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Trump e os cúmplices

O reconhecimento ilegal da «unificação» de Jerusalém pelo presidente dos Estados Unidos da América é uma consequência lógica, e previsível, do desprezo internacional com que são encarados os direitos dos palestinianos – uma constante vergonhosa da história dos últimos 70 anos.

Donald Trump e Benjamim Netanyahu
Donald Trump e Benjamim NetanyahuCréditosDebbie Hill Pool/EPA / Agência Lusa

Não é a primeira violação do direito internacional cometida por uma administração norte-americana; por certo, sendo quem são os gestores de Washington, não será a última.

Porém, é importante não separar a árvore, gravemente contaminada, da floresta de enganos a que pertence.

Donald Trump anunciou a decisão, mas não está sozinho. Acompanham-no, além do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o seu próprio genro, Jared Kushner, sintonizado com o sionismo expansionista dominante e que foi encarregado, pelo presidente, de «solucionar o conflito israelo-palestiniano»; e Sheldon Adelson, senhor do jogo de Las Vegas e Macau, poderoso judeu sionista em cujo «filantropismo» se enquadram o financiamento da emigração para Israel e também uma choruda contribuição de 100 milhões de dólares para a eleição de Trump. Atenção agora retribuída, segundo as más-línguas, através da decisão envolvendo Jerusalém.

Embora este petit comité e respectivas ramificações tenha um poder próprio capaz de fazer validar comportamentos terroristas esmagadores contra a humanidade – nunca as variantes fascistas de governo em Washington e em Israel foram tão simultâneas e convergentes como agora – não lhe podem ser assacadas todas as responsabilidades pelo atentado contra a cidade santa das três religiões monoteístas.

Uma cidade que a chamada «comunidade internacional», ignorando ostensivamente uma realidade que ajudou a construir, continua a proclamar como futura capital de dois Estados: o de Israel, a oeste; e o da Palestina, a leste.

As raízes da hecatombe que agora se abateu, com redobrado vigor, sobre os palestinianos, vítimas dos jogos sangrentos da diplomacia mundial, estão precisamente no comportamento revoltante e desprezível das instâncias internacionais e dos governos mais influentes no mundo.

Trump e os seus parceiros directos limitaram-se a cavalgar a onda, ao sabor da maré favorável que lhes foi proporcionada pela conjuntura mundial e regional construída ao longo de décadas.

Em termos práticos, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel decidido pelos Estados Unidos liquida o chamado «processo de paz israelo-palestiniano»… Que já estava liquidado. Aliás existiu apenas durante os meses das genuínas conversações de Oslo, até que foi assinado solenemente, nos jardins da Casa Branca, já sob o patrocínio corruptor de Bill Clinton, em 13 de Setembro de 1993.

Este foi o acto que selou a condição de nado-morto do «processo de paz», quando os Estados Unidos assumiram, através dele, um papel simultâneo de mediador e representante de uma das partes. Não há ilusões de paz que resistam a um processo de guerra que impõe, desde logo, a submissão de uma das partes em conflito, por sinal a mais fraca, indefesa e desprotegida.

Em termos ainda mais práticos, o reconhecimento norte-americano de Jerusalém como capital de Israel vem dar asas e uma «legitimidade» – legalmente falsa, mas reforçada no terreno – ao processo de limpeza étnica e de terrorismo urbanizador que os governos de Israel praticam há muito na cidade, sob os olhos de todo o mundo.

« Não há ilusões de paz que resistam a um processo de guerra que impõe, desde logo, a submissão de uma das partes em conflito, por sinal a mais fraca, indefesa e desprotegida.»

Assassínios e prisões arbitrárias, deportação de famílias, derrube de casas, desmantelamento de bairros inteiros, como o de Silwan, apagamento de referências do modo de vida e da cultura árabe, restrições à prática do islamismo, eliminação radical das reminiscências fronteiriças entre os dois sectores são episódios corriqueiros que fazem parte do dia-a-dia de Jerusalém durante os últimos 50 anos.

