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|Revolução

Contra tudo e contra todos, a Comuna dá voz ao povo de Paris

Apesar das manobras do governo de Versalhes, o Comité Central cumpriu a sua palavra e cerca de 230 mil parisienses elegeram os seus representantes na Comuna. Uma maioria de operários e trabalhadores tomará posse no novo órgão de governo.

Ilustração Manuel San Payo
Ilustração Manuel San PayoCréditosManuel San Payo

Em Abril de 1871, no auge da Comuna de Paris, sete mil trabalhadores londrinos organizaram uma manifestação em solidariedade com os seus camaradas parisienses, marchando desde aquilo a que a imprensa burguesa britânica chamou «a nossa Belleville»– a área Clerkenwell Green – até Hyde Park sob condições meteorológicas terríveis. Empunhavam bandeiras com os slogans «Viva a Comuna!» e «Viva a República Universal!».

Nessa mesma semana, no anfiteatro da Escola de Medicina da Sorbonne, abandonada pelos seus professores – todos eles fugiram para Versalhes –,  artistas e artesãos parisienses («todas as inteligências artísticas») ouviram Eugène Pottier ler o manifesto da Federação de Artistas de Paris, que conclui com a frase: «O comité contribuirá para a nossa regeneração, para a inauguração do luxo comunitário e dos esplendores do futuro, e para a República Universal».

«Comuna» e «República Universal» representam dois elementos fundamentais do imaginário político da Comuna de Paris, duas expressões cuja carga afectiva transborda qualquer conteúdo semântico preciso. Mas a repetição destes termos ao longo dos últimos anos do Império, o cerco do capital e a própria insurreição expressaram o desejo dos comunas de uma vida social organizada de acordo com os princípios da participação e da descentralização.

A noite de todos os canhões

Na noite de 17-18 de Março de 1871, Adolphe Thiers, chefe do governo francês, ordenou a remoção dos canhões da Guarda Nacional dos parques de artilharia de Buttes-Chaumont, Batignolles, Montmartre... Mas estes canhões foram pagos pelos parisienses. O guarda recusa-se. Às 5h30 da manhã, as tropas ocupam as ruas de Paris. Os despachos militares seguem uns aos outros. Às «10h 20. Muita excitação no 12.º bairro [arrondissement]. Os guardas nacionais bloquearam a rua de la Roquette com duas barricadas; outros estão a descer em direcção à Bastilha... 10h30. Muito más notícias de Montmartre. As tropas não quiseram agir.» As peças de artilharia foram recapturadas pelos rebeldes e os guardas nacionais, aprisionados pelo exército, foram libertados. «A população dos bairros da classe trabalhadora está na rua, desde Belleville até à barrière d'Enfer (Place Denfert-Rochereau). Em Montmartre, as mulheres e crianças opuseram-se fortemente aos oficiais do 88.º regimento. As donas de casa agarraram as rédeas dos cavalos, cortaram os arreios, gritaram: «Não dispararás contra o povo!»

O 88.º confraterniza com a multidão. Louise Michel, célebre activista da Comuna, correu com a sua espingarda: «Subimos a toda a velocidade, sabendo que no topo havia um exército à distância em formação de batalha. Pensávamos que estávamos a morrer pela liberdade. Era como se fossemos os erguidos da terra. Se tivéssemos morrido, Paris teria ressuscitado. As multidões, em certos momentos, são a vanguarda do oceano humano. A colina foi envolvida por uma luz branca, um esplêndido amanhecer de libertação. (...) Não foi a morte que nos esperava no Buttes (...) mas a surpresa de uma vitória popular». Os generais Claude Martin Lecomte e Jacques Léonard Thomas (conhecido como Clément-Thomas), prisioneiros dos soldados rebeldes, foram fuzilados na rua des Rosiers. Para Louise Michel, «a Revolução foi feita. Lecomte, preso no momento em que pela terceira vez comandou o incêndio, foi conduzido à rue des Rosiers onde se juntou a Clément-Thomas, reconhecido disfarçado de civil, enquanto estudava as barricadas de Montmartre. De acordo com as leis da guerra, eles deveriam perecer. (...) Na noite de 18 de Março, os oficiais que tinham sido feitos prisioneiros com Lecomte e Clément-Thomas foram libertados».

A maioria dos historiadores situa o início da Comuna em 18 de Março de 1871, com aquilo a que Karl Marx chamou «tentativa de arrombamento» de Adolphe Thiers, primeiro-ministro de França, a sua decisão de confiscar as armas da Guarda Nacional, e as reacções que esta provocou. No seu relato, a insurreição aparece como uma revolta espontânea, ligada a uma onda de «patriotismo mal orientado» – como disse o próprio Thiers –, devido às circunstâncias particulares da guerra franco-prussiana.

