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Uma limpeza étnica sob os nossos olhos – 3

Os projectos para a consumação da limpeza étnica da Faixa de Gaza já em andamento traduzem a maneira de pensar e de viver o sionismo tal como é praticado em Israel, posicionando-se acima da lei como um dom natural.

Edifícios na Faixa de Gaza que mostram a devastação causada pelos bombardeamentos israelitas 
Edifícios na Faixa de Gaza que mostram a devastação causada pelos bombardeamentos israelitas Créditos / Wafa

«Matar, matar, matar e matar»

«Vai ser uma guerra terrível. Então, se quisermos continuar vivos teremos de matar, matar, matar e matar – durante todo o dia, todos os dias»

(Prof. Arnon Soffer, demógrafo sionista, conselheiro   governamental, ícone das elites académicas de Israel)

 

Limpeza étnica ou extermínio colectivo?

A primeira opção está em andamento; a segunda não pode ser descartada enquanto a ameaça de um ministro de Netanyahu sobre o lançamento de uma bomba nuclear em Gaza não for convincentemente desmentida e afastada. O comportamento do primeiro-ministro depois das palavras do seu ministro da Herança de Israel, Amichai Eliahu, não foi dissuasor, principalmente sabendo nós que está em campo uma horda de sociopatas que têm pela vida dos não-sionistas um olímpico desprezo.

Não se pense, porém, que a hipotética queda do governo de Netanyahu, tão apregoada e aparentemente tão desejada, no exterior, mas longe de consumada – provavelmente amanhã não será a véspera desse dia – iria resolver o problema e pacificar a região ou, pelo menos, tolerar um cessar-fogo em Gaza. O que concluiremos se consultarmos um artigo do experiente Thomas Friedman no New York Times. Citando um «alto funcionário dos Estados Unidos», o subscritor do texto garante «que os líderes militares israelitas são agora, na verdade, mais agressivos do que o primeiro-ministro; estão vermelhos de raiva e determinados a dar um golpe no Hamas que toda a vizinhança nunca esquecerá».

Tenhamos em conta, olhando para o que se passa em Gaza, o que os chefes militares sionistas entendem por «golpe no Hamas», que afinal se transformou numa catástrofe para centenas de milhar de civis.

Se recuarmos um pouco no tempo, ao primeiro lustre deste século, encontraremos congeminações sobre a «solução final» para Gaza que nos aproximam da realidade em que vivemos.

O prof. Arnon Soffer, um ícone da elite académica sionista, fundador da Universidade de Haifa, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, geógrafo, especialista em «ciências ambientais» e demógrafo, actuou como conselheiro do primeiro-ministro Ariel Sharon nos primeiros anos do século. Soffer foi um dos autores e defensores da política adoptada pelo governo sionista a partir de 2007: retirada dos colonos, cerco e bloqueio da Faixa de Gaza.

«O Prof. Soffer deixa escancarada a opção da limpeza étnica; mas não exclui o extermínio, no que não difere do actual ministro da Herança de Israel, quanto à "finalidade", podendo eventualmente a metodologia ser diferente, mas ambas convergentes na via da "solução final"»

Os seus escritos de 2004, transcritos na imprensa israelita da época, são proféticos em relação aos dias de hoje e contêm implicitamente a necessidade de extermínio ou de limpeza étnica, tal como a que está em curso, para travar «um banho de sangue perpétuo».

Escreveu o emérito prof. Arnon Soffer: «Quando 2,5 milhões vivem numa Gaza fechada» – uma ideia do próprio, como já vimos – «será uma catástrofe humana. Essas pessoas tornar-se-ão animais mais do que já são hoje. A pressão na fronteira será terrível. Vai ser uma guerra terrível. Então, se quisermos continuar vivos, teremos de matar, matar, matar e matar – durante todo o dia, todos os dias. A única coisa que me preocupa é como garantir que os meninos e homens que terão de fazer a matança possam voltar a casa, para as suas famílias, e serem seres humanos normais».

