durante a década de 30 e nos primeiros anos da década de quarenta, altura em que a universidade foi encerrada pelo fascismo.

Além dos autores que congregou em torno daquele projecto de ensino, Bento de Jesus Caraça foi responsável directo por diversos cursos e por numerosas palestras e conferências, muitas delas publicadas em livro, dado o interesse que suscitaram.

Assinalem-se as conferências As universidades populares e a cultura (1931), A formação integral do individuo - problema central do nosso tempo (1933), Galileo Galilei, valor científico e moral da sua obra (1933), A escola única (1935), A arte e a cultura popular (1936).

Em 1941, com Manuel Rodrigues de Oliveira como editor, Bento de Jesus Caraça cria e dirige a Biblioteca Cosmos, um projecto editorial de divulgação científica e cultural nas mais diversas áreas de conhecimento, com edições a preços acessíveis às classes populares. Até 1948, data em que o projecto foi abandonado devido à morte de Caraça, foram publicados 114 títulos com uma tiragem global de cerca de 800 mil exemplares.

Uma concepção transformadora do mundo

Em 1933, numa das suas mais famosas conferências, Bento de Jesus Caraça propunha-se, e à sua geração, «despertar a alma colectiva das massas» por intermédio da «cultura para a comunidade inteira, porque só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria».

Para ele, homem culto «é aquele que:

1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;

2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;

3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior preocupação máxima e fim último da vida.

Ora essa «aquisição da cultura significa uma elevação constante [...] do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade».

E sendo certo que, «para atingir esse cume elevado, acessível a todo homem, como homem, e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça fazer-se», a verdade é que há uma «condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura – que ele seja economicamente independente».

A consequência é que «o problema económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar», e que «tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua [...] ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos».

A solução para uma transformação social radical e séria já a intuíra Bento de Jesus Caraça em 1929, quando afirmara, em intervenção na Universidade Popular, que «a classe proletária está destinada a, num futuro mais ou menos próximo, tomar nas suas mãos a direcção dos destinos do mundo, transformando por completo toda a organização social existente».

Consequente com essa compreensão, em 1931 integrou o Núcleo de Trabalhadores Intelectuais (NIT) do Partido Comunista Português (PCP), ao qual adere, mantendo frequentemente contactos ao mais alto nível, dadas as suas responsabilidades. Ao mesmo tempo, mantém um relacionamento próximo e intenso com outros sectores da oposição, tendo participado e tido um papel determinante em numerosas organizações unitárias, em representação do PCP.

Colabora com diversos jornais e revistas, entre os quais O Diabo, o Globo, a Seara Nova e a Vértice.

Incansável adversário do fascismo e lutador pela liberdade

Se o tempo de Bento de Jesus Caraça fica marcado pela ascensão do fascismo, na Europa e também em Portugal, o seu nome ficou ligado a toda a actividade oposicionista desenvolvida durante os primeiros vinte anos de resistência ao fascismo.

Um dos aspectos referidos por quem com ele lidou directamente, nesses anos, foi a capacidade de Bento de Jesus Caraça para congregar pessoas de opiniões diferentes, de ganhar para uma ideia comum os que tinham ideias diferentes entre eles. Revelava grande abertura no diálogo com os outros e tinha um grande prestígio.

Biógrafos como Alberto Vilaça concluíram pela sua intensa e permanente militância, e identificam a sua participação em cerca de vinte organizações de luta contra o fascismo, pela Paz, de solidariedade e de apoio humanitário. O seu papel mais determinante, porém, terá sido na criação, em 1943, do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e, em 1945, do Movimento de Unidade Democrática (MUD).

O MUNAF foi uma organização clandestina reunindo a parte mais combativa da resistência portuguesa, determinada a derrubar o regime fascista. Bento de Jesus Caraça foi decisivo para o seu arranque e pertencia ao restrito Conselho de Unidade Nacional que dirigia a organização, do qual recebeu a confiança para preparar um projecto de programa.

O MUD aproveita as possibilidades semi-legais nascidas da derrota do nazi-fascismo na Europa e do receio do salazarismo pelo seu futuro. Bento de Jesus Caraça integra a direcção do MUD e redige importantes documentos em representação deste, como Aspectos do problema cultural português e A posição do MUD no momento político actual.


A morte prematura

Bento de Jesus Caraça sofreu, em 1919, de febre reumática, da qual resultaram lesões cardíacas. Mas o seu estado de saúde agravou-se, a partir de 1946, com as prisões e perseguições a que foi sujeito pelo fascismo. Já se encontrava doente aquando da sua terceira e última prisão.

Morreu na sua casa de Campo de Ourique, em Lisboa, em Junho de 1948. Tinha apenas 47 anos. O seu funeral constituiu uma silenciosa e impressionante manifestação de pesar e de unidade democrática face à ditadura.

Se o regime fascista o perseguiu e à sua obra, não conseguiu apagar o facto de Bento de Jesus Caraça ter sido um dos maiores intelectuais portugueses do século XX, um dos mais notáveis vultos da ciência e da cultura portuguesas.

Com o 25 de Abril de 1974 a sua memória e ensinamentos foram recuperados pela sociedade democrática pela qual lutara. Foi condecorado a título póstumo com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1979) e com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade (1980).

Ruas, escolas e bibliotecas receberam o seu nome. A sua memória é respeitada pelos vários quadrantes políticos da democracia portuguesa. Os ensinamentos e vida exemplar de Bento de Jesus Caraça permanecem válidos e desafiam as jovens gerações, como o fizeram no passado, a lutar pela cultura, pela liberdade, pela democracia, pela paz e pelo socialismo.

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