Há 40 anos, em 1981, realizou-se uma greve heróica dos trabalhadores dos lanifícios da Covilhã, Tortosendo, Unhais da Serra e Cebolais de Cima. Esta greve faz parte das mais belas páginas da história da luta dos trabalhadores portugueses e da CGTP-IN, estando registada no II Volume do livro Contributos para a História do Movimento Operário e Sindical.
Quando, a pretexto da pandemia, se desfere um violento ataque aos direitos dos trabalhadores, é importante lembrar estas e outras lutas e delas tirar ensinamentos e assumir que a organização, a unidade e a determinação são os elementos vitais para agir, lutar e ter resultados.
A razão da greve: ANIL tenta roubar direitos e destruir o Sindicato Têxtil da Beira Baixa!
Em Agosto, quando ainda muitos trabalhadores estavam em férias, a associação patronal, a Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios (ANIL), apresenta uma proposta de Contrato Colectivo, que já tinha negociado com os divisionistas do Sindetex/UGT, a qual, para além de aumentos miseráveis nos salários, impunha o roubo de mais de 100 direitos livremente negociados em 1975.
O acordo com a UGT é, estrategicamente, antecedido, ou acompanhado, de uma orientação da ANIL às empresas, para, sem aviso e de forma ilegal, deixarem de fazer desconto da quota sindical aos trabalhadores logo nas quotas do mês de Julho. Desta forma, patrões e Sindetex/UGT, procuravam enfraquecer financeiramente o sindicato para melhor poderem roubar direitos.
A direcção do Sindicato Têxtil da Beira Baixa/CGTP-IN convoca os dirigentes, delegados e outros activistas sindicais e estes, por unanimidade, decidem marcar greves de três dias, todas as semanas, e ao mesmo tempo avançam para a cobrança das quotas do sindicato aos trabalhadores dentro das empresas, o que se mostrou ser crucial para manter e até aumentar o número de sócios do sindicato.
Esta foi a greve dos que não tinham sono e tiravam o sono aos patrões
De madrugada iam para os piquetes e depois juntavam-se na sede do sindicato e preparavam os piquetes do dia seguinte. Durante 29 dias intercalados, ao longo de três meses, mulheres e homens lutaram unidos e determinados em defender a sua dignidade de trabalhadores e o que tinham conquistado com o suor do seu rosto nas greves e manifestações de 1974 e 1975.
Uma greve prolongada, desgastante, mas que aumentava de adesão dia após dia, semana após semana. Só os trabalhadores contratados a prazo (e não todos) não fazem greve e muitos trabalhadores nesta situação dirigem-se ao sindicato a pedir para se organizarem piquetes e assim terem um argumento para se juntar à greve, que é quase total. Não foram os piquetes que fizeram a greve grande, a greve grande é que fez os piquetes.
E vem a repressão
O patronato radicaliza posições e passa à agressão física, contratando «gorilas» e agindo eles próprios na agressão aos elementos dos piquetes e na danificação de viaturas do sindicato e dos dirigentes, tendo daí resultado feridos graves, um dos quais atingido por um patrão, através de disparos desferidos à queima-roupa.
O governo da AD ao lado dos patrões
Os trabalhadores lutavam e a ANIL e o seu presidente, num acto que teve tanto de cobarde como de cínico, demitiram-se e recorreram ao governo do PSD e do CDS (AD) para este enviar as forças de segurança para reprimir a greve pela violência.
No dia 11 de Novembro, as forças policiais repressivas actuaram, bateram e agrediram trabalhadores que apenas tinham como armas a sua dignidade, a sua convicção, a sua consciência e a sua coragem. A Covilhã era uma cidade sitiada.
Não nos venceram e não nos vergaram.
Por isso, recorreram a capangas para agredir dirigentes e destruir os seus automóveis e um dos patrões perseguiu o carro de um piquete e disparou sobre os seus ocupantes, tendo um trabalhador sido transferido para os hospitais de Coimbra.
A dignidade vencia as dificuldades
O governo, vendo falhar a repressão, decidiu publicar uma portaria de extensão do contrato do Sindetex/UGT, procurando que este fosse aplicado a todos os trabalhadores.
Esta acção conjugada dos patrões e do governo em vez de desmobilizar ainda mobilizava mais e as manifestações públicas eram diárias e a adesão à greve aumentava, evidenciando uma forte consciência de classe e política dos trabalhadores.
É que, nesta greve, o principal não era o salário. O que a motivou foi a resposta ao roubo organizado aos direitos e o combate ao divisionismo sindical e também o facto de os trabalhadores perceberem que a questão era também política, já que ela despertou consciências e mostrou que era possível derrotar o governo da AD e ajudou a criar condições para a realização da memorável greve geral de 1982.
E a solidariedade invadiu a Covilhã e os nossos corações!
Ao fim de muitos dias de greve todos os meses o salário minguava. Já havia trabalhadores a passar muito mal. Mas nem assim desistiam e veio a solidariedade:
- Da população do concelho da Covilhã que nos apoiava na rua e de tantos e tantos outros trabalhadores de todos os cantos de Portugal.
- Dos trabalhadores agrícolas do Alentejo e do Ribatejo que nos traziam os produtos e a carne da Reforma Agrária.
- Dos pescadores de Peniche e de Sesimbra que nos trouxeram peixe.
- Dos vidreiros da Marinha Grande, dos trabalhadores da Covina, da Lisnave, da Setenave, dos mineiros da Panasqueira e de tantas e tantas empresas de Norte a Sul do país que nos entregavam donativos que distribuímos pelos trabalhadores mais necessitados.
- dos partidos políticos de esquerda, com o PCP à cabeça.
A greve foi vitoriosa. Impedimos o roubo dos direitos, defendemos a unidade
A direcção da ANIL e o seu Presidente estavam isolados, já nem o apoio dos industriais eles tinham e muitas empresas começaram a negociar directamente com os delegados sindicais, comprometendo-se a não retirar qualquer direito aos trabalhadores. Mesmo as poucas que o não fizeram, não se atreveram a mexer nos direitos consagrados no Contrato Colectivo de 1975.
O divisionismo foi derrotado e a CGTP-IN continua a ser a central única dos trabalhadores dos lanifícios do Distrito de Castelo Branco.
A democracia sindical participativa foi decisiva
Esta greve mostrou a importância da acção colectiva, ensinou que a condução de um processo reivindicativo e de luta deve respeitar os princípios da democracia e deve ser envolvente, participado e responsabilizante, ensinou que as direcções dos sindicatos devem assumir plenamente as suas responsabilidades, respeitando, sempre, a vontade colectiva dos trabalhadores, e ensinou também que a luta não é um momento mas um processo que é sempre complexo e por vezes é prolongado, em que os resultados não são imediatamente visíveis.
E hoje, que ensinamento retiramos da greve de há 40 anos?
Esta greve é bem o exemplo de que quando lutamos, quando somos unidos e quando damos valor e força ao sindicato conseguimos resultados.
Se queremos travar a ofensiva do patronato, se queremos obrigar o governo a revogar as normas gravosas da legislação laboral e se queremos uma vida melhor com melhores salários, com emprego seguro e com direitos, vamos ter de lutar. É isto que teremos de fazer nos próximos tempos. Não tem que ser como em 1981. Tem de ser com as condições que soubermos construir.