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|Afeganistão

Presidente afegão oferece tréguas, EUA negoceiam com talibãs

Dez dias após o começo do cerco à cidade de Ghazni, com enormes baixas humanas, o presidente afegão propõe tréguas aos talibãs, entre notícias de negociações directas entre os EUA e aqueles.

Um bombeiro afegão espalha água sobre lojas incendiadas durante o ataque talibã a Ghazni, Afeganistão, em Agosto de 2018.
Um bombeiro afegão espalha água sobre lojas incendiadas durante o ataque talibã a Ghazni, Afeganistão, em Agosto de 2018. CréditosFonte: DNA (Mumbai)

O presidente afegão, Ashraf Ghani, anunciou hoje um cessar-fogo com os talibãs, a partir de segunda-feira e durante três meses, «contando que os talibãs façam o mesmo», segundo a Agência Lusa. «Anuncio um novo cessar-fogo até ao aniversário do profeta (21 de Novembro)», terá afirmado o presidente afegão, durante um discurso televisivo em que tenta salvar a realização das eleições marcadas para Outubro de 2018.

As declarações seguem-se à visita do presidente afegão à cidade cercada, após os combates se terem deslocado do centro para os arredores de Ghazni, noticiou a Al-Jazeera, que citou também fonte da ONU referindo que «a água e a electricidade ainda estavam por restaurar» nesta cidade de 270 mil habitantes.

O último cessar fogo entre o Governo do Afeganistão e os talibãs ocorreu em Junho, para celebrar o final do Ramadão, mas os talibãs emergiram do mesmo mais fortes, como prova o recente ataque à cidade de Ghazni, o qual põe em cheque o governo pró-ocidental afegão antes do começo da campanha eleitoral para as eleições parlamentares, agendadas para 20 de Outubro próximo.

A batalha por Ghazni

Em 09 de Agosto os talibãs lançaram um ataque à cidade de Ghazni, situada no norte do Afeganistão, a cerca de 100 quilómetros da capital do país, Cabul, «provocando a morte de pelo menos 100 membros das forças de segurança» e levando «à morte de de entre 100 a 150 civis», segundo o representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) no Afeganistão, Tadamichi Yamamoto, citado pela Lusa.

Civis em fuga de Ghazni (excepto pela auto-estrada que se encontra «fortemente minada») afirmam ter visto «corpos espalhados por toda a cidade» e as baixas parecem ter ultrapassado as expectativas iniciais. Segundo Abdul Halim Noori, responsável do Crescente Vermelho afegão em Ghazni, as suas equipas continuam a recolher cadáveres nos destroços, que se juntarão aos 270 corpos já recolhidos, sem que tenha precisado quais os números de civis, soldados e combatentes talibãs. Numa única casa encontraram 11 corpos da mesma família, como declarou Noori à Associated Press.

Declarações contraditórias sucederam-se durante a batalha pela cidade, nos últimos 10 dias. Os talibãs atacaram «quartéis de polícia e outros edifícios governamentais» e chegaram a «ameaçar tomar a cidade», segundo deputados e residentes locais citados pelo DNA (Mumbai, Índia), naquele que é o maior ataque desencadeado desde Maio, quando assaltaram a cidade de Farah, no oeste do país.

Segundo a mesma notícia, as autoridades locais teriam avisado «há meses» que esta estratégica cidade, situada na principal auto-estrada que liga Cabul ao sul do país, se encontraria «sob ameaça», com os talibãs a «controlarem a maior parte da província» de Ghazni.

Mohammad Sharif Yaftali, chefe do estado-maior do exército afegão, terá afirmado, em conferência de imprensa, que a cidade «não se encontrava à beira do colapso» e que «decorriam fortes combates para empurrar os talibãs para fora dos limites» daquela capital provincial do Afeganistão. A situação militar, segundo a mesma fonte, caracterizar-se-ia por se manterem nas mãos das forças governamentais «os pontos estratégicos e o centro da cidade», com os talibãs a ocuparem e resistirem em «residências e lojas».

Porém, um deputado de Ghazni que conseguiu falar com residentes na cidade, Chaman Shah Ehtemadi, afirmou que o ataque inicial deixou nas mãos dos talibãs «grande parte da cidade» e que apenas «a sede do governo provincial, esquadras de polícia e o complexo dos serviços secretos» estavam nas mãos do governo. Também Mohammad Rahim Hasanyar, membro do Conselho Provincial de Ghazni, afirmou estarem a decorrer «pesados combates nas áreas residenciais da cidade, com as forças governamentais à defesa», nos primeiros dias do assalto.

