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O retalhar do Sudão - conflitos e crises humanitárias

O papel dos EUA tem sido dividir o Sudão em partes para melhor explorar as riquezas, inviabilizar um estado forte e dominar estrategicamente a região.

CréditosAlbert Gonzalez Farran/UNAMID/HANDOUT / Agência Lusa

A ONU, na sexta-feira, e o Papa Francisco, no sábado passado, alertaram a comunidade internacional para o previsível agravamento a curto prazo da crise humanitária no Sudão do Sul. O Papa prepara mesmo uma sua deslocação ao território do país, com capital em Djuba.

A visita do Francisco àquele país fez-se a convite de várias igrejas cristãs locais que estão a prepará-la neste momento e em conjunto. A população é maioritariamente cristã (católicos, anglicanos e presbiterianos), com uma minoria muçulmana. Grande parte da história do Sudão (Norte e Sul) tem sido marcada por conflitos étnicos, mas não residem nas duas grandes religiões as causas desses conflitos.

Além de dois conflitos internos em andamento (um na região sul e outro na região de Darfur) e duas guerras civis, entre 1955 e 1972, e entre 1983 e 2005, há inúmeros casos de limpeza étnica e escravidão nos dois países. O papel dos EUA tem sido dividir o Sudão em partes para melhor explorar as riquezas, inviabilizar um estado forte e dominar estrategicamente a região.

Depois de um referendo, em 9 de Julho de 2011, a República do Sudão do Sul, com capital em Juba, declarou a sua independência.

No Sudão do Sul, cerca de um milhão de habitantes, dos 12 milhões existentes à data do referendo, fugiram em Julho do ano passado durante a guerra entre as forças do presidente Salva Kiir e as do ex-vice-presidente Riek Machar, continuando ainda hoje a sangria iniciada em 2013, com uma emigração interna de mais de um milhão de pessoas e a emigração de um milhão de habitantes para seis países vizinhos. Ambas carecem de meios de apoio e a aproximação da época das chuvas dificultará a ajuda alimentar, médica e de abrigo, que, já por si é escassa.

Nas zonas mais afectadas, cerca de 100 mil pessoas estão em risco de morrer de fome, alertaram já várias agências especializadas da ONU, que se mostram preocupadas com a «deterioração das condições económicas, a falta de acesso a água potável, saneamento e higiene, serviços de saúde e educação», em especial para os mais jovens.

A jornalista Margarida Serra conversou 1 com Charlie Yaexley, do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, que lhe afirmou:

«Neste momento são precisos quase 600 milhões de euros para que todas as agências humanitárias possam ajudar as populações. É esse o valor do apelo feito esta semana por diversas organizações, entre elas o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados».

As negociações entre os dois grupos em conflito, realizadas em 2015, não tiveram resultados. Em Agosto do ano passado foi alcançado novo acordo de paz que incluía um cessar-fogo e a constituição de um governo de transição até à realização de eleições, que, entretanto, espera implementação.

No ano passado, um incidente abalou a estabilidade regional e mostrou que o conflito do Sul do Sudão estava derramando-se cada vez mais sobre a fronteira da Etiópia, e não apenas em termos humanitários, mas também militantes.

A maioria dos refugiados sul-sudaneses na Etiópia são Nuer, estão concentrados na Gambella, e isso desestabilizou o equilíbrio étnico existente, já tenso nesta parte da Etiópia. Sob tal pressão, não é de admirar que tudo o que foi necessário foi um pequeno acidente que vitimou uma jovem nuer na Gambella para colocar a região na borda da guerra civil. Os rebeldes sul-sudaneses invadiram Gambella, mataram mais de 200 pessoas e sequestraram cerca de 100 crianças, levando os militares etíopes a realizarem uma operação transfronteiriça na tentativa de as libertar.

O momento dos ataques parece ter coincidido com o regresso do vice-presidente sul-sudanês Riek Machar à capital, Juba, para implementar o processo de paz acordado em Agosto. Machar, um Nuer, estava em Gambella nesse momento e a regressar ao seu país de origem, depois das conversações em Addis Abeba, e os motins de refugiados poderiam ter sido cronometrados para sabotar o seu regresso in extremis.

