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Porta a Porta. «A habitação não pode servir como mercadoria para especular»

Protestos pelo direito à habitação saem à rua este sábado, em mais de 20 cidades, de Norte a Sul. Numa entrevista ao AbrilAbril, André Escoval, do movimento Porta a Porta, diz que o Governo precisa de acordar para o problema e inverter a política que está a deixar cada vez mais pessoas sem tecto.

Créditos / Porta a Porta

Soubemos recentemente que cada vez mais famílias se instalam em tendas na Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, enquanto outras avançam para a partilha de casa. Que realidades vos chegam?

As realidades que nos têm chegado são de diversa ordem. Esses dois exemplos são bastante claros do drama que se vive actualmente. Há outros mais conhecidos; da cama quente, os episódios mais trágicos de imigrantes a habitarem nos próprios carros, e depois há outra componente, muito larga, do problema da habitação, que vem do grande número de famílias com o futuro hipotecado, nomeadamente jovens que adiam a sua saída de casa, a sua emancipação e autonomia devido às dificuldades de acesso à habitação. É um problema muito vasto. O problema dos trabalhadores que, tendo um trabalho fixo, um salário em concreto, e mesmo assim não conseguem fazer face às despesas com a habitação, é talvez o elemento mais gritante daqueles que são afectados pelo problema da habitação em concreto.

No próximo sábado vão realizar-se acções pelo direito à habitação, em mais de 20 cidades, de Norte a Sul. Qual é o sentimento no terreno?

Nos últimos dias temos conhecido uma grande adesão de Norte a Sul do país às acções que vão realizar-se. Começou por ser Lisboa, logo de seguida juntou-se o Porto e depois foi um pouco a força de vontade das pessoas de se levantarem e dizerem não ao problema com que estamos confrontados que foi gerando esta onda, que é uma onda que parte do problema em concreto para se agir na resolução. Se calhar será uma manifestação histórica no nosso país: mais de 20 cidades com grandes acções a decorrer em simultâneo.

O Porta a Porta deu um contributo muito importante para este processo. Será dos poucos movimentos a nível nacional que, com uma estrutura organizada, participará nas 22 acções que estão convocadas. Enfim, temos feito o nosso papel na procura da unidade. Este é um problema que só se resolverá efectivamente pela luta da população em torno desta matéria. Nós vimos a reacção do Governo a seguir ao dia 1 de Abril, vemos agora estas medidas que antecipam o 30 de Setembro, de algum modo a procurar pôr água na fervura e a atirar areia para os olhos, mas a população, tendo em conta a dimensão do problema, já não se deixa equivocar com falsas soluções. E felizmente há esta adesão à luta que é fruto da organização e de muito trabalho unitário desenvolvido por muitos movimentos no terreno, onde o Porta a Porta, com esta dimensão nacional, tem um papel muito relevante.

Porque o problema da habitação deixou de ser exclusivo dos grandes centros urbanos...  

É um problema transversal a todo o País, se olharmos para os preços médios do arrendamento percebemos a dimensão do problema. É raro o distrito do País em que um salário mínimo basta para arrendar um T1, ora isto dá-nos a proporção da dificuldade. Os valores médios do arrendamento rondam os 700 euros hoje em dia, se tivermos em conta o todo nacional. A partir do salário mínimo percebemos a dimensão geral do problema, mas isto depois tem realidades diversas entre si. Por exemplo, um T2 em Lisboa custa cerca de 1800 euros, hoje em dia. Portanto, dois salários mínimos não fazem face à despesa com a habitação e isso tem trazido muita gente que até há pouco tempo não se via confrontada com o problema. 

No final de Agosto, o representante dos proprietários dizia não haver «justificação possível» para voltar a travar a actualização das rendas, em 2024. A verdade é que, e como já referido aqui, trabalhar deixou de ser suficiente para manter um tecto, mas ninguém fala da necessidade de se aumentarem os salários.

