O ex-ministro das Finanças e actual presidente executivo do BIC, Teixeira dos Santos (TS), botou discurso em Lisboa, em 25 de Outubro, num evento denominado «Conversas com Sucesso», organizado pela «Alumnigmc/Global Management Chalenge», sobre «As privatizações em Portugal» 1. O debate teve um moderador à altura: Henrique Monteiro, jornalista do Expresso.
Para TS, as privatizações foram «um dos catalisadores de grandes transformações na economia portuguesa»! E, seguindo o relato de 5 de Novembro de 2016, para TS «as privatizações foram motivadas até meados dos anos 90 pelo processo de integração na União Europeia, com o intuito de reformar a economia e os mercados e nos anos seguintes, entre outros, reduzir o peso da dívida na economia».
Afirmou ainda que «as privatizações melhoraram a eficiência, os níveis de inovação, produtividade e o serviço aos clientes das empresas, atraem investimento estrangeiro e beneficiam as finanças públicas». Ou seja, as privatizações foram um verdadeiro sucesso!
Em discurso directo, TS, que foi ministro e secretário de Estado de vários governos do PS, recorda e enfeita-se de louros: as privatizações, entre 1989 e 2015, «renderam cerca de 58 mil milhões de euros. Sou responsável por cerca de 40% desta receita»!
Notável o trabalho de TS a bem da nação!
E nós não sabemos o que fazer. Se abrir a boca de espanto perante a desfaçatez do académico, Professor numa Universidade pública. Se concluirmos apenas que tal é coerente com o ex-ministro que teve um papel decisivo – de detonador – na vinda da Troika para o país, trazendo na mala o Pacto de Agressão!
Dirá TS: a Troika veio salvar o país do desastre económico e financeiro. Porventura graças ao sucesso das privatizações e da «governança» de TS como ministro das Finanças, e C.ia, no XVIII e XIX governos!
Que grande lata!
Esmiucemos as afirmações de TS.
As «privatizações melhoraram a eficiência, os níveis de inovação, produtividade». Ou seja, concluindo a reflexão de TS, a competitividade da economia portuguesa deve ter dado um salto de cavalo! Ora os desequilíbrios na balança externa, antes e depois de TS, não confirmam essa tese! Bem pelo contrário. E é por isso que sucessivos governos, incluindo aqueles em que participou, não fizeram outra coisa senão liberalizar o mercado de trabalho com sucessivas reformas laborais.
A precarização massiva e a dimensão do desemprego, sobretudo de longa duração, são resultados dessas orientações, para assim assegurarem, pela baixa do preço da mão-de-obra, o que não conseguiram fazer de outra forma. Desvalorização salarial, com que tentaram responder às consequências da adesão ao euro na degradação da competitividade da economia portuguesa.
As privatizações tinham «o intuito de reformar a economia e os mercados». Então porque não reformaram? Que reforma foi essa dos mercados?
O avolumar e consolidar da potência económica, social e política de um número restrito de grupos económico-financeiros, com a «produção» de uma estrutura monopolista/oligopolista em sectores de serviços e bens essenciais?
Ou TS não sabe que esses grupos se especializaram na produção de bens e serviços não transaccionáveis, com a exploração dos trabalhadores e consumidores portugueses e a predação dos sectores transaccionáveis – sectores produtivos e PME? [Vítor Bento avaliou essa predação em cerca de 24 mil milhões de euros (15% do PIB) em duas décadas…]. Deve ter sido esta a melhoria do «serviço aos clientes das empresas» vista por TS como decorrendo das privatizações!
Para TS as privatizações tinham também o intuito de «reduzir o peso da dívida na economia». Então porque não reduziram, antes produziram o efeito completamente oposto?!
Para TS as privatizações «beneficiam as finanças públicas». Então porque não beneficiaram? Porque andou ele, e todos os que o antecederam e sucederam na pasta das finanças, de calças na mão atrás do equilíbrio das contas públicas, atrás do Défice Orçamental abaixo dos «inventados» 3%, com malabarismos e outros números de circo orçamentais, sem o conseguir.
E o que aconteceu às receitas das privatizações caídas no poço sem fundo da Dívida Pública (DP)? Em 1989 a DP valia 49% do PIB. Depois atiram-se para cima dela 58 mil milhões de euros (TS dixit) e ela galga para mais de 130% até 2014!!! Grande redução, Sr. Professor! Veja-se o gráfico abaixo.
Com um pequeno pormenor. Aquele dissolver de 58 mil milhões de euros no mar da dívida pública teve como contrapartida a perda de um brutal e estratégico património público, que entregou ao capital privado muitos milhões de euros de dividendos, que eram receita pública; um património que reduziu substancialmente as receitas fiscais que produzia e assegurava ao Estado antes das privatizações!
E que hoje significa também uma drenagem anual de dimensões colossais de rendimento nacional para o exterior – 64 mil milhões de euros entre 1996 e Julho de 2016! – no pagamento de dividendos aos seus actuais titulares estrangeiros! Beneficiaram as finanças públicas, as privatizações? Só se for na imaginação fantasiosa do Professor de Finanças!
Mas a evolução do endividamento empresarial (não financeiro) não foi melhor: o endividamento das empresas privadas subiu de 138% do PIB em 2007 (ano a partir do qual há dados no BdP) até aos 171% em 2012 – mais 46 mil milhões de euros –, descendo depois para os 148% em 2015, certamente pela transformação de muita dessa dívida em imparidades bancárias pela falência de milhares de empresas, esganadas pela dívida.
