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Vacinar, depressa e bem!

A questão central para o atraso da vacinação é a falta de vacinas. É necessário pôr fim à proibição de o nosso país, e outros na UE, recorrerem a outras vacinas já em utilização em tantos países.

CréditosPaula Borba / Câmara Municipal de Setúbal

Há algum tempo que a questão das vacinas adquiriu novo relevo nas preocupações com a Covid-19.

No princípio eram as expectativas de criação de vacinas o mais rapidamente possível. Agora que elas existem, a questão é da gestão da produção, da sua aquisição, distribuição e vacinação em etapas e com critérios de prioridades definidos. Porque têm estado a ser permitidos às farmacêuticas comportamentos do seu exclusivo interesse, em prejuízo da qualidade aceitável e rápida da vacinação à escala universal, e porque existem problemas com a gestão das sobras em cada centro de vacinação.

«A CE garantiu às empresas o financiamento inicial, por parte dos países da União Europeia (UE), necessário à investigação e desenvolvimento (I&D) e à sua produção, para depois disso lhes comprar 2,3 mil milhões de doses, cuja produção garantiu contratualmente, num negócio em que as farmacêuticas recebem "a dois carrinhos"…»

Entre nós, depois da janela de esperança colectiva aberta pela reacção social e o desempenho inexcedível dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na primeira vaga da pandemia, seguiu-se o culto mediático do cepticismo, nomeadamente com a terceira vaga, com a hipervalorização de casos particulares negativos que causou alguma insegurança pública, muito animada pelo ruído ensurdecedor de meios de informação, comentadores de bancada, e da intervenção política de ordens profissionais afectas às direitas que deixavam prever catástrofes… Foram as limitações do SNS, esquecendo a capacidade de adaptação que foi sendo posta à prova com novos meios. Foi a desconfiança em vacinas não suficientemente testadas. Foi o diferente número de doses para completar a vacina. Foram os palpites sobre novas estirpes do vírus poderem tornar ineficazes as vacinas actuais. Foi o silenciar do êxito de novas vacinas em países «não ocidentais». Foi a necessidade de, depois de a vacinação, não se prescindir de fazer mais testes depois por se continuar a poder propagar o vírus no contágio de outras pessoas. Foi a fuga aos critérios de vacinação nesta primeira fase por prevaricadores diversos para que «não se desperdiçassem doses», etc.

A negociação das vacinas – breve resumo

No ano passado a Comissão Europeia (CE) negociou o fornecimento das vacinas com várias empresas – a Pfizer/BioNTech (norte-americana/alemã), a AstraZeneca/Univ. Oxford (sueco-britânica), a Moderna (norte-americana), a Johnson & Johnson (norte-americana), a Sanofi/GSK/ GlaxoSmithKline (franco-britânica) e a Curevac (alemã).

A CE garantiu às empresas o financiamento inicial, por parte dos países da União Europeia (UE), necessário à investigação e desenvolvimento (I&D) e à sua produção, para depois disso lhes comprar 2,3 mil milhões de doses, cuja produção garantiu contratualmente, num negócio em que as farmacêuticas recebem «a dois carrinhos»…

«os documentos disponibilizados ao Parlamento Europeu sugerem que as empresas farmacêuticas exigiram e obtiveram prazos de entrega flexíveis, protecção de patente e imunidade de serem responsabilizados se algo de errado ocorresse, tendo garantido até o pagamento de seguros de risco pela produção»

Só que, entretanto, algumas dessas empresas protelaram o início da sua produção e outras começaram a falhar nas entregas, obrigando a renegociações para os governos, incluindo o nosso, salvarem a face. A CE declarou estar a exigir, a essas empresas, que não desviassem vacinas para outros compradores externos à UE, visto ter sido esta a fazer o investimento inicial necessário à produção das vacinas já contratadas… Os atrasos nas entregas por parte das primeiras três primeiras empresas atrás referidas terão resultado, segundo Ursula von der Leyen, de «problemas no processo de fabrico e escassez de ingredientes importantes». Como assinaram contratos de 2,3 mil milhões de doses com previsões tão incertas avançadas pelas empresas?

Apesar da falta de transparência dos contratos, os documentos disponibilizados ao Parlamento Europeu sugerem que as empresas farmacêuticas exigiram e obtiveram prazos de entrega flexíveis, protecção de patente e imunidade de serem responsabilizados se algo de errado ocorresse, tendo garantido até o pagamento de seguros de risco pela produção. Em alguns casos, os países ficaram proibidos de doar ou revender doses, uma proibição que poderia prejudicar os esforços para levar vacinas aos países pobres.