Contudo, se começarmos, não com esta reacção espontânea, mas com as reuniões de trabalhadores no fim do Império, surge um quadro completamente diferente. Vemos certas ideias ganharem gradualmente importância. As reuniões dos clubes políticos do norte de Paris, o sítio mais revolucionário, abriram e fecharam com o grito de «Viva a Comuna!» e as expressões «República Universal» e «República dos Trabalhadores» foram utilizadas indistintamente. Estes encontros criaram e desenvolveram a ideia de uma comunidade social: o desejo de substituir um governo de traidores e incompetentes com a cooperação directa de todas as energias e inteligência.

A política tem horror ao vazio

Depois da derrota, Thiers tentou mergulhar Paris no caos e privá-la de todos os serviços estatais.

«Procurávamos em vão o governo, não para o defender mas para o derrubar», como ironizava o personagem, criado por Henry Monnier, Joseph Prudhomme, «mas o governo não estava em parte nenhuma».

O governo francês tinha dado a ordem que, sob a ameaça de despedimento, todos os funcionários públicos tinham que retirar para Versalhes, levando os seus instrumentos de trabalho e mesmo os seus arquivos. Medida extrema nunca vista e que nunca tinha acontecido, nem mesmo durante a invasão das tropas prussianas.

Durante a guerra, o excelente e diligente presidente da câmara de Nancy acordou com a cidade dividida entre as tropas napoleónicas e os invasores prussianos, o que não impediu a continuação da sua actividade burocrática. Em metade das cartas, o esforçado autarca, assinava em nome do imperador Napoleão, e na outra metade, em nome do rei Guilherme. Tudo corria bem, desde que não se enganasse no endereço.

O facto dos prussianos ocuparem Alsácia, Lorena, Normandia e marcharem em Paris não tinha justificado a interrupção dos serviços e burocracia governamental, mas os trabalhadores, republicanos, socialistas e anarquistas tomarem Paris é uma ameaça intolerável. Sob esse poder da plebe não se pode autorizar que se casem ou façam testamentos.

É o governo de Versalhes que acaba por inaugurar o período revolucionário ao deixar toda a capital sem Estado.

É no jornal Officiel, de 21 de Março, que o Comité Central da Guarda Nacional faz saber a sua intenção: «Os proletários da capital, no meio das fraquezas e traições das classes governantes, compreenderam que tinha chegado a hora de salvarem a situação tomando em mãos a direcção dos assuntos públicos. Assim que chegaram ao poder, apressaram-se a convocar eleições para o povo de Paris. Não há na História um governo provisório que mais se tenha apressado a depor o seu mandato. (…) A burguesia, mais velha do que eles, que conseguiu emancipar-se há mais de três quartos de século, não compreende que chegou hoje a hora de o proletariado se emancipar? Por que persiste ela em recusar ao proletariado a sua parte legítima?»

A 26 de Março de 1871, 229 167 eleitores parisienses foram às urnas para eleger o órgão municipal de «Paris, cidade livre». Uma maioria revolucionária ganhou. Socialistas, blanquistas, republicanos radicais e moderados compunham esta nova assembleia, em que os trabalhadores manuais eram os mais numerosos, juntamente com empregados, artesãos e patrões, jornalistas e membros das profissões liberais, a maioria dos quais eram homens jovens. Privadas do direito de voto, as mulheres estão ausentes. Não há cidadãos do sexo feminino para legislar «questões sociais». Contudo, as mulheres são activas e empenhadas - e, como Jules Vallès escreveu: «grande sinal, quando as mulheres se envolvem, quando a dona de casa empurra o seu homem, quando ela rasga o pano negro de casa para o plantar, como bandeira, entre duas pedras de paralelepípedos, significa que o sol se levantará sobre uma cidade em revolta».

O governo de Versalhes não aceitava a escolha do povo da cidade. «As eleições não tiverem o concurso dos cidadãos amigos da ordem», vociferava Thiers, pelo telégrafo, isto apesar da participação eleitoral ter sido muito superior a anteriores eleições. «Não foram em liberdade», telegrafava mais uma vez o chefe do governo francês, isto apesar de muitos adversários do Comité Central terem sido eleitos, como Louis Blanc, com 5 680 votos, e Vautrain com 5 133 votos.

Em Versalhes, Thiers arengava na tribuna: «A França não deixará triunfar dentro de si os miseráveis que a querem cobrir de sangue».

No dia 28 de Março, 24 horas depois, mais de 200 mil desses «miseráveis» foram ao Hôtel-de-Ville (Câmara Municipal) dar posse aos eleitos. «O Comité Central entrega os seus poderes à Comuna. Cidadãos, estou demasiado feliz para pronunciar um discurso. Permiti-me apenas glorificar o povo de Paris pelo grande exemplo que acaba de dar ao mundo», diz o pintor Gabriel Ranvier no palanque. O desafio estava lançado.

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