Ninguém fala do aumento dos salários, tal como ninguém fala de outro aspecto, é que a habitação é só uma componente das despesas fixas das famílias. Depois, como é que se faz face à alimentação, à educação, às questões de saúde, à vida propriamente dita? Nós temos dito e insistimos muito nesta ideia: o que devia estar hoje na ordem do dia da discussão não é quanto é que as rendas vão aumentar ou se vão aumentar, o que se exige ao Governo é uma política que faça efectivamente baixar os preços da habitação, e isso é obrigatoriamente baixar os custos com a prestação da casa, o crédito, e baixar os preços das rendas.

Esta era a discussão que nós precisávamos de travar hoje no nosso país. Aquilo a que estamos assistir, com este tempo que medeia entre a incerteza das medidas que o Governo vai tomar ou não, é a mais uma vaga de despejos, mais uma vaga de extinções de contratos, para os próprios senhorios anteciparem aquilo que é o movimento do Governo: famílias a serem postas na rua, hoje, para a mesma casa ser alugada amanhã, se calhar pelo dobro do preço, para fugirem a eventuais medidas que o Governo tome. Em contrapartida, por exemplo, quando o Governo quis terminar com as bonificações aos certificados de aforro não disse nada a ninguém, fez do dia para a noite e este problema não se colocou. Há, portanto, uma opção política de fundo a gerar este problema e nós precisamos de discutir como é que fazemos baixar os custos com a habitação, independentemente se é de renda ou se é de crédito, e não esta discussão em torno de quanto ou como é que vai subir, ou como é que estagnamos os preços no patamar em que estão. Ora, no patamar em que estão não podem estagnar porque já vimos as consequências directas na vida das pessoas.

Entretanto, continuamos a assistir a lucros escandalosos da banca, graças à subida das taxas de juro que asfixia cada vez mais famílias.

Foi muito curioso, nesta volta que a ministra da Habitação fez para supostamente ouvir os representantes dos proprietários e dos inquilinos, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Menezes Leitão, dizer que o conjunto de propostas do Governo que estavam em cima da mesa só deixavam uma das partes intocada e essa parte era a banca. São os próprios proprietários que já assumem isso, sem nenhum tipo de pejo; existirem 11 milhões de euros por dia fruto desse lucro diário que vem do crédito à habitação. As famílias a irem para a rua e a banca continuar a engordar é uma contradição insanável. O Governo só alterará a política da habitação quando decidir, efectivamente, colocar os lucros da banca em causa, e é isso que se exige nesta fase. 

Para além disso, o que é que o Governo deveria estar a fazer?

Aquilo que o Porta a Porta tem vindo a colocar em cima da mesa é que são necessárias medidas que façam baixar os custos com a habitação. No concreto dizemos que deveria ser fixado pelo Governo um limite de 35% do valor de pagamento das prestações nos créditos das famílias. Portanto, nenhuma família paga mais do que 35% do seu salário líquido na prestação ao banco. Isto para quê? Para permitir que as pessoas tenham vida, ao mesmo tempo que têm tecto, terem vida. E dizemos outra coisa, que isto era facilmente solucionável se o Governo determinasse que se aplica aos créditos hoje vigentes a prestação que vigorava no momento em que as taxas de juro começaram a subir, portanto, em Julho de 2022. Isto é das opções do próprio Governo, vimos agora medidas que não têm sequer este alcance, mas que o Governo aprovou em Conselho de Ministros. Tomar estas que nós propomos também só depende da decisão do Governo. É uma opção política. 

