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A União Europeia na era da sua governabilidade técnica

Mais do que pão para a boca, a defesa da democracia assente nos direitos fundamentais, na liberdade e dignidade humana, deve fazer-se pelo acentuar da soberania política dos Estados-membros.

Créditos / Euro Dicas

A relação entre conhecimento e técnica vem de muito longe. Na Grécia Antiga, episteme e techne, respectivamente, não eram entendidas sob a divisão artificial entre teoria e prática, segundo a qual e com frequência, assumimos a primeira como só conhecimento puro e a segunda como só baseada na experiência real de contacto com o mundo material. Na República de Platão, a ideia de técnica é informada por um conhecimento das formas que nos rodeiam e que é indispensável à prática de governar a cidade. Governar, neste sentido, é tanto conhecimento das técnicas como uma técnica de conhecer. Há uma relação íntima e positiva, mas também contraste. 

Sobrepor esse contraste a tudo o resto é subverter a sua original relação positiva. Da governabilidade técnica da tecnocracia que impera na cúpula da União Europeia germina intencionalidade de esvaziamento político, especialmente do dissente, que tem custado o recrudescimento da desconfiança na democracia. No seguimento, e por consequência, temos registado uma reacção tempestuosa de extremistas e populistas de direita, por vezes aliados por anuência ou silêncio de conservadores e liberais, que redobram as suas forças na descrença dos povos nas instituições. 

Assim, por governabilidade técnica, entendam-se aqui duas qualidades da acção governativa da actual liderança política da União Europeia, sobretudo da Comissão, mas também do BCE. Em primeiro lugar, uma habilidade de governar que traz a si mais poder de impor aos Estados-membros, por via de pactos (o pacto orçamental e a sua regra de ouro). Em segundo lugar, a anulação da discussão e intervenção política sobre esse poder por via de inquestionáveis consensos técnicos, como as decisões do BCE sobre as taxas de juro. 

«Da governabilidade técnica da tecnocracia que impera na cúpula da União Europeia germina intencionalidade de esvaziamento político, especialmente do dissente, que tem custado o recrudescimento da desconfiança na democracia.»

O exercício político, como arte ou habilidade de relação positiva conhecimento-técnica, tem de assentar em posições e opções ideológicas, na sua apresentação clara, na confrontação no seio de parlamentos nacionais soberanos e só então transpostos, pelos deputados eleitos, para o Parlamento Europeu na defesa dos interesses dos seus povos. A era da governabilidade técnica tem procurado esvaziar de capacidade o processo acima descrito.

Este período eleitoral para o Parlamento Europeu é o mais crítico da sua história. As sondagens mostram que a extrema-direita pode acumular uma representação substancial. Os principais líderes europeus têm apresentado um ilusório projecto político único, e impedido as possibilidades de alternativas claras, semeando ao invés uma visão de consenso eterno sob a bandeira da próspera democracia liberal europeia, enquanto dia após dia os seus povos se deparam com um futuro endividado e precário (veja-se o recente pacto das migrações) – território fértil ao ódio que tem sido colhido pelo oportunismo da extrema-direita.

Esta ilusão não é nada mais do que aquilo que a cientista política Chantal Mouffe identificou como a possibilidade de um consenso racional universal capaz de erodir o antagonismo político definidor. O diálogo e a deliberação que ocorrem sob a crença de uma democracia consensualizada absoluta não é condizente com o exercício pleno da democracia porque são sustentados em becos sem saída, sem imaginário de quaisquer alternativas diferentes e significativas.

A anulação do parlamentarismo, a nível nacional e europeu, de diferenças e escolhas claras, substituído pela tecnocracia sem escrutínio tem-se revelado nos pactos e maiorias qualificadas que silenciam e ostracizam o não-alinhamento aos interesses centrais. Tem-se revelado na discricionariedade do BCE e sua política económica (ou seja, que demonstra opções políticas e não meramente técnicas) com especial impacto na vida das pessoas que vivem do seu trabalho. 

A anulação do exercício político como arte de criar e articular alternativas, tem-no reduzido a caixas de concordâncias que vão de Estrasburgo aos parlamentos nacionais e vice-versa, deixando um vazio aos que proliferam eleitoralmente pela política espectáculo das patacoadas, berros, medos, pânicos morais e dissimulações. À falta de pão não falta circo.   

Mais do que pão para a boca, a defesa da democracia assente nos direitos fundamentais, na liberdade e dignidade humana deve fazer-se pelo acentuar da soberania política dos Estados-membros e no equilíbrio dessa com o respeito e cooperação de benefícios mútuos entre Estados e seus povos. O regresso da política como arte de relação positiva de conhecimento e técnica implica erradicar a subversão de falsos consensos técnicos que nos deixam entre a parede da simulação dos tecnocratas e a espada do simulacro dos não-democratas. O voto nestas eleições europeias não pode fugir a esta realidade e tem de considerá-la, arrisco dizer, acima de qualquer outra discussão.

Com todo o respeito pela arte circense, não se deve confundi-la com a do exercício político. Não consta que em Bruxelas ou em Estrasburgo haja falta de marionetes.

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