Assim foi a dissertação de um ilustre membro da academia sionista, conselheiro de primeiros-ministros, um qualificado demógrafo – é impossível pôr em dúvida a qualidade do seu saber na matéria – e, naturalmente, professor da Escola de Defesa Nacional.

O Prof. Soffer deixa escancarada a opção da limpeza étnica; mas não exclui o extermínio, no que não difere do actual ministro da Herança de Israel, quanto à «finalidade», podendo eventualmente a metodologia ser diferente, mas ambas convergentes na via da «solução final».

«Esses animais não podem continuar a viver»

Estaremos perante casos isolados, sociopatas incuráveis que atingiram aleatoriamente lugares de topo e decisão no regime sionista, ou serão fruto de uma mentalidade doentia decorrente do elitismo, do pendor racista e supremacista inerentes ao próprio sionismo, sobretudo à medida que vai abandonando as ficções «seculares» para se fixar no carácter fundamentalista religioso e messiânico? Uma mentalidade transtornada dando origem a comportamentos inerentes a um regime confessional e de apartheid, considerando como animais todas as pessoas que estejam no exterior desta casta de eleitos ou, na melhor das hipóteses, seres humanos de segunda?

Não se trata de casos isolados. Imediatamente antes do início da invasão de Gaza, os altos comandos militares sionistas escolheram um idoso militar, Ezra Yachin, para proferir uma alocução mobilizadora das tropas prestes a entrar em acção. Yachin, com 95 anos, foi membro do grupo terrorista Lehi que, por exemplo, em 9 de Abril de 1948 executou a tristemente célebre chacina da aldeia palestiniana de Deir Yassin, nos arredores de Jerusalém, da qual restou um monte de escombros. Mais de cem pessoas, sobretudo mulheres e crianças, foram exterminadas. Diz-se que a história não se repete, mas Israel é uma entidade com grandes poderes, inesgotáveis capacidades e insanidade de sobra para desmentir o aforismo: Deir Yassin e umas centenas de outras aldeias e cidades em 1948/49; Sabra e Chatila em Beirute em 1982; Gaza em 2023 são exemplos uma sucessão, uma extensa cronologia criminosa de mais de 75 anos onde o agente comum é o terrorismo de Estado sionista.

«Estaremos perante casos isolados, sociopatas incuráveis que atingiram aleatoriamente lugares de topo e decisão no regime sionista, ou serão fruto de uma mentalidade doentia decorrente do elitismo, do pendor racista e supremacista inerentes ao próprio sionismo (...)?»

Ezra Yachin não desmereceu do seu passado e da sua fama. Na exortação às tropas incitou: «sejam vencedores, acabem com eles, não deixem ninguém para trás. Apaguem a sua memória, apaguem-nos a eles, às suas famílias, mães e filhos. Esses animais não podem continuar a viver. Todos os judeus deveriam empunhar uma arma e matá-los. Se têm um vizinho árabe não esperem, vão até casa dele e disparem.» Em boa verdade, esta linguagem é uma escola. Netanyahu disse mais ou menos o mesmo, embora escondido na simbologia dos ditos atribuídos ao profeta Samuel.

Na lógica da mentalidade de eliminar todo e qualquer não-judeu da Palestina têm surgido planos concretos e estruturados sugerindo as modalidades e as metodologias para realização da limpeza étnica em Gaza. Os princípios básicos neles contidos, porém, são válidos para a Cisjordânia.

São planos e programas emanados de entidades e pessoas da área governamental, revelando-nos que pelo menos a primeira fase da operação já está em curso, sob os olhares benevolentes – logo cúmplices – do «mundo ocidental». Benevolência que encontramos, por exemplo, no ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que, perante o assassínio em Gaza de três cidadãos luso-palestinianos, dois dos quais crianças, se limitou a manifestar o seu «desgosto» às autoridades israelitas. Só lhe faltou pedir desculpa pelo incómodo.

