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Crimes sem castigo

O relatório Chilcot demonstra que, nos meses antes da invasão, os EUA e a Grã-Bretanha apenas consideravam a opção militar. O único tipo de diplomacia que praticaram foi com o objectivo de angariar apoios à invasão.

Tony Blair e Durão Barroso foram dois dos líderes que participaram na cimeira das Lajes
Tony Blair e Durão Barroso foram dois dos líderes que participaram na cimeira das LajesCréditos

No passado dia 6 de Julho foi apresentado o relatório da comissão britânica encarregada, em 2009, de averiguar o envolvimento do Grã-Bretanha na invasão do Iraque de 2003. Para muitos, o relatório Chilcot nada traz de novo. Por exemplo, Tony Blair sempre havia negado que prometera a participação da Grã-Bretanha numa invasão do Iraque, mas o relatório revela uma carta de Blair a George W. Bush onde ele faz isso mesmo, indicando que a decisão já estava tomada pelo menos oito meses antes da invasão.

Mas não é novidade que a decisão de invadir em muito precedeu a operação militar. Há muito que se sabe que os neoconservadores nos EUA (cujas políticas externas o trabalhista Blair apoiava) tinham em mente mudanças de regime no Afeganistão, Iraque, Síria, Libano, Somália, Sudão e Irão, planos que se tornaram operacionais após o 11 de Setembro, prosseguindo ainda hoje.

Podemos hoje consultar os documentos dos grupos de reflexão (think tank) neoconservadores, como o Projecto para o Novo Século Americano, e obter uma agenda militar imperialista tão detalhada como o Plano Schlieffen. Preocupante é saber que este grupo, que contribuiu com ideias e pessoas para a administração de Bush (como Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz), incluiu também Robert Kagan, apoiante de Hillary Clinton com quem trabalhou. Aliás, a esposa de Kagan, Victoria Nuland, uma das arquitectas do golpe na Ucrânia, é também próxima de Hillary Clinton, demonstrando que, no que toca a política externa, o programa neoconservador tem todas as condições para prosseguir numa administração Clinton.

O relatório demonstra assim que nos meses antes da invasão os EUA e a Grã-Bretanha apenas consideravam a opção militar. O único tipo de diplomacia que praticaram foi com o objectivo de angariar apoios à invasão. Esta postura veio a repetir-se mais recentemente na Síria e na Líbia. Recorde-se que foram os esforços diplomáticos da Rússia que lograram evitar uma escalada depois da Síria supostamente ter usado armas químicas (e ter ultrapassado a linha vermelha de Obama); ou as inúmeras tentativas de abertura diplomática por parte de Gadhafi, repetidamente desconsideradas pela secretária de Estado Hillary Clinton.

O relatório Chilcot estabelece também que Blair exagerou e falsificou informação para criar a ilusão que Saddam constituía um perigo imediato, que exigia uma resposta militar rápida, como poderia mesmo constituir uma auto-defesa. Inclui-se aqui a afirmação (sem quaisquer sustento) de que o Iraque poderia atacar a Grã-Bretanha com armas de destruição massiva em 45 minutos. A refutação deste argumento vem juntar-se a outras, como os tubos de alumínio ou o urânio bruto (yellow cake) do Niger, entre muitos outros.

Estabelece-se, mais uma vez, que quando os governantes querem guerra ou têm pretensões geoestratégicas, não olharão a meios para enganar o povo, desde incutir o medo com falsidades a galvanizá-lo com falsos objectivos, como defender direitos humanos. É pois necessário exercer cepticismo e ser-se exigente quando são apresentadas “provas” que pretendem conduzir a uma intervenção (ou sanções), e não permitir tomadas de decisão precipitadas.

Numa situação tensa, como por exemplo entre a NATO e a Rússia, um episódio menor, real ou cozinhado, pode ser instrumentalizado para conduzir a uma escalada. Recorde-se a importância que os disparos sobre a Praça Maiden tiveram para legitimar o golpe na Ucrânia, supostamente da responsabilidade do então governo mas mais tarde comprovados como terem sido de elementos de extrema-direita.

Apesar da demora de sete anos para produzir o seu relatório, a Comissão de Inquérito não integrou toda a informação possível. Não entrevistou, por exemplo, Katharine Gun, a linguista que trabalhava no Quartel-General de Comunicações do Governo Britânico (GCHQ), e que trouxe a público um correio electrónico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA indicando que esta, durante a preparação para discutir a resolução autorizando acção militar no Iraque, em 2003, tinha os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (NU) sob escuta.

Esta espionagem não foi pontual, como demonstraram alguns dos documentos libertados por Edward Snowden, revelando que a NSA manteve escutas na sede das NU e da União Europeia, sobre a Agência Internacional de Energia Atómica e sobre 80 embaixadas pelo mundo. Apesar de alguns protestos de líderes mundiais, estes crimes de espionagem não foram punidos.

E eis que chegamos onde o relatório Chilcot também fica aquém. Esta confirmação oficiosa e fundamentada de que Blair manipulou e mentiu para levar a Grã-Bretanha a entrar numa guerra é importante e deve servir como lição para os cidadãos. Mas só servirá de lição para os políticos se houver repercursões, não meramente políticas mas criminais. Tamanha subversão do poder concedido pelo eleitorado, com custos em vidas, não deve nem pode permanecer imune. Não bastam pedidos de desculpa. Há que haver consequências.

Também em Portugal cabe averiguar o que sabiam Durão Barroso e Paulo Portas, os anfitriões da cimeira das Lages, onde em Março de 2003 foi tomada a decisão de invadir o Iraque. O PCP já pediu a presença destes ex-dirigentes na Assembleia da República, para darem explicações sobre o envolvimento de Portugal na guerra do Iraque.

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