A revisão desses contratos revelou que, até ao final do ano, elas só garantiriam cerca de 20% da quantidade de vacinas inicialmente prometida (108 milhões até ao final do presente semestre e 300 milhões até ao final do ano)...

Créditos

Da logística insuficiente à geopolítica das vacinas

A UE não tem competências em matéria de saúde, mas organizou-se como central de compras dos 27, ideia simpática para garantir vacinas a «melhor preço». Só que acabou por garantir o monopólio dessas empresas, tanto mais que foi proibindo os países de comprarem vacinas provenientes de estados exteriores à UE, por não estarem validados pela Agência Europeia do Medicamento.

Nos EUA, a actual e a anterior administração, e alguns círculos da UE, estão todos com receios da grande aceitação que as vacinas russas e chinesas estão a ter. Estas vacinas estão garantidas para grandes zonas da América Latina, de África e da Ásia – espaços onde se tornam melhores alternativas ou complementos de vacinação. Dentro das suas capacidades, a China continuará a fornecer vacinas anti-Covid-19 a vários países, sobretudo países em desenvolvimento.

Israel, o Reino Unido e os Emiratos Árabes Unidos estão à frente na vacinação contra a Covid-19, enquanto o resto do mundo, incluindo países da UE, está atrás. Actualmente, não há dados disponíveis para a maioria dos países africanos, asiáticos e sul-americanos.

O embaixador Seixas da Costa, que não está propriamente enamorado pela Rússia e pela China, disse que António Costa tem toda a autoridade para suscitar, no âmbito do Conselho Europeu, a possibilidade de a Europa equacionar as soluções russa e chinesa porque «fazer uma discriminação negativa, a nível político, seria um disparate monumental e quase criminoso».

«[A UE] organizou-se como central de compras dos 27, ideia simpática para garantir vacinas a "melhor preço". Só que acabou por garantir o monopólio dessas empresas, tanto mais que foi proibindo os países de comprarem vacinas provenientes de estados exteriores à UE»

Entretanto a Agência Europeia do Medicamento já estará a trabalhar na eventual validação da Sputnik V, russa, e da Coronavac/Sinovac, chinesa, já usadas em dezenas de países. Só ainda não se referiu às vacinas Covishield e Covaxin, de outro grande produtor mundial, a Índia, também elas já aprovadas em diversos países. Nem às vacinas que Cuba, na vanguarda da investigação, prepara para produção em massa e internacionalização a partir de Abril: estão na última fase de testes a Soberana 01 e a Soberana 02, às quais se juntarão brevemente a Mambisa (de administração intranasal) e a Abdala (intramuscular), todas criadas com recursos exclusivamente estatais. O país, submetido há quase 60 anos a um feroz bloqueio económico por parte dos EUA e seus aliados, é um exemplo simultaneamente de soberania e de solidariedade.

Vários cientistas têm assinalado que, embora as vacinas da China e da Rússia tenham sido inicialmente consideradas como não fiáveis pelos meios de informação ocidentais, as experiências acumuladas ao longo deste tempo mostram, pelo contrário, que funcionam bem. A esse respeito, eles lembraram que a prestigiosa revista médica The Lancet publicou, há duas semanas, os resultados provisórios do ensaio de fase III do Sputnik V, que mostram que o medicamento russo tem uma taxa de eficácia de 91,6%. A aceitação de que as vacinas chinesas e russas são confiáveis deve ser levada a sério e rapidamente, considerando os problemas de abastecimento em todo o mundo e que os países ricos reservaram para si a maior parte das doses produzidas na Europa, desrespeitando as recomendações do secretário-geral da ONU, do director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Papa Francisco.

Uma empresa alemã revelou, na semana passada, a sua disponibilidade para produzir a vacina russa nas suas unidades de produção. A IDT Biologika, situada na Saxónia, em território da antiga ex-República Democrática Alemã, recebeu 114 milhões de euros para produzir uma vacina alemã preparada pelo Centro Alemão de Pesquisas Infecciosas (DZIF) cuja investigação foi abandonada por não proporcionar resultados efectivos. Na mesma semana, o primeiro-ministro austríaco Sebastian Kurz afirmou que o país também se candidatava à produção na Europa das vacinas russa e chinesa, e que ele próprio estaria preparado para receber a vacina russa, se esta fosse aprovada...