«Alternativa para uma Directiva Política destinada à população civil em Gaza» é o título de um plano de limpeza étnica elaborado pelo Ministério da Inteligência de Israel.

Propõe três alternativas num processo que permita ao Estado sionista «precaver-se através de uma mudança significativa da realidade civil». Duas delas, a A e a B, são liminarmente descartadas. Previam a «extensão da governança da Autoridade Palestiniana (‘Malévola para Israel’) a Gaza», medida recentemente defendida pelo presidente dos Estados Unidos mas para a qual Netanyahu e o seu governo têm orelhas moucas; ou «fomentar a governança árabe local». Nenhuma delas, segundo os autores, «garante a segurança de Israel», não são dissuasoras para o Hezbollah libanês e, sobretudo, representam uma «perda estratégica para Israel», porque a divisão entre Gaza e a Cisjordânia – razão pela qual o regime sionista apoiou a criação do Hamas – «é um dos principais entraves ao estabelecimento de um Estado Palestiniano». As hipóteses consideradas liminarmente sem viabilidade foram expostas para deixar a sensação de que os autores do documento reflectiram sobre outras perspectivas de «solução» além da limpeza étnica.

Em relação à hipótese A, extensão do governo da Autoridade Palestiniana a Gaza, os autores do plano consideram-na «a mais arriscada» porque «seria uma vitória sem precedentes do movimento nacional palestiniano».

A alternativa C propõe «a evacuação da população civil de Gaza para o Sinai». É a que «produz resultados estratégicos positivos e de longo prazo», exigindo, no entanto, «determinação diante da pressão internacional, com ênfase na importância de reunir apoio dos Estados Unidos e outros países pró-Israel».

«Na lógica da mentalidade de eliminar todo e qualquer não-judeu da Palestina têm surgido planos concretos e estruturados sugerindo as modalidades e as metodologias para realização da limpeza étnica em Gaza. Os princípios básicos neles contidos, porém, são válidos para a Cisjordânia.»

Sugere o Ministério da Inteligência que sejam erguidas «cidades de tendas» numa «área de reassentamento no Norte do Sinai». Também nessa fase deverá ser criado «um corredor humanitário» para «ajudar a população civil de Gaza» a chegar o destino traçado pelo terrorismo de Estado israelita. O processo prevê uma «zona de terra de ninguém» de vários quilómetros no interior do território do Egipto, de modo a que «a actividade e a residência perto da fronteira israelita (Gaza sob ocupação sionista) não sejam permitidas». No interior do «nosso território» (Gaza) «deverá ser estabelecido um perímetro de segurança».

A primeira fase do «desenvolvimento operacional» da «opção C» do documento estabelece o «apelo à retirada da população» da zona de combate» entre Israel e o Hamas, reforçado com «operações aéreas focadas no Norte de Gaza de modo a permitir a manobra terrestre na zona evacuada sem obrigar a combates em zonas civis densamente povoadas». A semelhança desta recomendação com a realidade de hoje não é, portanto, uma coincidência.

Na fase seguinte acontecerá a «ocupação total» do território, ao mesmo tempo que os bunkers e túneis «são limpos de combatentes do Hamas». «É importante», acrescenta-se no documento, que «sejam desobstruídas as rotas de transporte para sul, de modo a permitir a evacuação».

Como fintar o direito internacional

Analisando este programa, deduz-se então que o primeiro passo da limpeza étnica já está em prática. A pressão terrorista e propagandística do sistema político-militar sionista tem como objectivo assumido a transferência das populações do Norte de Gaza para o Sul, onde ficam muito mais perto da passagem para o Egipto, no posto de Rafah. O que o documento não assume, no seu criminoso e asséptico cinismo, é que as pessoas em êxodo para o Sul continuam a ser bombardeadas como se estivessem ainda no Norte. Sob estas práticas assassinas, muitos milhares de pessoas nem sequer chegarão ao Sinai. Cerca de 46% das vítimas mortais registam-se entre deslocados em movimento para o Sul, ou mesmo já nesta região. Segundo os serviços da ONU, o número total de desalojados e deslocados ultrapassa já o milhão e meio de pessoas, entre 2,3 milhões de habitantes, cerca de 65% da população do território, isto é, aproximadamente dois terços.