Dividida à luz do direito internacional, projectada como capital de dois Estados para um futuro sempre adiado; violenta e ilegalmente «unificada» em termos reais, através de uma cadeia ininterrupta de factos consumados e na qual Trump integrou agora um poderoso elo de consolidação.

A anexão e judaização progressiva de Jerusalém é o topo de um processo em desenvolvimento contínuo desde que o regime sionista ocupou militarmente, em 1967, os sectores da Palestina administrados pelo Egipto – a Faixa de Gaza – e pela Jordânia – Cisjordânia e Jerusalém Leste. Ocupação que se estendeu aos Montes Golã – território sírio – e à Península do Sinai, posteriormente devolvida ao Egipto.

A partir da ocupação, como desfecho da Guerra dos Seis Dias, as resoluções das Nações Unidas impuseram a Israel a retirada de todos os territórios tomados em 1967, incluindo Jerusalém Leste, em simultâneo com o respeito pelas Convenções de Genebra, designadamente dos princípios que se relacionam com o respeito pela essência dos territórios e dos povos sob ocupação, incluindo a sua estrutura demográfica. Ou seja: o conjunto das leis internacionais aplicadas aos territórios palestinianos, incluindo Jerusalém Leste, proíbem liminarmente a colonização.

Em 1993, o «acordo de paz» assinado pelas instâncias representativas de Israel e da Palestina, neste caso a OLP, assumiu a progressiva desocupação dos territórios sob controlo israelita no sentido de um estatuto final garantindo a existência de dois Estados, o de Israel e o da Palestina, com capitais em Jerusalém, nos sectores oeste e leste.

No entanto, a partir de 1967 Israel embrenhara-se num processo gradual de colonização de Jerusalém Leste, da Cisjordânia e de Gaza, enquanto a chamada «comunidade internacional», olhando para outro lado e permitindo que se fizesse letra morta das resoluções da ONU, repetia a necessidade de respeitar os direitos dos palestinianos; depois do acordo de 1993, o recitativo defendendo «a solução de dois Estados» tornou-se uma espécie de mantra sem sentido entoado nas intervenções de qualquer dirigente mundial – secretários-gerais das Nações Unidas incluídos.

Através da colonização, o regime sionista dedicou-se a concretizar o que lhe era expressamente vedado pelo direito internacional: consolidar a ocupação, transformando-a gradualmente em anexação definitiva.

Em 1980, Israel declarou unilateralmente a unificação de Jerusalém como capital, acelerando na cidade a limpeza étnica e a implantação de medidas e estruturas judaizantes que já se tinham tornado comuns na Cisjordânia. Os dirigentes mundiais limitaram-se a não reconhecer oficialmente a decisão, mantendo as embaixadas em Telavive, a capital oficial. Nada mais aconteceu susceptível de obrigar Israel a mudar de rumo.

A «unificação» foi reforçada com a construção de uma barreira de colonatos, na verdade autênticas cidades exclusivamente judaicas que cortaram as comunicações viárias entre Jerusalém Leste e a Cisjordânia, isolamento que se tornou praticamente total com a edificação do muro de separação construído nas últimas duas décadas.

«Em boa verdade, o passo dado por Trump não foi tão ousado e isolado como possa parecer aos incautos.»

Ariel Sharon, um dos notáveis do fascismo sionista e primeiro-ministro, autor de repugnantes crimes contra a humanidade como as guerras no Líbano e o massacre de Sabra e Chatila, declarou simbolicamente a colonização como política oficial do regime ao mudar a sua residência para um colonato construído no interior das muralhas da Cidade Velha de Jerusalém, no sector leste.