Relativamente ao arrendamento, aquilo que nós dizemos é que deveria existir, tendo em conta o estado actual do mercado de arrendamento, uma garantia de renovação dos actuais contratos. Precisamos de dar estabilidade e perspectiva duradoura aos contratos que hoje existem, exactamente para não acontecer aquilo de que falávamos há pouco, que é caducar um contrato hoje para fazer o mesmo contrato amanhã, talvez até com a mesma família, pelo dobro do valor. O Governo deveria emitir uma proibição desta possibilidade e alargando o espectro dos contratos dávamos alguma estabilidade ao mercado do arrendamento. Deveríamos começar a discutir como é que se faz a regulação do mercado do arrendamento na perspectiva da fixação dos preços, é um debate que se impõe. Mas há também uma necessidade profunda de aumentarmos a oferta de património público no mercado de arrendamento, porque aumentando a oferta os preços também irão descer no imediato. Ou seja, continuamos a falar de medidas que só dependem do Governo, apesar de continuarmos a vê-lo dizer que são interesses que não podem ser postos em causa.

Nós temos uma concepção muito clara: o direito à habitação é um direito social de fundo. A habitação não pode servir como mercadoria para especular. Portanto, a função social da propriedade tem que ser posta à frente do lucro da banca. Enquanto o Governo não tomar esta opção de fundo ficam difíceis todas as soluções que é necessário tomar, sendo que na habitação não há uma única solução que resolva o problema, tem que ser o conjunto das medidas a fazer alterar o processo e é esse conjunto de medidas que temos vindo a pôr em cima da mesa. Estas duas, relativamente às rendas e aos créditos, são aquelas que são mais imediatas e necessárias, mas ao mesmo tempo é preciso defender o fim dos despejos e o pôr em causa a morada de família. Com este pacote Mais Habitação, o Governo foi muito célere a tomar medidas que facilitam os despejos. Hoje concretiza-se um despejo em menos de um mês e isso em nada protege as família. No nosso entender, essa é uma das medidas que precisa de ser imediatamente revogada porque são famílias que estamos a atirar diariamente para a rua, para os carros, para o regime de cama quente, para as casas partilhadas, pondo em causa a médio prazo a sociedade tal como a conhecemos. 

Menezes Leitão dizia, ainda a propósito da possibilidade de novo travão no próximo ano, que o problema da habitação «não se resolve com ideologia». Mas tem sido precisamente a lógica neoliberal a alimentar o drama com que as famílias estão confrontadas...

Como se a proposta que ele está a fazer não seja uma componente ideológica da reflexão e como se o Governo não estivesse também a tomar uma posição de fundo, ideológica, quando decide manter as coisas como estão. Essa tem sido a falácia que, sucessivamente, os governos têm vendido: que o mercado se regula, que encontrará as soluções e que isto irá lá pelo funcionamento do mercado. Ora, o que temos visto é que cada vez mais os fundos imobiliários, os especuladores e a banca acumulam lucros, os preços das casas continuam a subir, a oferta diminui e aqueles que precisam de casa vêem o seu problema cada vez mais agudizado. Não acreditamos nisso, entendemos que o Governo tem um dever constitucional de intervir na defesa da habitação como um bem essencial à vida humana, a tal função social da habitação e da propriedade, por isso entendemos que o Governo precisa de agir e há aqui uma questão que é de fundo, a função social da propriedade prevalece sobre a propriedade como mercadoria, como elemento gerador de riqueza.

«Na habitação não há uma única solução que resolva o problema, tem que ser o conjunto das medidas a fazer alterar o processo e é esse conjunto de medidas que temos vindo a pôr em cima da mesa.»

É óbvio que não podemos misturar tudo no mesmo saco. Uma família que aluga uma casa que recebeu de herança não é a mesma coisa que um proprietário que tem dez imóveis ou um fundo que tem um grande leque de propriedades a explorar. O Governo também tem ao seu alcance instrumentos para fazer essa diferenciação, até porque os pequenos proprietários estão a ser atingidos por esta medida. Os pequenos proprietários têm família, se calhar estão a tirar casas do mercado de arrendamento para dar casas aos seus. Não é tudo igual e o Governo deve agir no âmbito da Constituição da República, porque é isso que lhe compete.

A propósito de «não misturar tudo no mesmo saco», como é que olham para o debate em torno do alojamento local?

