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|hipocrisia

A miséria moral da «civilização ocidental»

Pais e outros familiares começaram a escrever o nome nas mãos e nos braços das suas crianças para poderem ser identificadas depois de abatidas pela «única democracia do Médio Oriente», protegida pelo «exército mais moral do mundo».

CréditosMiriam Alster ; Pool / EPA

«À medida que a guerra entre Israel e o Hamas avança peço aos meus compatriotas americanos que permaneçam vigilantes e não caiam em qualquer propaganda falsa afirmando que as pessoas que vivem em Gaza são dignas de vida humana…»

(Joseph Biden, presidente dos Estados Unidos da América)

 

Joseph Biden, o chefe dos chefes daquilo a que costuma chamar-se o «Ocidente colectivo», ou «a civilização ocidental», ou simplesmente «o Ocidente», pronunciou esta frase lapidar à chegada de uma breve deslocação ao Médio Oriente onde abraçou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, mas sem o interromper no comando da chacina do povo de Gaza.

Não estranhem, por muito revoltantes que as sintam, as palavras do nosso guia da «civilização ocidental», essa mistura de irmandades decrépitas, sofrendo de sintomas de autoritarismo desesperado, como a NATO, a União Europeia, o G7, os Cinco Olhos e ainda outras agremiações onde se juntam o todo ou parte dos mesmos comparsas. Ao contrário do que possa pensar-se, tais sentenças não são fruto da senilidade e de outras insuficiências manifestadas pelo personagem que habita na Casa Branca.

Desta feita são palavras lúcidas, com raízes no conceito do primeiro-ministro de Israel em relação às pessoas de Gaza, por ele qualificadas como «bestas humanas». Ou, na versão do ministro sionista da Defesa, Yoav Gallant: «estamos a lutar contra animais humanos e agindo em conformidade».

«Agir em conformidade» é, como testemunhamos, massacrar metodicamente a população da Faixa de Gaza, replicando práticas dos nazis nos campos de concentração, mas usando métodos mais sofisticados porque Hitler não tinha caças F-16, drones ou artefactos teleguiados que não erram a pontaria, nem mesmo quando miram hospitais. Que afinal, para o regime ocupante de Israel, são muito mais do que hospitais. Hananya Naftali, uma assessora de comunicação de Benjamin Netanyahu, explicou nas redes sociais que «as Forças Armadas de Israel bombardearam uma base terrorista do Hamas dentro de um hospital (al-Ahli) em Gaza; vários terroristas foram mortos».

Entre os dirigentes ocidentais não falta quem faça eco da argumentação humanista praticada em Telavive. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, foi igualmente ao encontro de Netanyahu, a quem incentivou dizendo que «estamos a assistir a uma batalha entre a civilização e os monstros bárbaros, um teste de civilidade»; e «o senhor é capaz de a conduzir da melhor maneira, porque somos diferentes desses terroristas».

Não é à toa que o chefe do governo israelita assegura que «Israel é um posto avançado da civilização ocidental num mar de barbárie». Nada mais do que a versão sionista da inspirada tese do chefe da «política externa» da União Europeia, Josep Borrell, quando garante que a Europa «é um jardim cercado pela selva do resto do mundo».

Já o retirado presidente norte-americano George W. Bush reforçara as mentiras em que assentou a invasão do Iraque argumentando que esse episódio era uma peça da luta «entre a civilização e a barbárie».

«"Agir em conformidade" é, como testemunhamos, massacrar metodicamente a população da Faixa de Gaza, replicando práticas dos nazis nos campos de concentração mas usando métodos mais sofisticados porque Hitler não tinha caças F-16, drones ou artefactos teleguiados que não erram a pontaria, nem mesmo quando miram hospitais.»

Joseph Biden, naturalmente, guarda esse conceito no seu espólio político porque, apesar de ser um pilar do Partido Democrático, foi um dos principais apoiantes do republicano Bush nas façanhas do Afeganistão e do Iraque, assumindo depois pessoalmente as piedosas missões «civilizacionais» na Líbia, na Síria, no golpe ucraniano, então como vice-presidente de Obama.

Daí que, no recente regresso do Médio Oriente, tenha ainda recomendado aos seus compatriotas que «se ouvirem descrever um palestiniano segundo a terminologia de filho ou filha necessitando desesperadamente de assistência médica então devem ficar cientes de que essa mensagem foi especificamente projectada para criar empatia».