Reconhecem os autores do plano que esta operação de limpeza étnica «pode ser complexa em termos de legitimidade internacional», o que, ensina-nos a história, não constitui qualquer problema para o Estado sionista, desde a sua fundação.

Existe mesmo uma «unidade encarregada de estudar como contornar o direito internacional». O chefe da entidade, David Reisner, explica que «estamos a ser testemunhas de uma revisão do direito internacional: se fizermos uma coisa durante o tempo suficiente, o mundo aceitá-la-á». E cita como exemplo o ataque terrorista cometido pela aviação israelita em 1981 contra o reactor nuclear de Osirak, no Iraque: «Então a atmosfera era a de que Israel tinha cometido um crime; hoje diz-se que foi um acto legítimo de defesa preventiva. O direito internacional progride através de violações», conclui. Embora não fosse essa a intenção, Reisner fez uma das melhores definições da «ordem internacional baseada em regras» pela qual se rege o chamado «mundo ocidental» e «civilizado».

«Reconhecem os autores do plano que esta operação de limpeza étnica «pode ser complexa em termos de legitimidade internacional», o que, ensina-nos a história, não constitui qualquer problema para o Estado sionista, desde a sua fundação.»

O Ministério da Inteligência propõe então que a transferência da população de Gaza seja apresentada como uma «migração em massa», tal como as que decorreram e continuam, por exemplo, nas guerras da Síria e do Afeganistão. Nessa perspectiva, «são um resultado natural e necessário, dados os riscos associados à permanência numa zona de guerra». São, igualmente, «um método aceite para salvar vidas». Estas migrações relacionadas com outros conflitos, porém, não eliminaram o direito dos refugiados ao regresso, quando existirem condições para isso; o que não acontece aos palestinianos: Israel proíbe-os de voltarem às suas terras de origem, violando o direito internacional, o que, como acabámos de ver, não é problema.

Os autores do plano olham ainda para mais longe. Se os países citados no «Anexo A» do documento aceitarem os «refugiados» palestinianos de Gaza, a operação pode «ganhar maior legitimidade» porque passará a haver «uma população integrada em quadros estatais e com nova cidadania». A principal «vantagem», desde sempre pretendida por Israel, não a encontramos exposta no documento: a da esperança de que a nova cidadania de cada «deslocado» elimine a sua condição de «palestiniano». Assim, deixa de haver palestinianos na Palestina e também nos países do mundo onde forem recebidos e integrados. Fim da história para o problema israelo-palestiniano.

O plano parece ter imensas «vantagens estratégicas»: uma «dissuasão significativa em toda a região», uma «forte mensagem ao Hezbollah», o «apoio dos países do Golfo» uma vez liquidado o Hamas, «um golpe significativo e inequívoco na Irmandade Muçulmana» e mais um piscar de olhos ao Cairo: fortalecerá «o domínio egípcio no Norte do Sinai» – o que parece um contra-senso, quando o que está em causa é o acolhimento de toda uma população estrangeira chegada de um outro território. Eis o «novo Médio Oriente» de que fala Benjamin Netanyahu ao transformar Gaza «numa ilha deserta».

