Sugestões culturais II

Antes de sair de Lisboa, lembrar que já pode ver a exposição «Amadeo Souza-Cardozo» no Museu do Chiado, e aproveite para ver ou rever «Vanguardas e neovanguardas na arte portuguesa séculos XX e XXI», que aqui já foram referidas.

«Os últimos dias da humanidade», ensaio de imprensa
Créditos / Comunidade Cultura e Arte

Também em Lisboa, na Galeria Filomena Soares, uma exposição de esculturas em ferro de Rui Chafes, «Incêndios», que conforma a dureza do material à sua imaginação com enorme arte e saber oficinal.

Quase a sair Lisboa, lembrar duas peças de teatro, também aqui já referidas. No Teatro Nacional D. Maria II, «Os últimos dias da humanidade», de Karl Krauss, que viajou do Porto para Lisboa e «Pai», de Florian Zeller, em cena no Teatro Aberto.

No Auditório dos Oceanos e até 4 de Fevereiro, a malta jovem, a partir dos seis anos, pode ver «A incrível fábrica dos oceanos», um apelo ecológico em teatro musical.

É de sublinhar como vivendo com enormes dificuldades, com apoios muito limitados de consequências alarmantes, o fim da Cornucópia é uma sirene que continua a tocar, o teatro continua a sobreviver realizando trabalho excepcional de enorme qualidade. É o que se vai encontrar atravessando o Tejo e desembarcando em Almada, no Teatro Joaquim Benite que continua a ser uma âncora do melhor teatro que se faz em Portugal. Ali estão em cena «A noite da liberdade», de Odon von Horvath, escrita nos anos 30 quando o nazi-fascismo começa a ascender na Europa usando a democracia em decadência para chegar ao poder.

O que consegue por via democrática, ganhando eleições por curta margem de votos mas aproveitando as hesitações, abdicações, traições de outros partidos e o desepero a grassar entre os cidadãos. A história não se repete, mas a situação que se vive hoje na Europa tem traços semelhantes aos dessa época, com a ascensão da extrema-direita, agora mais eufórica depois da vitória do proto-fascista Trump sobre a charlatona Clinton nos EUA.

«Se ainda não foi esperar Lénine, não o deixe de fazer neste ano em que se celebram 100 anos da Revolução de Outubro.»

Assiste-se ao espectáculo deprimente das corridas em círculos atrás da própria cauda de partidos do centro e do centro-esquerda vacilantes, partidos socialistas que meteram o socialismo na gaveta, enquanto se chocam os ovos da serpente da extrema-direita. «A noite da liberdade» é um bom pretexto para uma reflexão sobre a democracia, sobre como a defender nevegando entre escolhos, contra marés de políticos sem estatura nem carácter.

Até dia 15, na Sala Estúdio António Assunção, esteve em cena «A última viagem de Lénine», com encenação de Mafalda Santos, interpretação André Levy, som e luz de Susana Gouveia e Marcos Loura, texto de António Santos e cartaz de Miguel Gómez.

Se ainda não foi esperar Lénine, não o deixe de fazer neste ano em que se celebram 100 anos da Revolução de Outubro. Esteja atento e vá consultando o calendário na página da Associação Não Matem o Mensageiro que produz o espectáculo, para saber onde serão as próximas representações.

Ainda no Teatro Joaquim Benite, não é só teatro, uma exposição de fotografias de Adalrich Malzbender que, no primeiro dia do ano de 1985, assistiu às alegres celebrações da entrada do Ano Novo por famílias ciganas. Pediu-lhes licença para as fotografar e prometeu-lhes que, quando regressasse a Portugal no ano seguinte, lhes traria as imagens. Assim o fez durante 25 anos, estabelecendo desse modo contacto com várias famílias ciganas do Alto Alentejo. É uma grande selecção dessas fotografias que estão agora em exposição na galeria do teatro.

Teatro pelo país fora. No Porto, a Seiva Trupe faz subir ao palco «Pequeno trabalho para velhos palhaços» de Mattei Visniec, uma reflexão sobre a vida no cruzamento de memórias de três velhos palhaços no desemprego que se encontram ao responderem a anúncio para um casting.

20,4%

Aumento do número de espectadores nas salas portuguesas de cinema, em 2015

É um choque duro entre essas memórias vividas e ficcionadas sobre o vivido, reportadas a um circo que já não existe a embater com a realidade quotidiana. Destaque também para «A vida de Galileu», do Teatro do Bolhão, também já aqui referido, agora na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.

No Porto, em Serralves, uma exposição sobre a pintura de Fernando Lanhas, um artista incontornável na história de arte portuguesa e um dos principais representantes do abstraccionismo. No Porto ainda, uma exposição permanente a visitar no Edíficio da Alfandega, sobre a história do projecto desse edíficio pelo arquitecto francês Jean François Culson.

O cinema, em todo o país é das actividades culturais mais activas. Ainda faltam as estatísticas de 2016, mas em 2015 o número de espectadores na Europa tinha aumentado em 5,2%, e em Portugal tinha registado um aumento de 20,4%. Um bom número que se espera ver confirmado em 2016, as estatísticas intercalares apontam nessa direcção, mesmo que distantes dessa subida acentuada.

