Segundo os resultados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística dos inquéritos referentes a 2017 nas artes plásticas, foram registados em Portugal 1024 espaços, nos quais foram realizadas 7199 exposições temporárias, sendo expostas um total de 276710 obras. As exposições temporárias atrás referidas foram maioritariamente realizadas em espaços sem fins lucrativos (94,9%) enquanto as galerias de arte e outros espaços de exposições com fins lucrativos realizaram 5,1% do total de exposições1.
Destes dados poderemos deduzir a enorme importância dos centros de arte, galerias e outros espaços municipais, museus, fundações, associações de artistas ou de arte ou ainda em grupos informais na realização de exposições e consequentemente da dinâmica artística e no contexto da divulgação, circulação e legitimação das artes plásticas em Portugal. Estranhamos, assim, um certo desinvestimento e falta de apoio da administração central, e até em alguns casos da administração local, às estruturas do sector público e associativo, já sem falar na quase ausência de divulgação das actividades realizadas por estas estruturas, os poucos artigos publicados nos diversos órgãos de informação referem-se quase em exclusivo a exposições realizadas em galerias de arte ou por projectos com fins comerciais. Esta perversão, em alguns municípios, assume contornos caricatos, viciando o sistema de arte, privilegiando programações e projectos próximos do mercado e dos circuitos nacionais e internacionais de arte.
Existem municípios que apoiam, incentivam e até criaram novos equipamentos para acolher os projectos das estruturas locais, casos como Setúbal, Vila Nova de Gaia ou Moita, existem outros que concorrem com estas, umas vezes negando o seu acesso aos espaços municipais, tanto de criação como de exposição, ocupados quase em exclusivo pela programação municipal, como poderemos agora assistir em Almada, ou dando toda a gestão dos espaços expositivos municipais a uma empresa privada, como é o caso da EGEAC em Lisboa. Os espaços municipais devem ser espaços activos e interactivos de serviço público, com uma política cultural clara e com objectivos bem definidos, estes espaços devem funcionar como um centro comunitário onde se possa facilmente aceder, mas que sejam também espaços de reflexão, criando hábitos de fruição permanente e de crítica, possibilitando o conhecimento e uma relação directa de proximidade entre a comunidade e a criação artística.
A Sociedade Nacional de Belas Artes2 (SNBA) é a mais antiga e a mais representativa associação de artes plásticas em Portugal. A SNBA foi fundada em 1901, resultando da «fusão de duas prestigiosas associações de artistas, a Sociedade Promotora (1860) e o Grémio Artístico (1890), este descendente do conhecido «Grupo do Leão»3». Desde então, tem desenvolvido exposições, conferências, ciclos de palestras, workshops e Cursos de Formação Artística, sendo também pioneira em Portugal no ensino do Design e da Sociologia da Arte. Salientamos as Exposições dos Independentes, em 1930 e 1935, as Exposições Gerais de Artes Plásticas organizadas entre 1946 e 1956 e as exposições temáticas na década de 70 que afirmaram artistas e as novas tendências na arte portuguesa. Na actual programação da SNBA registamos as exposições A chuva cai ao contrário de João Jacinto e O Impulso Utópico de Susana Piteira.
João Jacinto realizou uma intervenção com 24 desenhos-pinturas, concebidos especificamente para o Salão da SNBA, que poderá ser visitada até 20 de Julho. «Discreta e silenciosamente, João Jacinto vem desenvolvendo um dos percursos mais radicais do campo da arte contemporânea em Portugal»4, é como o curador Nuno Faria descreve a obra de João Jacinto. Este artista tem vindo a apresentar um trabalho que se caracteriza pela fisicalidade, acumulação de materiais e de cores e o excesso, entre outras características da pintura informal, recorrendo a temas que vão desde paisagens abstractas, auto-retratos e flores. «A natureza aparece aqui, nos desenhos-pinturas de João Jacinto, mais do que tematizada, coisificada (justamente) pelo efeito de repetição, em modo panorâmico e cíclico, contrariando o tempo linear, irreversível e degenerativo que o modo teológico quis impor»5.
A exposição de Susana Piteira está na Galeria Pintor Fernando de Azevedo, na SNBA, até 29 de Julho. A artista utiliza diferentes materiais, o mármore, o vidro, pastas cerâmicas, o têxtil, o papel e o desenho a grafite e a lápis de cor, além das obras expostas nos dois pisos poderá ainda assistir a dois vídeos que documentam alguns dos seus projectos. Acerca do seu percurso Susana Piteira afirmou: «levo até ao extremo as capacidades físicas do material. Outra componente é a afirmação do feminino, especialmente na primeira fase do meu trabalho, sobretudo pela sensualidade»6.