O «Anexo A» do plano de limpeza étnica de Gaza idealizado pelo Ministério israelita de Inteligência designa os países com os quais o regime sionista «deve trabalhar», porque estarão «dispostos a ajudar a população deslocada e capazes de a aceitar como migrantes». Estados Unidos, Canadá, Espanha, Grécia (como se não lhe bastassem os refugiados da Síria nas suas ilhas), Arábia Saudita, Marrocos, Tunísia, Líbia (pessoas expulsas de Gaza seriam condenadas a hospedar-se num território que a NATO deixou em escombros) são os países citados no documento. Caso a Arábia Saudita levante dificuldades para «desenvolver esforços» no sentido de proporcionar a «transferência de migrantes para vários países», ou se recuse a «financiar a campanha que exponha os danos causados pelo Hamas», os Estados Unidos poderão agir através de pressões, designadamente «jogando com o guarda-chuva de defesa dos grupos de combate estacionados na área para ameaçar o Irão». Essa «pressão» norte-americana deverá também ser requerida, segundo os autores, contra os países europeus «para que assumam as suas responsabilidades na abertura da fronteira de Rafah», permitindo «a fuga para o Egipto»; e também para que «prestem assistência financeira à actual crise económica egípcia».

O plano sugere que as campanhas de propaganda sobre os benefícios da «transferência» sejam entregues a agências de publicidade transnacionais, a exemplo do que tem feito o regime nazi de Kiev, para que «promovam a operação no mundo ocidental» e «o esforço para resolver a crise sem insultar nem vilipendiar Israel».

A parte da campanha virada para «o mundo não pró-Israel» deve focar a necessidade de «ajudar os irmãos palestinianos e a sua recuperação», mesmo ao preço de «condenações e até ofensas contra Israel», de modo a que os objectivos da operação «consigam chegar a populações incapazes de aceitar uma mensagem diferente».

«O plano sugere que as campanhas de propaganda sobre os benefícios da "transferência" sejam entregues a agências de publicidade transnacionais, a exemplo do que tem feito o regime nazi de Kiev, para que "promovam a operação no mundo ocidental"»

Quanto à população de Gaza, a campanha para «a incentivar a aceitar o plano» deve sublinhar que «não há esperança de retorno ao Estado de Israel, que em breve ocupará o território (seja verdade ou não)». A mensagem que os autores sugerem é a de que «Alá decidiu que vocês perderam esta terra por causa da liderança do Hamas e a única opção é mudarem-se para outro lugar com a ajuda dos vossos irmãos muçulmanos».

Por muito cínico, racista e sociopata que todo este articulado pareça, ele não é um delírio. É obra da nata de operacionais do ministério que tutela as políticas de espionagem do sionismo. Os autores levam-no a sério. E a chamada comunidade internacional deveria preparar-se para lidar com esse projecto de crime de guerra apresentado como programa para «salvar vidas», resolver um problema regional, solucionar crises económicas de países e comunidades e proporcionar novas e melhores condições de vida a pessoas que vivem que vivem sob «opressão terrorista».

Limpeza étnica «barata e sustentável»

Outro dos projectos para consumar a limpeza étnica de Gaza que saiu dos bastidores governamentais sionistas, provavelmente muito mais um balão de ensaio para preparar a opinião pública do que uma fuga de informação, é o «Livro Branco» do Instituto de Segurança Nacional e Estratégia Sionista.

O seu autor é Amir Weitman, chefe da bancada parlamentar «libertária» do Likud, o partido de Netanyahu, e professor da Escola de Defesa Nacional. Designou o trabalho como «plano para a recolocação e reabilitação definitiva no Egipto de toda a população de Gaza». Trata-se, segundo Weitman, de «um plano sustentável que se alinha com os interesses económicos e geopolíticos de Israel, Egipto, Estados Unidos e Arábia Saudita».

Tal como o projecto do Ministério da Inteligência, este documento é igualmente um concentrado de «vantagens» distribuídas em muitas direcções. Parte do princípio de que no Egipto «há dez milhões de unidades habitacionais desocupadas… que poderiam ser imediatamente preenchidas com palestinianos».

Para que isso possa acontecer, Israel deveria comprar essas propriedades por um preço total entre cinco mil e oito mil milhões de dólares norte-americanos, quantia equivalente a uma percentagem do PIB israelita entre 1 e 1,5%.

