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Na próxima terça-feira, haverá eleições nos EUA. Juntamente com algumas eleições municipais para presidentes de Câmara e outros postos locais; eleições estaduais para governadores, legislaturas estaduais, procuradores gerais e referendos de medidas a nível estadual; estão também em causa, ao nível federal, os lugares para a Casa dos Representantes e um terço dos lugares no Senado. Actualmente, o Partido Republicano (REPs) detém maioria em ambas as casas do Congresso Federal. Dada as taxas de desaprovação de Trump, consistentemente acima dos 50% durante o ano de 2018, o Partido Democrata (DEMs) tem tido alguma esperança de recuperar a Casa ou até mesmo o Senado.

O período de campanha foi marcado pelo processo de nomeação do Juiz Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal dos EUA, que, após grande controvérsia em torno de acusações de agressão sexual, foi confirmado pelo Senado por uma margem mínima. Todo o processo contribuiu para polarizar o eleitorado. As intervenções de Trump, retomando temas da sua campanha presidencial — diabolizar os emigrantes, vilipendiar os seus opositores, atacar a imprensa —, têm contribuído para exaltar a sua base. Será surpreendente que um fervoroso apoiante de Trump, Cesar Sayoc, tenha enviado 14 bombas pelo correio a diversas figuras dos DEMs? E que, dias depois, um anti-semita, que na rede social Gab.com — refúgio dos discursos mais extremistas e violentos — acusou os judeus de ajudarem a «invasão» da caravana de migrantes centro-americanos, tenha matado 11 judeus no Templo Árvore da Vida, em Pittsburgh — o evento mais mortal sobre judeus na história dos EUA? Trump reagiu mecanicamente aos casos tentando proferir as palavras esperadas nestas ocasiões. Mas estas soaram a falso, sobretudo quando, horas depois das palavras oficiais, Trump voltou a instigar as chamas em comícios de campanha, recusando-se a aceitar que o seu discurso inflamatório tenha qualquer responsabilidade.

Todos estes elementos, porém, distraem de toda uma outra realidade que infecta o sistema político dos EUA: este é dominado pelas elites económicas e grandes empresas, onde a voz mais alta é o dinheiro. País da liberdade, que reconheceu o direito à liberdade de expressão (e logo discurso político e contributo financeiro em campanhas) por parte de empresas (decisão do Supremo Tribunal em 2010 conhecida como Citizens United). País onde os que estão no poder reconfiguram os círculos eleitorais por forma a garantir a maximização do número de eleitos do seu partido (engenharia eleitoral conhecida nos EUA como gerrymandering) ou manipulam os critérios de inclusão nos cadernos eleitorais por forma a alienar eleitores do partido adversário. (Esta estratégia poderá ser crítica nas actuais eleições para governador da Geórgia, onde o candidato REP, Brian Kemp, é o secretário de Estado em funções e purgou cerca de meio milhão de eleitores, dificultando a campanha da candidata DEM, Stacey Abrams, uma activista pelos direitos eleitorais.) País onde as três pessoas mais ricas — Jeff Bezos, Bill Gates, e Warren Buffet — têm uma riqueza maior que a metade mais pobre. País onde os ultra-ricos investem milhões de dólares para eleger os seus candidatos, como os Irmãos Koch, que gastaram 250 milhões de dólares nas eleições de 2016 em apoio a candidatos REPs e, apesar de se oporem a Trump em matérias como o comércio livre, prometeram 400 milhões de dólares nas eleições de 2018. Os DEMs também têm os seus financiadores ultra-ricos, como Michael Bloomberg e George Soros (um dos alvos de Sayoc).

Embora algumas campanhas — sobretudo de figuras progressistas, como foi o caso da campanha presidencial de Bernie Sander em 2016 — assentem em contributos modestos de muitas pessoas, cerca de 71% das contribuições são acima de 200 dólares dadas por apenas 0,42% da população. Os contributos financeiros são críticos. A corrida presidencial de 2016 custou 2,4 mil milhões de dólares. Tal não inclui o dinheiro gasto nas corridas para o Senado e a Casa dos Representantes, onde várias campanhas gastam mais de 40 milhões de dólares e 10 milhões de dólares, respectivamente. Em 2016, ao todo, entre campanhas presidenciais e para o Congresso de candidatos de ambos partidos, foram gastos mais de 6,5 mil milhões de dólares. Nas eleições intercalares de 2018, estima-se que o número possa atingir os 5,2 mil milhões de dólares.

«Alimentando o medo, atacando e criando inimigos, fingindo-se adversários do poder político estabelecido, candidatos conservadores, de extrema-direita, «populistas», xenófobos, racistas, misóginos, fascistas têm assumido posições de poder»

 

Com eleições tão caras, ser rico pode ser crítico para iniciar uma campanha. Cerca de metade dos membros do Congresso são milionários. Entre 2007 e 2013, enquanto a riqueza média das famílias estado-unidenses diminuiu um terço, a riqueza média de um membro do Senado subiu de 2,3 para 2,8 milhões de dólares. Um trabalhador raramente terá o tempo e o dinheiro necessários para uma campanha. Ao nível nacional, os trabalhadores assalariados constituem apenas 4% dos candidatos de ambos partidos.

Não é portanto surpreendente que o cidadão médio tenha um efeito negligenciável nas políticas do país. Um estudo de 2014 estimou que as «elites económicas», correspondendo aos 10% mais ricos e representando interesses comerciais, têm uma influência política 15% superior ao cidadão médio, e concluiu que os resultados apoiam um retrato dos EUA como um sistema Dominado pelas Elites Económicas, uma oligarquia.

As forças conservadoras têm conseguido tirar proveito do ambiente criado pela desigualdade e a percepção (fundamentada) de falta de poder político. Alimentando o medo, atacando e criando inimigos, fingindo-se adversários do poder político estabelecido, candidatos conservadores, de extrema-direita, «populistas», xenófobos, racistas, misóginos, fascistas têm assumido posições de poder, fazendo uso da mentira e da propaganda. Cabe às forças de esquerda, progressistas, da paz e da solidariedade unirem-se, resistirem, combaterem e conquistarem o poder.