Ora, a sintonia ocidental com Israel nestes assuntos chega a ser empolgante. O presidente israelita, Isaac Herzog, considera que «não é verdade essa retórica de que os civis não estão envolvidos (no terrorismo do Hamas); isso não é absolutamente verdade porque poderiam ter-se levantado, poderiam ter lutado contra esse regime maligno que tomou Gaza através de um golpe de Estado». Ora, o chefe sionista sabe que está a mentir. O governo de Gaza foi instalado democraticamente porque resultou de eleições consideradas legítimas até pelos Estados Unidos, mas quem irá agora incomodar-se com esse pormenor?

Um «regime maligno» que tem algumas particularidades no relacionamento com o regime sionista, cuidadosamente silenciadas nas declarações oficiais do presidente Herzog mas cujas repercussões permanecem vivas na memória de outros responsáveis ou ex-responsáveis do regime.

«O governo de Gaza foi instalado democraticamente porque resultou de eleições consideradas legítimas até pelos Estados Unidos, mas quem irá agora incomodar-se com esse pormenor?»

«O Hamas, para meu grande pesar, é criação de Israel», confessou Avner Cohen, ex-funcionário de assuntos religiosos israelita em entrevista publicada no Wall Street Journal, em 2009. «Quando olho para trás na cadeia de acontecimentos, acho que cometemos um erro; mas na época ninguém pensou nos possíveis resultados», revelou David Hacham, especialista em assuntos árabes do exército de Israel. O tema, porém, não ficou «lá atrás»: em 2019, Benjamin Netanyahu disse ao grupo parlamentar do seu partido, o Likud, que era necessário continuar a «apoiar e financiar» o Hamas para manter a divisão entre os palestinianos e a secessão entre a Cisjordânia e Gaza.

O mapa de Netanyahu e a distracção ocidental

Em recente reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, o primeiro-ministro de Israel exibiu um mapa do seu país do qual desapareceram a Cisjordânia, Jerusalém Leste e a Faixa de Gaza. Israel confunde-se com a Palestina histórica.

Qualquer chefe de delegação de qualquer país, mesmo que não estivesse atento à aparente bazófia do chefe sionista, concluiria que a manobra representava um requiem pela solução de dois Estados, exactamente no principal fórum da instituição que criou a solução de dois Estados.

Nas chancelarias dos países ocidentais, nos truculentos bastidores de Borrell não se ouviu uma palavra, um pio, sobre a provocação de Netanyahu.

Mas quando em 7 de Outubro, numa manobra desenvolvida em condições improváveis e intrigantes, o Hamas atacou zonas de Israel, manchando com terrorismo repugnante uma resistência popular que dura há 75 anos, nos países em que assenta a «civilização ocidental» o coro da indignação reagiu afinado tomando as dores de Israel – um coro que jamais assumira o martírio e o sofrimento palestinianos. E que nunca levou a sério os seus direitos.

Quando as luzes das bandeiras de Israel se acenderam enfaticamente na Torre Eiffel, no 10 de Downing Street, no Empire State Building, na cobertura do Estádio de Wembley, nas Portas de Brandenburgo já o governo sionista lançara a sua vingança sanguinária, agravando de forma drástica e ainda mais cruel a punição colectiva a que há anos estão submetidos os 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza, tornando-os reféns de uma implacável máquina de morte patrocinada e alimentada pelos Estados Unidos e a NATO.

«Portugal está com Israel», proclamou o primeiro-ministro António Costa; «só há um lugar para a Alemanha, que é ao lado de Israel», sentenciou o chanceler Olaf Scholz. Borrell e Van der Leyen disputaram renhidamente a oportunidade de serem os primeiros a fazer sentir que a União Europeia «está com Israel»; e depois engalfinharam-se com a mesquinhez inerente aos autocratas imbecis.