Primeira nota para o cinema nacional com dois filmes biográficos: «ZEUS», de Paulo Filipe Martins, sobre a vida de Manuel Teixeira Lopes, escritor de óptima literatura erótica que é eleito Presidente da República. Promove políticas reformistas, apoia os operários, combate a banca. Ao fim de 26 meses, diz: «Basta! Estou farto. Qual é o primeiro barco a sair de Lisboa? Não é daqui a um mês, é já. Zeus? É um cargueiro? Não me importa, hão-de levar-me. Não me interessa para onde vão. Parto sem um papel, nada que me lembre a minha vida de escritor ou de Presidente.»

Aos 65 anos, muda de vida. Agora, no filme, é bem interpretado por Sinde Filipe. O outro filme é sobre Artur Seixas Santos, figura icónica do surrealismo. Em «As cartas do rei Artur», Claúdia Rita Oliveira recorre à correspondência epistolar entre Cruzeiro Seixas e Mário Cesariny para reconstruir essa relação amorosa e artística, por vezes tempestuosa, dessas duas figuras primeiras do surrealismo português. Relação e vida que acaba por ter alguma repercussão no evoluir desse movimento.

Biográficos também «A vida activa: o espítito de Hannah Arendt», filme realizado por Ada Ushpiz, que a partir das reportagens que a filósofa judia, que em 1941 tinha conseguido evadir-se de um campo de concentração, fez para o The New Yorker sobre o julgamento de Eichmann, envolvendo-se em virulenta polémica com as organizações judaicas por não retratar Eichmann como um demónio, mas alguém terrível e horrivelmente normal.

Um burocrata que cumpria ordens, com zelo, sem considerações acerca do bem e do mal o que, aliás, estava em linha com as suas anteriores teses sobre a banalidade do mal. Arendt leva longe essas reflexões apontando a cumplicidade das lideranças judaicas com os nazis. Um episódio que despertou a ira dos judeus conservadores e a perseguição pelo lobie judaico com ameaças à sua carreira universitária e mesmo à sua vida pessoal.

O filme, um documentário, parte desse episódio para, de forma algo reducionista, apresentar o pensamento de Arendt quase exclusivamente como uma reacção ao nazismo e ao genocídio, com grande insistência em imagens de violência contra os judeus. Hannah Arendt vai bem mais longe, reflecte sobre o mal nas sociedades, mesmo as dos valores civilizacionais do ocidente capaz das mais brutais violências, como toda a história dos colonialismos demonstra e que, para Arendt, estão na raiz da emergência do nazismo. Feita esta nota, um filme a ver num tempo de barbarismos extremos como os que acontecem no Médio-Oriente.

O outro filme biográfico é «A morte de Luís XIV», de Albert Serra. Os últimos dias do rei absoluto, o Rei Sol corroído pela grangrena. O sol a eclipsar-se de forma dolorosa desfazendo uma vida de fausto nas misérias pútridas da carne em decomposição. Jean-Pierre Leaud protagoniza magnificamente esse final de vida em que o sol está em eclipse, a luz dá lugar às trevas. A Cinemateca Nacional aproveita a oportunidade para fazer duas retrospectivas: de Serra e de Leaud.

Com traços autobiográficos o filme «O estado das coisas», de Wim Wenders, em cópia restaurada. É um filme mítico de Wenders que conta a história de um realizador que está a realizar um filme cuja acção decorre em Portugal; Sintra, Colares, Praia Grande, e subitamente vê o produtor desaparecer, com ele o dinheiro para continuar o filme. Persegue o produtor até Los Angeles para descobrir que o desaparecimento não foi motivado por motivos financeiros mas por o filme estar a ser rodado a preto e branco. Um filme dentro do filme sobre o novelo das relações na indústria do cinema.

Refira-se que em Coimbra, nas segundas-feiras de cinema do Teatro Gil Vicente, começa a 16 de Janeiro um ciclo dedicado a Wim Wenders.

Não esquecer que continua em cartaz «Eu, Daniel Blake», de Ken Loach.

A fechar esta farandola de sugestões música, coisa que não falta por todo o país. O maestro francês Stéphane Denève dirige pela primeira vez a Orquestra Gulbenkian a que se junta a jovem pianista russa Yulianna Avdeeva, vencedora do Concurso Chopin em 2010, um dos grandes talentos que têm surgido nesta década. Berlioz, Chopin e Brahms, dia 19 no Grande Auditório.

No Centro Cultural de Belém, também no dia 19, um recital de violoncelo e piano, com obras de Schumann, Debussy e Shostakovich, com a jovem violoncelista Mafalda dos Santos. Com vários prémios na sua ainda curta carreira, actualmente é aluna do consagrado Paulo Gaio Lima, e Alexei Eremine, ao piano. Entre Gulbenkian e CCB as opções balançam.

Noutro registo, em Setúbal, dia 20 começa o Festival Círculo de Jazz, uma organização da Experimentáculo e da Câmara Municipal de Setúbal, no Café das Artes, na Casa das Artes de Setúbal, com Luís Barrigas Trio, a que se segue, no dia 21, os quintetos de Paula Oliveira e Isabel Rato. Um festival para descobrir e afirmar novos talentos.

Estrada fora a música viaja: dia 20, António Zambujo em Aljustrel, dia 21, Fausto em Viseu, Capicua no Porto, Alceu Valença em Braga, Pedro Abrunhosa e Comité Caviar em Torres Vedras.

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