Muitas vezes, o Governo tem tentado pôr o problema no alojamento local, procurando uma antagonização de posições entre partes. Importa dizer que o alojamento turístico é um problema nas zonas de grave carência habitacional e aí ele deve ser posto em causa. Não em 2030, como o Governo colocou no programa Mais Habitação, mas desde já, porque as famílias precisam de habitação hoje, precisam de casa para morar e nos sítios de grave pressão urbanística é agora que a gente precisa de olhar para essa matéria. Mas, mais uma vez, com medidas diferenciadas.

Aquilo que em Santa Maria Maior (Lisboa), em Lagos (Algarve) ou no Porto é um problema dada a dimensão que o turismo ganhou dentro destas cidades e o problema que causou em termos de habitação, não é igual, por exemplo, ao que acontece na Guarda, em Castelo Branco,ao Alentejo, onde o alojamento local tem sido um motor de desenvolvimento económico. Portanto, são precisas medidas que harmonizem a convivência destas duas necessidades, por um lado, o desenvolvimento do Interior, e tem-se provado que o investimento no Interior tem retorno. Portanto, é possível transferir licenças que hoje existam no quadro das cidades do litoral, onde o problema é mais grave, para o Interior, salvaguardando os interesses dos investidores nessa matéria, mas ao mesmo tempo criando soluções para a habitação pública e permanente, que é o que é necessário nesta fase. E também aí o Governo devia assumir um papel claro e não com tibiezas, onde fazendo de conta que toma medidas, atira qualquer medida para lá de 2030, e isso de modo nenhum nos deixa confortáveis, nem entendemos que sejam uma solução para o problema que vivemos actualmente.

Apesar de ser um direito constitucional, o Estado nunca foi um pilar forte em termos de habitação; 98% é assegurada por privados e a habitação pública existente (2%) restringe-se às camadas mais vulneráveis.

Isso é um paradigma que precisamos de alterar. Nós temos uma média de habitação pública na União Europeia que chega quase aos 20%, Portugal não chega aos 2% de oferta de habitação. Há aqui uma política de fundo. Temos visto a ministra fazer um périplo pelo país nos últimos dias a inaugurar um fogo aqui, outro ali, ora isto é uma política avulsa e uma política que procura dar resposta mediática a um problema que é concreto. O que se exige é que o Governo lance efectivamente um programa de construção de habitação pública para a sociedade, não só para os mais vulneráveis e desprotegidos nesta situação, mas para o conjunto da sociedade. Precisávamos de atingir, no mínimo, a média europeia de habitação pública e aquilo a que assistimos é nada, num quadro inclusive em que o Governo não nos sabe dizer hoje em dia qual é o número de devolutos que tem espalhados pelo País. Infelizmente temos assistido ao encerramento de muitos serviços públicos por este país fora; escolas, centros de saúde, repartições de finanças, etc. O Governo não tem este apanhado feito, não sabe quantos imóveis é que poderia ter em condições mais ou menos céleres de introduzir no mercado. Isto mostra do desnorte e da necessidade de inversão política que é necessário ter sobre esta matéria. 

O que esperam que aconteça depois deste sábado?

A nossa expectativa é que o Governo tenha noção do que está em causa e inverta esta política. Inverter a política não passa por medidas de cosmética, muito menos medidas de fachada. Olhamos para o quadro das medidas apresentadas no crédito à habitação e toda a opinião pública, no momento, disse: «Bem, mas não estamos a resolver nada, o que estamos a fazer é a onerar o futuro daqueles que têm um crédito para a frente.» Aqui não há meias-medidas que se possam tomar. O Governo precisa de acordar para a realidade do problema, pôr os lucros da banca em causa, salvaguardar os contratos de arrendamento existentes e começar a tomar medidas para que os preços da habitação baixem. Esta é a nossa expectativa, é nesse sentido que lutamos e que procuraremos desenvolver a nossa acção nos próximos tempos até que o Governo, de facto, inverta a situação. 

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