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O Estado falhou com os idosos, mas foi muito antes da Covid-19

Notícias sobre a «negligência do Estado» em vários lares ignoram o facto de a maioria destas instituições pertencer a privados, designadamente IPSS ou misericórdias. E aqui reside a falha com os idosos.

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No âmbito da pandemia de Covid-19, que convoca sobretudo os mais velhos e vulneráveis, recentemente, uma reportagem da RTP dava conta do «desespero» vivido em vários lares de idosos, particularmente a Norte, seja pela má comunicação com as autoridades de saúde, pelo esgotamento dos funcionários das instituições geriátricas, que nalguns casos estão a trabalhar quase 24 sobre 24 horas, ou pela falta de um plano nacional para os lares. 

A maior parte dos «equipamentos sociais», em Portugal, onde se integram os lares de idosos, são propriedade de associações, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou misericórdias, onde a exploração laboral e os baixos salários são frequentemente alvo de denúncia por parte dos seus trabalhadores, apesar das avultadas transferências do orçamento da Segurança Social.

Esta realidade é uma herança da ditadura de Salazar, que, além de destruir o movimento mutualista (revigorado em plena Revolução Industrial pelo operariado), incentivou a transferência de responsabilidades e meios para o sector privado, reservando para o Estado um papel supletivo.  

Apesar da Revolução de Abril de 1974, e dos direitos e garantias que passaram a estar consagrados na Constituição da República, a política de direita que governou o País ao longo das últimas décadas tratou de manter o Estado arredado de responsabilidades directas no plano da protecção social.

Delegou nas instituições o desenvolvimento da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais (RSES), chamando a si responsabilidades fiscalizadoras e inspectivas. Ao mesmo tempo, passou a financiar as entidades da RSES através dos chamados protocolos de cooperação, com base em indicadores como o tipo de valências e o número de utentes. 

O patrocínio de respostas públicas de acção social sob o tecto de entidades privadas, que são também brindadas com benefícios fiscais, foi sendo cada vez mais reforçado. Com o objectivo de reduzir o sistema público à garantia de serviços mínimos, a pretexto da sustentabilidade, a lei que aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social, em 2007, secundarizou o sistema previdencial e confrontou trabalhadores, com longas carreiras contributivas, com pensões de velhice que não dão resposta às suas necessidades.

Um sector apetecível

Ao mesmo tempo que o direito ao envelhecimento, e ao envelhecimento com direitos, fica comprometido, um estudo divulgado pela Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), em 2018, revela as vantagens da desresponsabilização do Estado para este sector. 

De acordo com a análise, o valor pago pelos utentes e respectivas famílias corresponde a 31,7% do total dos rendimentos das IPSS», o que equivale a mais de 1,2 mil milhões por ano. Já os «subsídios à exploração de entidades públicas correspondem a 46,12% do total dos rendimentos destas instituições», sendo 38,75% provenientes da Segurança Social, 6,59% de outras entidades da Administração Central e 0,78% das autarquias locais.  


O «terceiro sector» recebe ainda outros apoios, nomeadamente através do Fundo de Socorro Social (FSS), destinado a financiar instituições que apresentem dificuldades. Em 2015, o Estado apoiou as IPSS que se candidataram a este fundo com 10,4 milhões de euros.

Apesar de todo este cenário, as instituições escondem-se por detrás da «economia social», baralham termos como 'direitos' e 'caridade', omitem lucros, pagam salários abaixo da média nacional e, nesta fase de pandemia devido ao novo coronavírus, não só reforçam a exploração através de situações que violam o Código do Trabalho, como apelam ao «voluntariado» para substituir funcionários.

Após uma reunião com o presidente da CNIS, Lino Maia, que numa entrevista em Novembro de 2019 defendeu que o serviço prestado pelas IPSS «fica mais barato», o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recuou à última crise económica e financeira para afirmar que o País «precisa muito do sector social». Iludindo, no entanto, que as crises se tornam mais agudas e difíceis de ultrapassar perante a ausência de uma resposta pública reforçada. 

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