A guerra civil do Sul do Sudão do Sul tem servido para desencadear uma invasão de refugiados na Etiópia, que é um estado muito diversificado do ponto de vista étnico e demograficamente frágil. Em certo sentido, a desestabilização pós-independência do Sul do Sudão pode também ser vista com o objectivo de colocar uma pressão de longo prazo sobre a Etiópia através do plantio de centenas de milhares de «bombas de tempo» de conflitos de identidade, o que parece estar a acontecer com os nueres.

«Os EUA e a UE apoiaram os rebeldes e acusaram o governo de Cartum de genocídio.»

E tudo isto porque a Etiópia está a ter um papel fundamental na rede global One Belt One Road, da China, particularmente através do caminho-de-ferro Djibuti-Etiópia, construído pelos chineses, e do Corredor LAPSSET, com o financiamento pela China do porto, em Adis Abeba. Em conjunto, estas duas vias de acesso permitirão à Etiópia libertar todo o seu potencial económico e ela poderá tornar-se um dos aliados multipolares mais próximos da China.

O país tem enormes potencialidades económicas. Atravessado pelo Nilo, possui, além de potencial agrícola, petróleo e recursos minerais (urânio, bauxite, cobre, diamantes, ouro).

O petróleo, explorado por companhias estrangeiras, incluindo norte-americanas e chinesas, é a maior fonte de riqueza não só do governo de Djuba, apadrinhado pelos Estados Unidos, mas também do regime de Cartum (Sudão, do norte), cujo principal parceiro económico é a China. O petróleo explorado no Sudão do Sul é transportado por oleodutos que atravessam o território do Sudão até ao Mar Vermelho, por cujos portos é exportado, sendo as receitas cobradas por essa passagem essenciais à economia sudanesa, como compensação da perda dos poços.

No seu vizinho do Norte, o Sudão, com Cartum como capital, a situação não é tão grave mas houve em 2014, num regime autocrático, e novas perseguições aos comunistas – em cuja exigência internacional de libertação o PCP participou – e crimes que levaram a que o Tribunal Penal Internacional estivesse a tentar levar o dirigente Omar el-Béchir a ser julgado por crimes de guerra, genocídio e crimes contra a Humanidade.

A moderna República do Sudão foi formada em 1956 e herdou as suas fronteiras do Sudão Anglo-Egípcio, fundado em 1899. A República Democrática do Sudão foi estabelecida entre 1969 e 1985. Em 25 de Maio de 1969, vários jovens oficiais, o Movimento dos Oficiais Livres, tomaram o poder no Sudão e deram início à chamada era Nimeiry na história do Sudão.

Esta intervenção foi apoiada pelo Partido Comunista Sudanês, pelas diferentes organizações nacionalistas árabes e grupos religiosos, uma vez que os políticos que assumiram o poder em 1956 tinham paralisado o processo de tomada de decisões e não tinham iniciado o imperioso caminho para a resolução dos problemas económicos e regionais do país, para além de terem deixado o Sudão sem uma constituição permanente.

Iniciou-se então uma fase de criação de um regime democrático, virado para atingir um «socialismo sudanês», em que os comunistas participaram no governo e se iniciou um programa de nacionalizações dos sectores básicos da economia.

Mas no ano de 1970, as relações de Nimeiry com os comunistas agravaram-se e estes foram afastados do governo, tendo-se, no Verão de 1971, iniciado uma série de golpes e contragolpes, seguidos da repressão aos comunistas, procurando a sua eliminação física.

A partir de 1972, a União Socialista Sudanesa tornou-se o único partido político legal, e Jaafar Nimeiry o presidente que iniciou o processo de islamização do país que culminou com a declaração do país como república islâmica e a introdução da sharia como base do sistema legal sudanês.

A situação de segurança no Sul, entretanto, havia-se deteriorado de tal maneira que no final de 1983 se iniciou uma nova guerra civil. No início de 1985, o descontentamento contra o governo originou uma greve geral em Cartum. Os manifestantes protestavam contra o aumento dos custos dos alimentos, da gasolina, e dos transportes. A greve geral paralisou o país. Nimeiry, que estava em visita aos Estados Unidos, foi incapaz de impedir as manifestações e um golpe militar afastou-o. O general Omar el-Béshir tem sido o presidente da república desde então.