Diz Weitman: isto equivaleria a «comprar a Faixa de Gaza», «um investimento muito valioso». Apresentado também como «um gestor de investimentos e investigador», o autor explica que «investir milhares de milhões de dólares para resolver tão difícil questão é uma solução inovadora, barata e sustentável». Poderá atenuar ou até solucionar o problema da falta de habitação em Israel; para o Egipto será «um estímulo imediato» e representará «um benefício tremendo e imediato» para a região do Sinai.

Além disso, o impacto demográfico no Egipto não será significativo, garante. Os habitantes de Gaza «constituem menos de dois por cento da população egípcia total, que hoje já inclui nove milhões de refugiados. Uma gota no oceano».

Portanto, enquanto alguns responsáveis israelitas antevêem, numa primeira fase, transferir a população de Gaza para «cidades de tendas» no Sinai, a «solução» do Dr. Weitman garante, desde logo, a utilização de casas de habitação.

Sublinha o autor que a Alemanha e a França, «os principais credores do Cairo», não deixarão de concordar com este processo, uma vez que «a economia egípcia será revitalizada» graças ao «investimento israelita».

Também os países da Europa Ocidental «aceitarão a transferência de toda a população de Gaza para o Egipto» porque «reduzirá significativamente o risco de imigração ilegal…, uma tremenda vantagem».

Neste aspecto, os planos do Ministério da Inteligência e do professor Amir Weitman parecem dissonantes, uma vez que o primeiro encara os países europeus como acolhedores de palestinianos; o segundo aposta firmemente no Egipto, o que, a acreditar nas sucessivas declarações do presidente Al-Sisi de que não abrirá a fronteira para permitir a limpeza étnica, pode deixar o projecto sem plano B. No entanto, como a actual fase do processo é ainda a chacina generalizada da população de Gaza, que os Estados Unidos e os seus satélites continuam a permitir recusando a imposição de um cessar-fogo, pode dizer-se que haverá tempo para acertar e fazer coincidir os mecanismos do projectado crime de guerra.

«Será que o mundo assim ameaçado por "centenas de ogivas atómicas" (Sharon dixit) ainda não entendeu o significado e os perigos do que está a acontecer no pequeno território da Faixa de Gaza?»

O Dr. Weitman continua a distribuir «vantagens» associadas ao seu programa. «A evacuação da Faixa de Gaza significa a eliminação de um aliado significativo do Irão»; o encerramento da questão de Gaza garantirá, por outro lado, «o fornecimento estável e crescente de gás israelita ao Egipto» – roubado nas águas palestinianas – «e a sua liquefacção».

Por fim chega a «vantagem dos palestinianos»: «deixam de viver na pobreza sob o domínio do Hamas». Isto é, enquanto continuam a ser massacrados pelas tropas sionistas, afinal têm à sua frente um futuro risonho.

O Dr. Weitman deixa um conselho: não há tempo a perder. «Não há dúvida de que para que este plano se concretize há muitas condições que devem ser reunidas simultaneamente. Actualmente essas condições estão reunidas e não está claro quando uma oportunidade destas voltará a surgir, se é que alguma vez surgirá. Este é o momento de agir».

O jornalista israelita Gideon Levy, que escreve no diário Haaretz, costuma dizer que «o sionismo confunde o judaísmo com o mundo», no fundo uma expressão do racismo e dos atributos mitológicos, messiânicos, inerentes a esta doutrina. Os projectos para a consumação da limpeza étnica da Faixa de Gaza já em andamento traduzem essa maneira de pensar e de viver o sionismo tal como é praticado em Israel, pondo e dispondo do mundo, posicionando-se acima da lei como um dom natural, uma escolha divina, recorrendo a todos os meios possíveis e impossíveis para afirmar a sua superioridade, que considera inquestionável. Ou, como em tempos disse o criminoso de guerra Ariel Sharon, «temos a capacidade de destruir o mundo e garanto-vos que isso acontecerá antes de Israel se afundar».

Será que o mundo assim ameaçado por «centenas de ogivas atómicas» (Sharon dixit) ainda não entendeu o significado e os perigos do que está a acontecer no pequeno território da Faixa de Gaza?

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