Entretanto, sabe-se que a aviação dos EUA tem desencadeado vários ataques aéreos contra as posições talibãs, com vista a conter o seu avanço e a apoiar as forças de Cabul. «Combates esporádicos» foram admitidos pelo porta-voz das forças dos EUA no Afeganistão, tenente-coronel Martin O'Donnell, com «as forças de segurança afegãs a manterem o controlo de todos os centros governamentais», segundo a Reuters.

Americanos já negociavam com talibãs antes da proposta de cessar-fogo

A seguir à oferta de cessar-fogo do presidente afegão o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, apressou-se ontem a saudar a medida e afirmou que «os EUA estão preparados para apoiar e facilitar conversações de paz directas entre o governo afegão e os talibãs», noticia a Reuters.

A realidade, porém, parece ser mais complexa. Tratam-se, segundo tudo indica, de negociações directas entre os EUA e os talibãs, com vista à salvaguarda dos interesses estratégicos americanos na região, em caso de retirada dos mais de 15 mil soldados que mantêm naquele país asiático – e os EUA esperam que o actual presidente afegão, Ashraf Ghani, seja mais complacente para com esse objectivo do que o seu antecessor, Hamid Karzai, que deu passos para negociar directamente com os talibãs sem intervenção americana – algo que não só não foi aceite como, na altura, foi mesmo sabotado por Washington.

Em 13 de Agosto, com a ofensiva sobre Ghazni em curso há quatro dias, o jornal britânico The Guardian noticiava um encontro entre a secretária de Estado-adjunta para a Ásia Central e do Sul, simultaneamente a plenipotenciária (Special Envoy) para o Afeganistão e o Paquistão, Alice Wells, e quatro altos dirigentes talibãs. As conversações – «as primeiras frente-a-frente em sete anos», afirma o jornal – terão decorrido num hotel em Doha, capital do Emirato do Quatar, a 23 de Julho.

Na mesma edição o The Guardian reporta um dirigente da Quetta Shura (conselho tribal talibã, que toma o nome da cidade de Quetta, no Paquistão, onde se presume reúna) como dizendo, ao abrigo do anonimato, terem sido as negociações «muito úteis», prevendo que a próxima ronda seja «mais específica e focada nos tópicos fundamentais». Assim que o processo for iniciado «será sensacional para todos», afirmou o mesmo dirigente, que pretendeu manter o anonimato. O jornal refere que a actual administração afegã não levantou obstáculos aos contactos directos entre os USA e os talibãs, ao contrário do anterior presidente, Hamid Karzai, que em 2011 «afundou esforços similares», entendendo que estes «minavam a autoridade do governo afegão».

Em artigo publicado no Asian Times de 17 de Agosto, Rajeshwari Krishnamurthy, directora do IPCS-Institute of Peace and Conflict Studies, de Nova Delhi (Índia) e especialista em questões de segurança e relações internacionais, considera que «os contactos desenvolvidos» pelos americanos não só «reforçam a principal reivindicação dos talibãs – o não reconhecimento da legitimidade do actual governo afegão», como lhes permitem negociar com os EUA «de igual para igual», como ambicionam há muitos anos.

São os interesses dos EUA que vão ser defendidos, não os do Afeganistão

A referida analista considera que, apesar das «frequentes declarações» americanas de que o processo de paz deve ser «conduzido pelos próprios afegãos», o «estatuto de super-potência» e um «extenso envolvimento no conflito» impedem os EUA de «assumir o papel de negociador imparcial ou neutral».

«A única exigência que eles [os EUA] fizeram foi a manutenção das suas bases militares no Afeganistão», terá declarado um líder talibã ao New York Times, a propósito do encontro de 23 de Julho. Se esta declaração for verdadeira, «não é de admirar que o encontro seja interpretado como uma negociação bilateral entre os talibãs e os EUA» e, nesse caso, terá de levantar-se a questão: com que «legalidade» está Washington a negociar «os termos da sua presença militar futura com outra entidade que não o legítimo governo eleito pelos afegãos»? E, se assim for, «que interesses serviram os EUA no recente encontro»? – interroga-se a referida analista.

À luz destes acontecimentos, a ofensiva dos talibãs em Ghazni assume um objectivo tanto militar como político: o de obrigar o governo afegão a reconhecer publicamente a sua incapacidade seja de continuar a guerra, seja de fazer a paz com os talibãs, vendo-se obrigado a dar carta branca a Washington para tratar directamente o assunto com os eventuais futuros senhores do Afeganistão, a fim de os EUA poderem, sem sobressaltos, perpetuar o seu domínio sobre esta região charneira entre o Médio Oriente, a Ásia Central e a Ásia do Sul.

Esquecidas estão as críticas ao regime «bárbaro» que derrubaram em 2001, por meio de uma intervenção militar cujo pretexto foi «combater o terrorismo» e «libertar o povo afegão», regime ao qual, 17 anos e dezenas de milhares de mortos mais tarde, admitem poder devolver o país.

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