A chacina do povo de Gaza agrava-se de dia para dia, a invasão terrestre já começou, as milhares de pessoas a quem Israel ordenou uma marcha dos condenados em direcção ao sul do território, onde supostamente estariam a salvo, são bombardeadas pela aviação sionista. Dos mais de oito mil civis assassinados pelo regime israelita em Gaza, metade são crianças. Pais e outros familiares começaram a escrever o nome nas mãos e nos braços das suas crianças para poderem ser identificadas depois de abatidas pela «única democracia do Médio Oriente», protegida pelo «exército mais moral do mundo», como é conhecido no «mundo civilizado» o aparelho de extermínio das Forças de Defesa de Israel (IDF). Ironicamente, as pessoas obrigadas pelos nazis a usarem a estrela de David no vestuário, ou os mártires dos campos de concentração com números inscritos nos pulsos, também estavam sinalizados para morrer. Caprichos da História…

«Israel tem o direito de se defender», repetem as classes políticas de Lisboa a Vilnius, de Nova York e Otava a Auckland, com escalas em Tóquio e Seul – bizarro «Ocidente» este. Mas os agentes civilizatórios não invocam o direito dos palestinianos a resistir à ocupação, princípio igualmente reconhecido pelo direito internacional. Certamente porque se guiam pela ordem «internacional baseada em regras» e não pelas leis que regem as relações entre as nações.

«Pais e outros familiares começaram a escrever o nome nas mãos e nos braços das suas crianças para poderem ser identificadas depois de abatidas pela "única democracia do Médio Oriente"»

«O terrorismo do Hamas não pode ficar impune», apregoam as mesmas vozes. Sem dúvida, mas pouco as indigna que seja toda uma população indefesa a pagar por isso enquanto silenciam o terrorismo israelita praticado durante os últimos 75 anos. Limpezas étnicas não são terrorismo? Condenação de milhões de pessoas à fome e à sede não é terrorismo? Destruição de casas, roubo de terras, destruição de colheitas não é terrorismo? Desterrar milhares de pessoas para colocar imigrantes oriundos de vários países, pretensamente guiados por cultos messiânicos, nos locais que habitavam não é terrorismo? Prisões em massa, perseguições étnicas e religiosas, racismo institucional, assassínios indiscriminados, isolamento e cerco de campos de refugiados transformando-os em campos de concentração, manter adolescentes nas cadeias, assaltar e destruir escolas, hospitais não é terrorismo?

«É preciso libertar os reféns» do Hamas, exigem os «civilizadores». Para esses humanistas, porém, nunca foi preocupação proteger multidões submetidas a castigos colectivos, que seres humanos sejam desnudados e revistados em gaiolas de ferro antes de iniciarem ou depois de terminarem um dia de trabalho, que nas prisões israelitas haja milhares de detidos, presos políticos sem culpa formada com 12 ou com mais de 80 anos, submetidos sem culpa formada nem julgamento a um regime de detenção administrativa revogável de seis em seis meses, o que equivale à pena de prisão perpétua. Prisões essas que estão, em muitos casos, entregues a mercenários de companhias multinacionais de segurança que se dedicam a práticas de tortura, estupro, humilhação e morte inspiradas nas que os invasores norte-americanos exercitaram na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.

«Para esses humanistas, porém, nunca foi preocupação proteger multidões submetidas a castigos colectivos, que seres humanos sejam desnudados e revistados em gaiolas de ferro antes de iniciarem ou depois de terminarem um dia de trabalho, que nas prisões israelitas haja milhares de detidos, presos políticos sem culpa formada»

Só quando o eng. António Guterres, assumindo-se, nesta situação, verdadeira e corajosamente como secretário-geral da ONU – incapaz de ficar insensível à catástrofe humana que presenciou em Gaza – pôs os pontos nos is, relembrou a história, acentuou a relação desigual de forças e de tratamento entre ocupante e ocupado é que dirigentes ocidentais, pelo menos aqueles que ainda resistiram à tentação de considerar inoportunas e desadequadas as palavras de Guterres, recolocaram a solução de dois Estados em cima da mesa.

E defendem eles a sério a solução de dois Estados? Obviamente que não. Além de desumanos e xenófobos são hipócritas. Qual é a sua credibilidade ao falar em dois Estados quando, na prática, não deram um passo para que fossem uma realidade – contemporizando até, pelo contrário, com as manobras dilatórias de Israel que fizeram fracassar o processo de paz? Ou quando nada fazem que force Israel a parar com a criação de colonatos, processo cujo desenvolvimento constante vai ocupando gradualmente os territórios onde deveria assentar um Estado Palestiniano viável? Será que o «Ocidente», sempre lesto a retirar sanções da cartola, já esgotou o stock?

«Qual é a sua credibilidade ao falar em dois Estados quando, na prática, não deram um passo para que fossem uma realidade – contemporizando até, pelo contrário, com as manobras dilatórias de Israel que fizeram fracassar o processo de paz?»