Maus Hábitos7 é um espaço único e de grande referência na vida cultural do Porto, foi criado em 2001, é muito experimental, muito informal e inclui na sua programação diversas parcerias e colaborações artísticas, uma delas é com a Saco Azul, uma associação cultural formada por artistas que desenvolve actualmente a sua programação. Desta programação estão agora duas exposições, uma de fotografia, GL 574, de Carla Castiajo, inserida no ciclo «A Política das Imagens» e que podemos visitar até 24 de Julho, no texto de apresentação o curador João Baeta diz-nos que «esta estátua mutilada, esta forma mítica está privada do seu mundo, já não transmite qualquer espécie de grandeza social. Não exprime nenhum sentimento, não propõe nenhuma acção, no entanto, a superfície parece que "olha" o espectador por todos os lados». A outra exposição é uma vídeo-instalação, que tem como título FAZ QUE VAI, de Bárbara Wagner & Benjamin de Burca, com curadoria de Moacir dos Anjos e pode ser visitada até 28 de Julho, sobre ela o curador refere que «”Faz que vai, mas não vai” é o nome dado a um dos muitos passos do frevo, forma de música e de dança inventada no Recife entre o final do Século XIX e início do seguinte. Para historiadores, a origem do frevo pode ser buscada na articulação feita entre ritmos diversos (marchas militares, maxixes, dobrados, quadrilhas) que calharam de coexistir em período de acelerada urbanização e de importantes mudanças sociais no Brasil, como a abolição da escravatura e a instituição da República».
O projecto de programação Cidadão Exemplar, composto por três artistas, foi criado em 2012 em Almada e organiza regularmente exposições e ciclos de debates em diversos locais de Almada. Da sua programação, poderemos agora destacar a exposição «...e até Platão tinha um corpo» de Luís Miranda, no Teatro-Estúdio António Assunção8, até 28 de Julho. Esta série de desenhos foi iniciada em 2017 e segundo o autor, ainda não está terminada. Os trabalhos agora apresentados «são iniciados com café e tinta da china sobre papéis de origem variada (revistas, jornais, toalhetes, guardanapos, embrulhos...) e trabalhados posteriormente com lápis de cor, pastéis e acrílicos». Ainda segundo o autor, a sua temática «gira em torno do corpo como matéria em transformação, desagregando a unidade do eu como uma história, e a possibilidade, ou não, de uma nova reconstituição individualizada».
A Bienal de Pintura de Pequeno Formato – Prémio Joaquim Afonso Madeira é uma organização conjunta da Câmara Municipal da Moita, Junta de Freguesia de Alhos Vedros e CACAV - Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros e já se realiza desde 2003. A exposição dos trabalhos seleccionados e premiados da IX Bienal de Pintura inaugurou no dia 6 de Julho e poderá ser visitada, até 28 de Julho, no Moinho de Maré em Alhos Vedros9.
- 1. INE - Estatísticas da Cultura – 2017 (Ano de Edição: 2018)
- 2. SNBA – R.Barata Salgueiro, n.º 36 1250-044 Lisboa. Horário: de segunda a sexta-feira (excepto feriados), das 12h às 19h e sábados das 14hàs 20h.
- 3. Notas da História da SNBA aqui.
- 4. Nuno Faria, curador da exposição A Chuva cai ao contrário de João Jacinto na SNBA [18 de Junho a 20 de Julho de 2019], Catálogo Fundação Carmona e Costa, 2019.
- 5. Ibidem.
- 6. Entrevista a Susana Piteira por Ana Sofia Rosado, jornal Primeiro de Janeiro, 2006.
- 7. Maus Hábitos – R.Passos Manuel 178, 4º 4000-382 Porto. Horário: terça 12h-00h; quarta e quinta 12h-02h; sexta e sábado 12h-04h; domingo 12h-17h.
- 8. Teatro-Estúdio António Assunção - R.Conde Ferreira, 2800-016 Almada. Horário: quarta a sábado 14h30-17h30 e durante as actividades programadas; domingos durante as actividades programadas.
- 9. Moinho de Maré - Largo do Descarregador 2860 Alhos Vedros. Horário: sexta-feira e sábado, das 15:00h às 19:00h e das 21h às 23h; e domingo das 15h às 19h.
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