O governo de Béshir enfrentou, no Sul, o Movimento para a Libertação do Povo do Sudão (MLPS), comandada pelo coronel John Garang. Em Maio de 1998, o direito à autodeterminação dos povos do sul sudanês foi reconhecido, mas não surtiu efeito. O problema essencial não foi a independência, que as organizações do sul não reivindicavam formalmente, mas a decisão de aplicar a Lei da Sharia ao conjunto da população.

«Na Guerra do Golfo, em 1990, a decisão de apoiar o Iraque contra o Kuwait colocou o país na lista negra dos EUA e de alguns governos árabes a abater (...)»

Na Guerra do Golfo, em 1990, a decisão de apoiar o Iraque contra o Kuwait colocou o país na lista negra dos EUA e de alguns governos árabes a abater, como revelou o general norte-americano na reserva, Wesley Clark, em entrevista em 20072.

Por outro lado, em 2005 o governo sudanês e os rebeldes assinaram um acordo de paz, pondo fim ao conflito travado desde 1983. O general Salva Kiir tornou-se primeiro vice-presidente da República e foi criado um governo de unidade nacional.

Em 1996, o general al-Béchir foi confirmado na chefia do Estado por eleição (reeleito em 2000). Desde 2003, na região do Sudão conhecida por Darfur, onde se desenrola um conflito que opôs movimentos de insurreição e milícias locais, apoiadas pelo Exército, provocando uma catástrofe humanitária.

Os EUA e a UE apoiaram os rebeldes e acusaram o governo de Cartum de genocídio. É de registar que o Darfur tem o terceiro maior depósito de cobre e o quarto maior depósito de urânio de todo o mundo, para além de importantes recursos em petróleo…

Há vários anos, os EUA têm em curso sanções contra o Sudão que agravam as condições de vida da população e estrangulam a economia, o que constitui um obstáculo crítico para o avanço do Sudão no caminho do progresso.

Omar el-Béchir ripostou, em 2014, afirmando a necessidade de se iniciar uma transformação do país depois de ter sofrido as dificuldades económicas e políticas resultantes da separação do Sudão do Sul, e convocou um Diálogo Nacional, iniciado em 2014, para trabalhar os conceitos de cidadania e identidade e examinar as preocupações fundamentais da população como a paz, a necessidade de desenvolver a economia, a liberdade de expressão e de imprensa.

Em 10 de Outubro do ano passado, o Sudão celebrou a conclusão do histórico Diálogo Nacional destinado a dar à luz um novo Sudão e uma nova constituição. Os chefes de Estado do Egipto, Uganda, Tchade e Mauritânia juntaram-se ao presidente do Sudão, apoiando o acordo, juntamente com representantes da Rússia, China, Etiópia e Organização de Cooperação Islâmica.

O investigador de política e economia africana Lawrence Freeman foi da opinião «ser muito relevante ter sido nesse Diálogo consagrado um programa de investimento de infraestruturas de energia eléctrica, ferrovias, gestão da água, estradas e, finalmente, o cultivar a enorme quantidade de terra fértil do Sudão que nunca foi totalmente explorada. Segundo este investigador, uma tal abordagem de desenvolvimento, apoiada em infraestruturas, não só aumentará a produtividade da economia em benefício de todos os cidadãos, como proporcionará um emprego produtivo significativo que dará aos jovens a esperança para o futuro»3.

O Porto Sudão, uma cidade e principal porto marítimo do Sudão, na margem do Mar Vermelho, está situado a 675 quilômetros da capital do país, Cartum. Os principais produtos agrícolas são o algodão, sisal e sorgo, produzidos no vale do Nilo, que chegam ao porto por meio do caminho-de-ferro. O porto conta com um terminal petrolífero e tem o maior terminal de contentores do país.

A atual participação do Sudão na Rota da Seda Marítima da China4 oferece uma vantagem para o crescimento económico. O presidente Xi Jinping anunciou a intenção da China em eliminar a pobreza na África, incluindo o Sudão, e tem considerado que para erradicar as causas das guerras não há outra via além do desenvolvimento.

  • 1. TSF, 22 de Fevereiro 2017
  • 2. Global Research, 30 de Janeiro de 2017 (reprodução do original na Democracy Now, de 2 de Março de 2007
  • 3. African Agenda, Copyright © Lawrence Freeman, African Agenda 2016
  • 4. Existe uma Rota da Seda Continental

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