Amira Hass, jornalista e escritora israelita cujos pais conseguiram sobreviver aos campos de concentração hitlerianos, vê «traição» no comportamento da Alemanha e, por extensão, dos países ocidentais. Escreve que os dirigentes alemães, «com a sua responsabilidade decorrente do Holocausto», «traíram-nos com o seu apoio incondicional a um país como Israel que ocupa, priva as pessoas de água, rouba terras, aprisiona dois milhões de habitantes de Gaza numa jaula lotada, arrasa casas, expulsa comunidades inteiras de suas casas e incentiva a violência dos colonos».

Será Amira Hass uma antissemita ao descrever com realismo e objectividade as práticas do seu governo?

A estes crimes há a juntar o de limpeza étnica, assunto abordado com pudor, envolvido por forte pressão censória, e para a qual existem planos destinados à Faixa de Gaza – em sintonia com a intenção proclamada por Netanyahu de «esvaziar» o território como parte da construção de um novo Médio Oriente. Porquê estranhar que se fale em limpeza étnica? Não nasceu o Estado de Israel da expulsão de 750 mil pessoas das suas terras e casas? A colonização não é uma forma de limpeza étnica? E o que dizer desta explicação do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Danny Ayalon: «Não dizemos aos habitantes de Gaza para irem para as praias e afogarem-se… Não, Deus proíbe-o. Vão para o deserto do Sinai – a comunidade internacional irá construir-lhes cidades e dar-lhes de comer»…? Para que isto aconteça, estrategos norte-americanos e israelitas delinearam planos prontos a aplicar: a dúvida é saber quanto tempo resistirá o Egipto às pressões para receber os «refugiados» de Gaza e como irá reagir o mundo árabe e islâmico.

Cotejemos então

É inegável a solidariedade incondicional do Ocidente para com Israel e o seu regime sionista, na verdade uma parte integrante do «Ocidente colectivo». Poderão os países da União Europeia e da NATO dizer que estão com Israel e, ao mesmo, distanciarem-se da matança implacável que este país comete em Gaza? Não podem. O pacote da solidariedade é compacto, indivisível.

Seria de supor, se estivéssemos a lidar com gente séria e com princípios, que Israel, para merecer a solidariedade ocidental e fazer parte dessa elite, respeitasse todos os princípios venturosos que fazem parte da cartilha orientadora da nossa «civilização» ajardinada.

Cotejemos então a correspondência das práticas de Israel com as apregoadas virtudes que asseguram a superioridade moral e civilizacional do Ocidente.

Israel deve, portanto, respeitar os direitos humanos. Não se percebe como cumpre essa norma, olhando para a situação e o tratamento dos palestinianos, sem esquecer a discriminação dos israelitas que não são judeus.

Sobre o respeito pelas liberdades cívicas há igualmente qualquer coisa que não parece bem. Israel segrega, maltrata e reprime as pessoas que estão sob sua responsabilidade como potência ocupante (violação das convenções de Genebra); e também estruturou uma forma de Estado onde existem pessoas com menos direitos que outras, uma elite e comunidades de segunda. Apartheid e terrorismo serão compatíveis com direitos humanos e liberdades cívicas?

Estado de direito? É improvável que Israel o seja: instituiu o apartheid, formatou um Estado para um só povo e uma só religião onde o primeiro-ministro, além disso, continua a querer acabar com a independência do aparelho judicial para apagar os seus casos de corrupção.

Quanto ao direito internacional, Israel é um fora-de-lei. Viola e até achincalha as resoluções da ONU, insulta quem, com toda a objectividade, ponha em causa as suas verdades absolutas – nem o secretário-geral da ONU escapa –, pratica o terrorismo, desrespeita as suas obrigações como potência ocupante, liquidou o processo de paz, neste caso com a prestável ajuda dos Estados Unidos e da União Europeia. Nada há de surpreendente neste comportamento recorrente do «mundo civilizado». Não foram as principais potências da União Europeia, França e Alemanha, que assinaram os acordos de Minsk sobre a Ucrânia sabendo que iriam ser violados?

Com base numa definição parcial, messiânica, xenófoba e propagandística, Israel acusa de antissemitismo toda e qualquer pessoa, instituição ou país que não esteja de acordo com as práticas do regime. Também nesta matéria os países e os media ocidentais seguem incondicionalmente as posições israelitas, elas próprias antissemitas no sentido autêntico do termo.