Enquanto isso, os principais dirigentes mundiais, dos Estados Unidos à União Europeia, Rússia e China, insistiam verbalmente no respeito pela «solução de dois Estados»; de tempos-a-tempos, os dirigentes sionistas repetiam que não tencionavam respeitar as resoluções da ONU, por serem «parciais» e porem em causa «a segurança de Israel».

E acusavam a parte palestiniana de «boicotar o processo de paz« tornando-o dependente do fim da colonização, estratégia em que tiveram apoio frequente de todas as administrações norte-americanas, da União Europeia e governos dos respectivos Estados membros.

Gradualmente, o processo de colonização foi liquidando as possibilidades de criação de um Estado Palestiniano viável nos territórios ocupados em 1967. A Faixa de Gaza, cercada do lado israelita e do lado egípcio, foi transformada pelo regime sionista num campo de reclusão onde quase dois milhões de seres humanos são tratados como animais a abater; a Cisjordânia é uma manta de retalhos na qual as comunidades palestinianas ficaram progressivamente isoladas umas das outras, separadas pelo muro israelita, pelos colonatos propriamente ditos e correspondentes estruturas de apartheid, como são as redes viárias exclusivas para os colonos, as teias de postos militarizados de «segurança».

Os palestinianos de Jerusalém Leste, da Cisjordânia e Gaza ficaram circunscritos a bantustões isolados pelas estruturas colonizadoras, muitas vezes sem acesso às fontes de sobrevivência como água e terrenos agrícolas, sujeitos estes às pilhagens praticadas pelos colonos, com protecção do exército de ocupação.

Os dirigentes mundiais, entidades como a ONU, a União Europeia e o tão invocado «quarteto», presidido pelo desqualificado político e verdadeiro criminoso de guerra Tony Blair, continuaram a repetir por inércia as frases que foram perdendo sentido enquanto Israel construía este cenário, sem que nada perturbasse a sua estratégia – apesar do conteúdo sanguinário desta.

Até que Donald Trump associou os Estados Unidos a Israel na “unificação” de Jerusalém, uma agressão primária contra as normas internacionais mas que, paradoxalmente, corresponde à realidade no terreno. Na verdade, todo o processo sistemático de destruição dos direitos dos palestinianos tem assentado numa interminável sucessão de factos consumados na qual se diluiu a legalidade internacional e, com ela, a tão ainda falada “solução de dois Estados”.

Vieram Macron, Merkel, May, Renzi, até o diligente Santos Silva e mesmo o prolixo Juncker condenar Trump e assegurar que os seus países e a União Europeia não vão transferir as representações para Jerusalém. Menos contundente, mais igual a si mesmo, esteve o secretário-geral das Nações Unidas, recatadamente sintonizado com os comportamentos negativos e habituais da organização – a sua acefalia, a desoladora ineficácia e correspondente contemporização com as agressões às leis internacionais, quando cometidas pelos membros mais poderosos, ou com sua cobertura.

Das reprimendas a Trump saídas de Paris – entretanto sempre cavalheiresca no acolhimento a Netanyahu – de Londres, Berlim, Bruxelas ou Roma não rezará a História. O tempo as apagará, e depressa. Não tardará que Washington e o fascismo sionista revelem o empenhamento noutras tarefas guerreiras e desestabilizadoras do Médio Oriente, agora que não conseguiram extrair da agressão à Síria todos os proveitos que pretendiam. Quiçá desviando a mira para o Irão, o eterno sonho de Benjamin Netanyahu. Solidariamente activos com eles veremos então os parceiros de sempre, engolidas as discórdias passageiras, e não mais que verbais, sobre Jerusalém.

Em boa verdade, o passo dado por Trump não foi tão ousado e isolado como possa parecer aos incautos. Uma corte de cúmplices, inebriados com aventuras guerreiras, insensíveis ao desprezo que vitima os palestinianos e, através deles, a dignidade humana, ajudou a erguer o sangrento edifício de arbitrariedade e selvajaria internacional à medida de foras-de-lei como Trump e Netanyahu.

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