Houve mesmo redução do peso da dívida na economia, Sr. Professor?
Outro notável resultado das privatizações descoberto por TS, é que «atraem investimento estrangeiro». Que investimento estrangeiro? O que compra activos de empresas estratégicas, viáveis e de rendibilidade garantida? Que empresas e emprego criaram esse investimento, Sr. Professor?
Com tais investimentos, agravou-se drasticamente a dependência estrutural da economia portuguesa do capital transnacional e o lógico comando estratégico de importantes sectores por centros de decisão não nacionais. Em alguns casos, de actividades e infraestruturas que são elementos nucleares da soberania nacional – portos e aeroportos, telecomunicações, redes de transporte de energia, etc.
E com o domínio do capital estrangeiro, abriu-se caminho, no quadro da relocalização à escala europeia (e mundial) de importantes sectores industriais, à correspondente liquidação em Portugal de unidades empresariais e dos respectivos centros de decisão (ver por outras a CIMPOR e a PT).
Hoje, 48% das grandes empresas portuguesas estão na mão de capital estrangeiro. Como o PCP sempre afirmou, as privatizações acabariam por ser também «desnacionalizações».
As «grandes transformações na economia portuguesa» provenientes das privatizações, segundo TS, são a versão actualizada do enunciado de A. Guterres, primeiro-ministro, 20 anos antes… para quem, os grupos económicos criados pelas mesmas privatizações iriam ser «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização»!
Mas se o benefício da dúvida podia ser reclamado por A. Guterres, nos tempos que correm, só por proselitismo neoliberal e vesguice ideológica é admissível!
«Por exemplo, explicar como, sob a tutela do Ministério das Finanças, de que era titular, progrediu a fraude no BPN»
Depois do total afundamento da economia portuguesa; depois do tsunami no sector financeiro privatizado – e vale a pena fazer agora um cotejo: segundo o Livro Branco do Governo PS/Ministro das Finanças Sousa Franco, as receitas das privatizações do Sector Bancário do período 1989/1997, foram avaliadas em 3,6 mil milhões de euros (a preços correntes), ou seja, 3,6% do PIB (1997), o que agora compara (mal comparado que seja) com os 11,3% do PIB (19,5 mil milhões de euros) que o Estado Português, segundo o BCE (2015) gastou, no período 2008/2014, a salvar bancos em Portugal (ainda não contabiliza os custos acrescidos do BANIF); depois da prática liquidação de empresas como a PT ou a CIMPOR, depois das dezenas de milhões de euros de «rendas excessivas» «descobertas» na EDP, GALP e etc… falar como falou TS, só por total fraude política e intelectual!
Segundo o texto do Expresso, TS não quis deixar Portugal sozinho, e falou também das privatizações nas «últimas três décadas» em «mais de 100 países em todos os continentes». É uma evidência que a ofensiva neoliberal não ficou apenas por cá! Já tinha começado no Chile de Pinochet, com as receitas dos Chicago Boys/Friedman.
Os seus resultados no planeta são conhecidos: a maior, mais profunda e prolongada crise do capitalismo desde 1929! Uma estagnação económica que se estende, com réplicas agudas, em vários países e regiões do mundo: UE, países emergentes, etc..
Na abordagem mundial das privatizações falou ainda TS no «antigo bloco soviético». Foi pena que não dissesse como avalia o roubo monstruoso feito àqueles povos,… e a transformação do esbulho das privatizações na compra e financiamento de clubes de futebol da Europa comunitária, iates de luxo e outras malfeitorias…
«Esqueceu-se» TS de um epifenómeno rotineiro, adstrito às privatizações em Portugal e em todo o mundo: a corrupção! A promiscuidade do poder político com o económico!
E, para quem ocupou os cargos que TS ocupou, bem podia falar dela, que a conhece em Portugal de ciência certa e não apenas de ouvir falar… Por exemplo, explicar como, sob a tutela do Ministério das Finanças, de que era titular, progrediu a fraude no BPN, e como, sendo um defensor estreme das privatizações, o «nacionalizou» para que o Estado suportasse os prejuízos e roubalheira do banco privado.
E até como foi possível assumir a presidência executiva do BIC, resultado do baptismo do BPN, depois de negociata apadrinhada pelo Governo PSD/CDS, com elevado prejuízo público!
Recorde-se ainda, para ilustração do Professor TS, que, nos dias que correm, a SLN Valor, a principal ex-accionista do BPN, acaba de ir para a insolvência deixando ao Estado uma dívida de 471 milhões de euros. Que se acrescentam aos prejuízos já contabilizados ou a contabilizar de 5, 6 ou 7 mil milhões de euros do BPN! Tudo ajudas às Finanças Públicas, Sr. Professor.
Sem conhecer toda a douta moenga de TS em defesa das privatizações, considero que, com urgência, deve ser confortado com graus «honoris causa» em várias escolas superiores, as que agora, mesmo em Portugal, se denominam «Business Schools».
E atrevo-me até a propor, como possível padrinho das cerimónias, o Professor João Duque, com os galões e traquejo de quem promoveu e defendeu o Honoris Causa pelo ISEG de Ricardo Salgado. Sim, o tal do BES…
TS não tem lata, tem um latão que dá a volta ao quarteirão!
- 1. Artigo de Maribela Freitas, no Expresso de 5 de Novembro de 2016. As frases em itálico são de TS e as entre aspas («…») são do relato da jornalista
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