O povo palestiniano, os povos árabes são semitas, tal como os judeus. O extermínio em Gaza, as incursões punitivas e cleptómanas dos esquadrões da morte de colonos, a atribuição da condição de cidadãos de segunda aos israelitas de origem árabe são manifestações claras de racismo e de antissemitismo.

A propaganda israelita faz confundir ostensivamente as críticas ao sionismo, as denúncias dos crimes do governo de Telavive e até as acusações ao comportamento de Netanyahu como casos de antissemitismo. Além de xenófobo, este tipo de propaganda esconde uma das mais expandidas formas de antissemitismo: a que se manifesta contra os árabes – e até contra os muçulmanos, no seu complemento islamofóbico.

Vimos que a escritora israelita Amira Hass é uma antissemita, segundo os cânones oficiais do sionismo. E será também antissemita o prestigiado jornalista Gideon Levy, do diário Haaretz, quando escreve que «só psiquiatras podem explicar o comportamento de Israel»? E o que dizer do antissemitismo do próprio Haaretz quando na sua secção editorial se pode ler que «inegavelmente, o governo israelita é o único responsável pelo que acontece, por negar os direitos dos palestinianos»? E serão antissemitas os milhões de judeus não-sionistas, por exemplo a multidão imensa que recentemente tomou a Estação Central de Nova York em solidariedade com a Palestina e os palestinianos?

Os países ocidentais acompanham incondicionalmente Israel nesta deriva em que viola, ponto por ponto, todos os princípios de que se ufana o Ocidente para se distinguir, de forma xenófoba, arrogante e colonial, da «barbárie» que diz persegui-lo.

«E o que dizer do antissemitismo do próprio Haaretz quando na sua secção editorial se pode ler que "inegavelmente, o governo israelita é o único responsável pelo que acontece, por negar os direitos dos palestinianos"?»

Mas quem melhor traduz este cenário de cumplicidades, mentiras, falsificações e cobertura do terrorismo é o jornal New York Times, a bússola pela qual se guia qualquer dirigente ocidental que se preze e serve de modelo a qualquer publicação «de referência». Pois o Conselho Editorial dessa bíblia intocável sentenciou: «Israel pode defender-se e defender os seus valores; o que Israel está a fazer é lutar para defender uma sociedade que valoriza a vida humana e os estado de direito».

É o retrato da grande mentira em que vivemos, escondida numa verdade única que vai dissolvendo o contraditório e, no fundo, a realidade na qual os povos ocidentais se movem. A situação, porém, está a mudar e as manifestações que juntam milhões de pessoas em todo o mundo, comovidas e solidárias com a luta e os direitos dos palestinianos, provam-nos que a consciência da realidade começa a perfurar a monstruosa e tóxica barreira da corrupção política e da mistificação mediática associada à propaganda sionista e terrorista.

Dominique de Villepin, diplomata e ex-primeiro-ministro da França (2005-2007) na presidência de Jacques Chirac, está em Gaza. Numa entrevista a uma rádio francesa não esconde o papel daquilo a que chama o «ocidentalismo» na tragédia humana que ali se vive. O «ocidentalismo», disse, «é a ideia de que o Ocidente, que durante cinco séculos geriu os interesses do mundo, será capaz de continuar a fazê-lo silenciosamente. E podemos ver claramente, mesmo nos debates da classe política francesa, que existe a ideia de que, face ao que está a acontecer actualmente no Médio Oriente, temos de continuar ainda mais a luta, rumo ao que pode considerar-se uma guerra religiosa ou civilizacional. Ou seja, isolarmo-nos ainda mais no cenário internacional».

Villepin considera também que este comportamento está associado à «armadilha do moralismo»: «Temos a prova disso através do que está a acontecer na Ucrânia e no Médio Oriente, da dualidade de critérios que é denunciada em todo o mundo».

Dualidade de que George Orwell já falava no seu famoso 1984 invocando o conceito de doublethink (pensamento duplo), que definiu desta maneira: «repudia a moralidade enquanto a reivindica».

Uma perspectiva que reproduz na perfeição, principalmente agora, na confluência das situações na Ucrânia e no Médio Oriente, a falsidade, a insensibilidade, a desumanidade do comportamento da «civilização ocidental» e a sua miséria moral. 
 

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