A gestão das vacinas não está a obedecer a critérios de universalidade e de equidade em todos os países mais carenciados mas também nos mais ricos, como o New York Times revelava no passado 31 de Janeiro, no que respeita aos EUA. Segundo o jornal, essa gestão desperdiçou dezenas de milhões de vacinas e só está a chegar «aos mais ricos e aos mais brancos»… Enquanto em França a campanha de descredibilização das vacinas tem feito com que, até agora, 30% dos potenciais utilizadores estejam a declarar não quererem ser vacinados.

Um trabalhador da saúde prepara uma seringa com uma dose da vacina da Pfizer-BioNTech contra a Covid-19, no Hospital do Santo Espírito, em Roma, Itália, a 2 de Janeiro de 2021 CréditosFabio Frustaci / EPA

A mão da Big Pharma

A maioria das grandes empresas farmacêuticas do Ocidente resistiu ao licenciamento das suas vacinas para fabricantes «não ocidentais». Vários países ricos estão a bloquear uma proposta de cerca de cem países, com destaque para a Índia e África do Sul, para a Organização Mundial do Comércio (OMC) suspender temporariamente alguma propriedade intelectual no que respeita à protecção com vacinas, bem como nos tratamentos relacionados no combate à Covid-19.

«O embaixador Seixas da Costa, que não está propriamente enamorado pela Rússia e pela China, disse que António Costa tem toda a autoridade para suscitar, no âmbito do Conselho Europeu, a possibilidade de a Europa equacionar as soluções russa e chinesa porque "fazer uma discriminação negativa, a nível político, seria um disparate monumental e quase criminoso"»

Trata-se de parar com o privilégio de as farmacêuticas definirem os preços, a quantidade, os prazos e os governos não darem uma resposta à altura, submetendo-se às imposições dessas empresas. Isso pode ser revertido se passarem a usar mais a suspensão de patentes ou licenciamento, de acordo aliás com os Acordos de Doha de 2001, que avaliaram o Acordo de Direitos de Comércio Relacionados com Propriedade Intelectual (TRIP), criado em 1995, mas cuja aplicação tem estado a ser limitada. Uma força de mais de cinquenta países, liderados pelo Brasil, conseguiu dirigir-se à OMC para que seja garantido o direito dos países suprimirem patentes e admitirem licenças para a fabricação de medicamentos, em prol da saúde pública.

Dois especialistas em análise de dados da empresa Airfinity revelaram que a Sinovac já assinou acordos para exportar este ano mais de 350 milhões de doses de sua vacina para 12 países; a Sinopharm cerca de 194 milhões de doses para 11 países; e a Sputnik V em cerca de 400 milhões de doses para 17 países. Todos os três fabricantes declararam publicamente que terão a capacidade de produzir até mil milhões de doses cada em 2021 e que os três licenciarão as suas vacinas para fabricantes locais em vários países.

Nas últimas semanas, quer o secretário-geral da ONU quer o director-geral da OMS manifestaram as suas preocupações com o atraso do fornecimento das vacinas aos países menos desenvolvidos e a escassez dos recursos alocados à agência Covax para esse efeito. Isso foi previsto por estes organismos, que não ignoravam que as grandes farmacêuticas e várias potências ocidentais iriam usar os monopólios e a sua geopolítica para não corresponderem aos seus apelos para que as vacinas fossem universais e gratuitas para os países que as não pudessem pagar, gratuitas para os vacinados, e geridas como património comum, sem nacionalismos.

Faltam vacinas – é tudo

A gravidade da pandemia revelou, depois das tragédias já ocorridas, que o modelo neoliberal e «geopolítico» na Saúde tem que ser questionado. E não é a escassez de seringas a questão central para o atraso da vacinação descoberta pelo Correio da Manhã… Essa resolve-se rapidamente.

A questão central é a falta de vacinas! É a necessidade de pôr fim à proibição, do nosso país e de outros da UE, poderem recorrer a outras vacinas já em utilização em tantos países. É a necessidade de elevar muito o número de doses disponíveis, para aprofundar a vacinação planeada e descentralizada, mas com regras bem definidas quanto às prioridades e protocolos de vacinação, definidas à escala nacional, que impeçam usos indevidos e garantam a utilização de sobras.

Esta fase de vacinação é muito importante para reduzir o alcance da pandemia, até que a circulação de vírus acabe por ser residual, tal com aconteceu no passado com outros vírus. Isso vai ser fundamental para um novo ânimo, para sairmos para um tempo novo, com reforço da democracia e garantindo a centralidade do trabalho, mais bem remunerado e com direitos, no relançamento da economia no interesse do país.

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