Os dirigentes europeus, comandados pela desastrosa dupla Hollande/Valls, fazem rufar diariamente os tambores do combate ao terrorismo. «Estamos em guerra», repetem em incansável cassette, enquanto os actos de violência se multiplicam sem repetir o método e as sociedades europeias, com a francesa muito à frente, se encaminham para o formato do Estado policial.
De que terrorismo falam os dirigentes europeus? Do que agora lhes entrou em casa, dizendo-se, por tudo e por nada, que se trata de «terrorismo islâmico» do qual o único acusado é o Daesh, ou Isis, ou Estado Islâmico, embora se saiba cada vez menos se é o responsável ou não. Assim se criando um mito de grandeza, mimetismo e invencibilidade de uma entidade que muito agradece tais deferências e, principalmente, a brandura da guerra que contra ela consta existir lá longe, na Síria e no Iraque.
Se o tal Daesh é o verdadeiro responsável pela vaga de violência que assola a Europa não o sabemos; provavelmente nunca o chegaremos a saber, embora a responsabilidade por essa anomalia da «sociedade da informação» não deva ser assacada aos terroristas, antes aos guerreiros contra o terrorismo.
Em primeiro lugar porque, como já repararam, os terroristas são abatidos liminarmente, mesmo quando não estão na posse de armas de fogo, não ficando cá nenhum para contar as suas histórias às autoridades – que deveriam ter o maior interesse em conhecê-las. Assim sendo, o que apuramos dos factos é através de interpostas pessoas ou documentação supostamente confiscada nos locais frequentados pelos assassinos, tudo isso trabalhado, filtrado e servido como versão oficial.
Por aqui se percebe como é pesada a carga de subjectivismo e de conveniências com que a narração dos factos chega até nós – que somos efectivamente, todos nós, as potenciais vítimas simultâneas do terrorismo e dos efeitos do combate oficial ao terrorismo.
Além do silenciamento sumário dos terroristas – como Sarkozy fez calar Khaddafi, que muito sabia sobre os dinheiros que fizeram dele presidente da França – outros comportamentos dos que estão supostamente em guerra contra o terrorismo adensam os mistérios sobre a eficácia e a sinceridade das suas proclamações.
«Seis operacionais do Projecto Sentinelle, corpo especial de segurança do Ministério da Defesa, estiveram à porta do Bataclan em 13 de Novembro de 2015, enquanto decorria o massacre no interior da sala de espectáculos parisiense.»
O jornal Le Figaro noticiou em 21 de Julho, sem que até agora tenha sido desmentido quanto ao fundo da questão, que o Ministério francês do Interior, através de um departamento antiterrorista, ordenou a destruição de todas as imagens obtidas pelas câmeras de vídeo vigilância na zona onde foi cometido o atentado de Nice, em 14 de Julho. Os investigadores policiais consideram que o material filmado por essas câmeras, cerca de 140, provavelmente continha «elementos interessantes para o inquérito», mas assim não o entenderam os subordinados do ministro Cazeneuve, mais preocupados com a hipótese de tais imagens serem «divulgadas sem autorização e sem controlo», ou servirem de «propaganda» ao próprio Daesh, ou atentarem contra a privacidade das famílias das vítimas. Muito estranho, sabendo-se que o ministro Cazeneuve é autor da máxima segundo a qual «a vida privada não é um direito fundamental».
O Journal du Dimanche, por seu lado, informa que a funcionária policial responsável pelo relatório dos acontecimentos da noite de 14 de Julho em Nice foi pressionada durante uma hora por um quadro do Ministério do Interior para alterar a sua versão dos factos, incluindo no documento supostos posicionamentos das polícias nacional e local que ela não podia objectivamente testemunhar e não eram observáveis nos elementos de vídeo vigilância. O ministro do Interior anunciou depois que irá processar a funcionária policial «por difamação».
A imprensa francesa e belga tem dado destaque a uma outra estranha anomalia do combate contra o terrorismo. Seis operacionais do Projecto Sentinelle, corpo especial de segurança do Ministério da Defesa, estiveram à porta do Bataclan em 13 de Novembro de 2015, enquanto decorria o massacre no interior da sala de espectáculos parisiense. Explicação das autoridades: os militares não intervieram porque o seu mandato não incluía ordens para o fazer, «devendo antes proteger-se a si próprios», segundo o deputado belga Georges Dallemagne citado pelo jornal Le Soir de Bruxelas.
«As vítimas são sempre os povos do Médio Oriente e agora também os povos europeus que, caso não se previnam, além do terrorismo estão cada vez mais cercados pelo fascismo a que ele serve de pretexto.»
Dados como estes acumulam-se sobre as especulações geradas anteriormente em torno do estranho suicídio do comissário policial adjunto Helric Fredou, de Limoges, encarregado de fazer um relatório sobre as ligações dos autores do massacre no Charlie Hebdo, que viveram muito tempo nesta cidade. O polícia investigava também as ligações de uma antiga secretária de imprensa de Sarkozy, próxima dos dirigentes do Movimento Sionista Francês, a uma das vítimas do assalto ao jornal satírico. A versão oficial da morte de Fredou foi suicídio com um tiro na cabeça, mas a mãe alega que o corpo – sonegado à família durante 24 horas – não tinha sinais desse desfecho.
O mundo provavelmente ainda se recorda da veemência com que o presidente francês prometeu atacar imediatamente o Daesh no Iraque e na Síria em resposta ao atentado de Nice. Mas se não existem evidências de que haja ligação entre este acontecimento e a organização terrorista, também é verdade que o Daesh não pagou por ele. De acordo com queixa apresentada pelo governo sírio ao secretário-geral da ONU e ao presidente do Conselho de Segurança, os bombardeamentos então efectuados por aviões franceses, no quadro da «coligação internacional», mataram 120 civis, na sua maioria idosos, mulheres e crianças, na aldeia de Tukhan al-Kubra, ao norte de Manjib, próximo da fronteira com a Turquia. Não consta que tenha sido abatido qualquer terrorista do Daesh.
Aliás, segundo um trabalho publicado pelo New York Times, jornal certamente insuspeito nestas matérias, a «coligação internacional» inibe-se frequentemente na alegada guerra contra o Daesh na Síria porque este grupo, tal como a Frente al-Nusra (al-Qaida), enquadra operacionalmente os mercenários «moderados» ao serviço dos Estados Unidos, França e outros «amigos da Síria»; a contenção da «coligação internacional» em relação aos dois mais importantes grupos terroristas é ainda maior quando as posições que estes ocupam podem ser decisivas para derrubar o governo de Damasco, o principal objectivo de Washington e Paris, confirma o New York Times.
Os dirigentes europeus podem fazer rufar os tambores de guerra contra o terrorismo, mas haja a noção de que grande parte do ruído não passa de propaganda. As vítimas são sempre os povos do Médio Oriente e agora também os povos europeus que, caso não se previnam, além do terrorismo estão cada vez mais cercados pelo fascismo a que ele serve de pretexto.
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