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O IVA da energia

Em Portugal a energia situa-se em patamares de preço muito elevados na comparação europeia e, se avaliarmos as taxas de esforço, o panorama piora drasticamente.

Torre de alta tensão. Foto de arquivo.
Torre de alta tensão. Foto de arquivo. Créditos / Rock-cafe

Tornou-se público que o Comité do IVA da União Europeia anuiu à redução do IVA da eletricidade nos termos propostos pelo governo português.

O primeiro-ministro congratulou-se com a decisão, considerando que «valeu a pena ser firme» e ter proposto «um incentivo inovador, ambientalmente responsável e socialmente justo».

O governo solicitou à Comissão Europeia autorização para alterar os critérios do IVA da energia com vista a uma variação da taxa em função dos diferentes escalões de potência.

Recorde-se que, no início do ano, o parlamento chumbou a descida global do IVA da eletricidade, resultado viabilizado através de um concerto de posições entre o PS, o CDS e o PSD. Este último partido retirou, no último momento, a sua proposta de descida global apresentada inicialmente com grande estardalhaço.

A descida do IVA da eletricidade para consumo doméstico marcou a discussão do primeiro orçamento da nova legislatura.

Continua, contudo, a não se conhecer quando e quanto descerá o imposto, isto é, que consumidores serão beneficiados.

«Se o IVA descer apenas para quem tem potência contratada até aos 3,45 kVA ficarão fora da medida de reposição de justiça fiscal, fundamental para inverter a situação introduzida aquando da troika/PSD, pelo menos 2,6 milhões de consumidores (domésticos, pequenas empresas e pequenas unidades agrícolas)»

Existe, na formulação que o governo contrapôs no parlamento aquando da discussão e votação do OE 2020, um vício de raciocínio que indicia incompetência, confusão ou oportunismo: a aplicação de uma redução do IVA apenas aos escalões de potência eléctrica até aos 3,45 kVA (os três escalões mais baixos) não garante, por si só, incentivo ao uso racional da eletricidade, nem maior justiça socioeconómica e responsabilidade ambiental.

A potência contratada representa um custo fixo para o consumidor que é facturado diariamente. Mesmo que não haja consumo de eletricidade paga-se pela disponibilidade de potência (antes falava-se em «aluguer do contador»). O custo cresce com o escalão, e existem treze escalões para uso doméstico, que vão de 1,15 kVA a 41,4 kVA. Para o escalão 3,45 kVA paga-se cerca de 85 euros por ano e, no caso do escalão 13,8 kVA, são cerca de 260 euros.

Existe um total de 6,5 milhões de consumidores de eletricidade em Portugal, sendo que 5,7 milhões são domésticos. No sector residencial (domésticos), os escalões de potência mais usados são os de 3,45 kVA (2,8 milhões de consumidores; 50%) e 6,9 kVA (1,6 milhões de consumidores; 28%).

Se o IVA descer apenas para quem tem potência contratada até aos 3,45 kVA ficarão fora da medida de reposição de justiça fiscal, fundamental para inverter a situação introduzida aquando da troika/PSD, pelo menos 2,6 milhões de consumidores (domésticos, pequenas empresas e pequenas unidades agrícolas). Estes consumidores não são esbanjadores de energia insensíveis às questões ambientais. Para eles a eletricidade é um bem de valor socioeconómico vital.

Poderá o governo argumentar que também estes poderão beneficiar da descida do imposto, bastando, para isso, mudarem os seus contratos para o escalão de potência mais baixo. Por exemplo, uma família formada por um casal, dois filhos e um sénior residindo em conjunto, tendo um contracto estabelecido para uma potência de 6,9 kVA (em muitos casos poderá ser de 13,8 kVA), bastaria mudarem para 3,45 kVA.

Só que isto não é assim tão imediato e fácil quanto imagina o ministro da tutela.

Desde logo há que entender que a escolha de uma determinada potência não é feita aleatoriamente, nem é função apenas da vontade do consumidor. De facto, essa opção, validável através de certificação por técnico competente, tem a ver com o número e potência dos equipamentos existentes na residência.

«Para se conseguir, de facto, racionalizar o consumo energético das famílias é necessário: utilizar eletrodomésticos de classe energética superior, alterar hábitos de consumo de energia, ter sistemas de controlo avançados, estabelecer contratos diferenciados, ter residências construídas de acordo com princípios de conservação energética, etc., ou seja, é necessário que as endividadas famílias portuguesas invistam mais para, depois, poderem poupar»

Tanto a Entidade Reguladora do Serviço Energético (ERSE) como a distribuidora de eletricidade (EDP) indicam a quem tenha um frigorífico, uma máquina de lavar a roupa (até 5 kg), um micro-ondas, uma TV LCD pequena e duas ou três lâmpadas de baixo consumo, que deverá contratar 3,45 kVA (87,5€/ano). E se, para além dos equipamentos indicados, existir mais um aquecedor a óleo e um forno elétrico já terá que contratar 4,6 kVA, situação que subirá para 6,9 kVA se houver também uma máquina de lavar loiça.

Pergunta-se ao governo se entende a existência dos equipamentos acima referidos como luxo desnecessário?!

Mas, há ainda uma outra questão relevante: não basta descer o escalão de potência para que, garantidamente, se passe a consumir menos (em) eletricidade e, sobretudo, se pague menos à comercializadora.

Reduzir a potência contratada, se isso for viável em termos de certificação energética, apenas baixa a fatura no que diz respeito à potência, sendo necessário ter em conta que existe na miríade de ofertas comerciais, muitas em que a componente energia aumenta ao baixar o escalão de potência!

Uma família, como a que se mencionou, poderá gastar com eletricidade entre 2000 e 3000 €/ano de acordo com as cerca de setenta propostas comerciais disponíveis. Incluindo-se o gás natural e a mobilidade eléctrica a factura subirá para 2500 a 3500 €/ano.

Em Portugal a energia situa-se em patamares de preço muito elevados na comparação europeia e, se avaliarmos as taxas de esforço, o panorama piora drasticamente.

Outro facto inquestionável indica que as capitações energéticas portuguesas, no sector doméstico, estão apenas a meio de uma tabela que também é indicador de desenvolvimento e conforto. Não o se pode confundir com a intensidade energética do produto económico industrial que, sendo elevado, deveria descer. Nem se deve esquecer que, em Portugal, se passa muito frio ou demasiado calor em casa.

Para se conseguir, de facto, racionalizar o consumo energético das famílias é necessário: utilizar eletrodomésticos de classe energética superior, alterar hábitos de consumo de energia, ter sistemas de controlo avançados, estabelecer contratos diferenciados, ter residências construídas de acordo com princípios de conservação energética, etc., ou seja, é necessário que as endividadas famílias portuguesas invistam mais para, depois, poderem poupar.

A resolução que o governo vier a aplicar, de acordo com termos e condições que perpassaram nos discursos públicos, será sempre sofrível. Mas, atenção, ainda poderá ser pior.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

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