Há dois dias, aviões norte-americanos mataram pelo menos 62 soldados sírios. Saíram, depois da reunião à porta fechada do Conselho de Segurança da ONU convocado pela Rússia para esclarecer esta questão, e optaram por lamentar junto aos jornalistas o sucedido e para afirmar que «seja qual for o resultado da investigação sobre este caso (!!), a aviação não o fez intencionalmente.» Esperar-se-iam desculpas à Síria e aos familiares dos soldados mortos. Isso não aconteceu. Terroristas do Estado Islâmico progrediram para o território ocupado pelos soldados sírios mortos.
A opinião pública não perdoará aos EUA novo malogro do plano de cessar-fogo para a Síria, como aconteceu ao de Fevereiro.
Os estrategas do Pentágono decidiram há vinte anos a destruição da democracia e desenvolvimento de muitos países, começando, na fase das “revoluções coloridas” desta década, pela Líbia e pela Síria, esta em 2011. Há razões políticas e energéticas nestes planos maquiavélicos: retirar aliados à Rússia, acabar com o não-alinhamento e obter a exploração do petróleo desses países, impedindo a Rússia de ser fornecedora de petróleo e gás à Europa.
A liquidação das condições de vida dos sírios, a destruição das suas cidades, a falta de condições de habitabilidade, de acesso a alimentação e água durante cinco anos consecutivos, originou o desespero, mais e duas centenas de milhares de mortos, centenas de milhares de refugiados.
O clamor universal para que desta vez se calem as armas é maior.
No dia 6, antes do anúncio deste novo acordo, o Le Monde, relatava que o exército e as outras forças aliadas fecharam o corredor frágil que os combatentes da oposição a Assad tinham rasgado no início de Agosto. O apoio aéreo das forças russas foi decisivo nesta operação. Se o terreno de Aleppo, no norte da Síria, permanece em movimento, marcado por reversões desde Junho, o avanço deste domingo é um sucesso para as forças do regime.
A única estrada de acesso aos subúrbios rebeldes de Aleppo, cidade dividida em duas desde 2012, segundo o jornal, foi fechada quando das operações turcas no norte da Síria e as negociações acaloradas entre Moscovo, pilar do regime, e Washington, um dos patrocinadores da rebelião. Desde Fevereiro, a Rússia passou a pesar sobre a situação militar em Aleppo, para obter dividendos diplomáticos, e os últimos desenvolvimentos poderia novamente servir os seus interesses.
A reconquista de Aleppo é um objectivo proclamado pelo governo sírio há meses.
De acordo com sites pró-regime, o veterano das tropas de elite sírias, coronel Souheil Alhassan, e os milicianos do Hezbollah «desempenham um papel importante nos combates no solo à coligação rebelde Jaich Alfatah («Exército da Conquista»), aliança de facções radicais dominada por jihadistas da Frente Fatah al-Sham, a antiga Frente Al-Nusra, filiada na Al-Qaeda».
Na semana passada EUA e Rússia anunciaram um novo acordo de cessar-fogo, terrestre e aéreo, para a Síria, que começou a vigorar no dia 13, para coincidir com o Eid al-Adha, principal festa muçulmana. Depois de um período de sete dias de respeito da trégua, ambos os países vão realizar ataques coordenados contra posições dos grupos terroristas Al Nusra e Estado Islâmico, disse o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, nessa conferência de imprensa em Genebra, depois de uma maratona de negociações, tendo ao seu lado o homólogo russo, Serguei Lavrov.
Durante as longas negociações foram assinados cinco documentos que permanecem «confidenciais» por causa do seu «conteúdo sensível». Foram divulgados os pontos sobre a trégua, a ajuda humanitária e a demarcação de actividade das forças aéreas da Rússia e dos EUA. Ficou ainda esclarecido que o governo sírio e os grupos de oposição não terroristas estavam prontos a cumprir estes acordos, incluindo o regime de cessar-fogo e a garantia de abertura de corredores humanitários para a cidade de Aleppo. O Ministério da Defesa Russo pediu que um dos principais grupos de oposição, o Exército Livre da Síria, parasse a acção militar contra unidades curdas, perto de Aleppo, para facilitar o cessar-fogo. Essa acção permaneceu depois de iniciado o cessar-fogo. As forças curdas têm sido consideradas por alguns observadores, como uma das mais eficazes no combate aos terroristas no solo.
No dia do anúncio do acordo, o porta-voz do Departamento de Estado Mark Toner tinha declarado: «Nós sempre fomos claros, assim como já dissemos que a responsabilidade da Rússia é de exercer influência ou pressão sobre o regime a respeitar a cessação das hostilidades, e cabe a nós persuadir, convencer a oposição moderada a também respeitar a cessação das hostilidades, o que é uma decisão que irá ser cumprida».
O Ministério russo do Exército salientou no passado dia 12, e novamente neste sábado, que o facto dos EUA ainda não terem fornecido informações, que permitam a identificação exacta dos lugares operacionais do Jebhat al-Nusra nas áreas de combate, estava a dificultar o trabalho conjunto para a fase a seguir à cessação das hostilidades.
Entretanto, as esperadas dificuldades para a fase do cessar-fogo vieram ao de cima.
Israel, uma hora depois do início do cessar-fogo sobrevoou a Síria e dois aviões seus foram abatidos por mísseis de uma nova geração de desempenho superior aos anteriores. Até este sábado eram 199 os casos de violação do cessar-fogo, cumprindo o exército sírio e seus aliados o acordo.
Entretanto, os vários grupos armados rebeldes têm aproveitado a trégua para reagrupar combatentes, nomeadamente em Aleppo e Hama, e recomporem os arsenais de armas e munições para se lançarem na conquista de novos objectivos.
Com base nisso, a Rússia disse aos EUA que estes não estavam a cumprir a sua parte do acordo sobre o cessar-fogo, que incluía o controlo dos grupos por eles apoiados (rebeldes «moderados»), e pediu a Washington para tornar públicos todos os documentos relacionados com a negociação deste acordo, para que ficasse claro o que tinha ficado acordado e quem não o estava a cumprir. Estes acordos, em geral, mantêm-se sob reserva, o que pode facilitar a manipulação da opinião pública.
E tornou público que os EUA não estão a responder a contactos, entre ambas as forças no terreno, como tinha ficado combinado.
Sobre os acessos humanitários a situações como a de Aleppo, os acordos prevêem que quer as forças «rebeldes» quer o governo sírio não só se abstêm de fazer fogo como também se devem afastar o suficiente desses corredores para garantir que organizações humanitárias viabilizem aos habitantes essas ajudas. Houve situações anteriores em que os bens destinados aos habitantes foram entregues aos rebeldes, que apareciam armados, como autoridade administrativas, e em que estes se apoderaram delas para os seus combatentes e as fizeram entrar no mercado negro, gerando preços incomportáveis para os habitantes. O representante da ONU, Staffan de Mistura, conhece a situação e não exigiu aos «rebeldes» que viabilizassem esse acesso e agora volta a acusar os sírios de impedirem a entrada da ajuda humanitária.
Em 6 de Julho deste ano, o Washington Post dava conta de que «A construção de confiança entre os rebeldes sírios e seus aliados norte-americanos também não é uma tarefa fácil», disse ao jornal David Maxwell, um ex-oficial das forças especiais, que dizia ainda que «Preparar os nossos supostos aliados não resulta em muito e prejudica a nossa legitimidade e credibilidade. É difícil estabelecer e manter relacionamento com estas organizações que se dizem uma coisa e fazem outra.»
Isto exige que a «mão firme» que Washington tem para outras coisas a tenha também com estas, sob pena de o cessar-fogo não resultar, bloqueando a continuidade de todo o processo de paz. Pelos vistos teve-a mais uma vez para matar os 62 soldados sírios…
Episódios como estes, relatados no jornal norte-americano, geram grande perplexidade sobre o que se passa no terreno com estes grupos e de como os EUA, que foram os patrocinadores da criação de todos, lidam com eles, até porque os continuam a apoiar em todos os aspectos.
Mas os EUA defrontam-se com outro problema: a sua rejeição por toda a população síria ilustrado por mais um caso significativo, já reconhecido pelo Pentágono. Na sexta-feira passada ocorreu a expulsão de militares norte-americanos que acompanham a incursão turca, da cidade de al-Rai, por grupos próximos do NSA em termos altamente desprestigiantes para os EUA.
E defrontam ainda a falta de confiança dos grupos que têm apoiado. Na mesma peça do Washington Post, referia-se que uma unidade rebelde síria, treinada pelos EUA, tinha sido derrotada e obrigada a fugir para o Estado Islâmico durante uma batalha no deserto perto da cidade de Bukamal, depois de jactos americanos a abandonarem num momento crítico para, segundo autoridades americanas que conheciam o incidente, bombardearem outro alvo no vizinho Iraque.
A unidade rebelde do Novo Exército Sírio (NSA) estava em ofensiva terrestre para recuperar ao Estado Islâmico (IS, anteriormente ISIS/ISIL) a cidade de Bukamal, no sudeste da Síria, capturada na semana anterior. As autoridades norte-americanas que lidaram com isso confirmaram o facto.
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